Refeições na Idade Média, texto de Alexandre Staut

25 04 2017

 

 

The Temperate and the Intemperate, about 1475–80, Master of the Dresden Prayer Book. Flemish. The J. Getty MuseumOs moderados e os desmedidos, c. 1475-1480

Mestre do Livro de Orações de Dresden

Bélgica

The J. Paul Getty Museum

 

 

“Em toda a Europa predominavam refeições coletivas em que inteiras, incluindo os funcionários, sentavam-se juntos. Era uma recomendação da Igreja contra o egoísmo e a arrogância.  Porém, perto do final da Idade Média, os ricos procuraram escapar do espírito coletivo, retirando-se em salas privadas para desfrutar de privacidade durante as refeições.

Durante o período medieval os ricos atentaram para a importância da limpeza e de hábitos saudáveis antes e durante as refeições. Nas mesas havia tigelas de água e toalhas para que pudessem lavar as mãos.”

 

Em: Paris-Brest, Alexandre Staut, São Paulo, Cia Editora Nacional: 2016, p.152





Patrimônio Cultural da Humanidade: Tsodilo

19 11 2014

 

 

TsodiloFoto: Geof Mason

 

Botsuana:

 

Tsodilo

 

Com uma das maiores concentrações de arte rupestre do mundo, Tsodilo tem sido chamada de ‘Louvre do Deserto’. Mais de 4.500 pinturas são preservados em uma área de apenas 10 km2 do deserto de Kalahari. O registro arqueológico da área faz um relato cronológico das atividades humanas e as mudanças ambientais ao longo de pelo menos 100 mil anos. As comunidades locais nesse ambiente hostil respeitam Tsodilo como um local de culto frequentado por espíritos ancestrais.





Patrimônio Cultural da Humanidade: Timbuktu

14 11 2014

 

 

TombouctouTimbuktu ©UNESCO

 

 

Mali

 

Timbuktu

 

Local da prestigiada universidade corânica Sankore e de outras madrassas, Timbuktu era um capital intelectual e espiritual e um centro para a propagação do Islã em toda a África nos séculos XV e XVI. Suas três grandes mesquitas, Djingareyber, Sankore e Sidi Yahia, lembram a era de ouro de Timbuktu. Embora continuamente restaurados, esses monumentos estão hoje sob ameaça de desertificação.  Sitiada na entrada para o deserto do Saara, dentro dos limites da zona fértil do Sudão e em um local excepcionalmente propício perto do rio, Timbuktu é uma das cidades da África, de maior ressonância histórica no continente.

Fundada no século V, o apogeu econômico e cultural de Timbuktu surgiu nos séculos XV e XVI. Foi um importante centro para a difusão da cultura islâmica, irradiando conhecimentos vindos da Universidade de Sankore, e de  180 escolas corânicas e 25.000 alunos. Também era uma encruzilhada de rotas pelo deserto e por isso mesmo um importante mercado para o comércio de manuscritos, sal de Teghaza no norte, o ouro,gado e de grãos do sul.





Patrimônio Cultural da Humanidade: Minarete em Jam

4 11 2014

 

 

 

MINARETE JAM

Afeganistão:

Minarete e ruínas arqueológicas em Jam.

O minarete tem 65 metros de altura. Foi construído no século XII. Trata-se de uma estrutura coberta por elaborado trabalho em tijolos, levando inscrição em azul, na parte superior. A  arquitetura e a decoração são excepcionais. Localizado nas profundezas de um vale fluvial ele se eleva, com grande elegância e dramaticidade por entre as montanhas, no coração da província de Ghur.





Patrimônio Cultural da Humanidade: Colônia del Sacramento

14 08 2014

 

 

In Uruguay - Colonia del Sacramento

 

Uruguai:

Bairro histórico da cidade de  Colônia do Sacramento

 

Colônia del Sacramento foi fundada por portugueses em 1680, que aproveitaram a posição estratégica do local para montar um ponto de defesa na margem norte do Rio da Prata, de frente para Buenos Aires. Este é o único exemplo de planejamento urbano que não segue as regras espanholas de ruas paralelas e cruzadas, impostas pelas “Leis das Índias”. Ao invés disso a cidade tem ruas que seguem a topografia do terreno, ainda que dependente de sua função militar. Os prédios modestos em dimensão e aparência mostram a fusão de tradições portuguesas e espanholas nos métodos de construção.

 





Mal d’Afrique, texto de Francesca Marciano

24 04 2013

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Cânion do Rio Blyde,  s/d

Mabel Withers (África do Sul, 1870-1956)

aquarela, 16 x 25 cm

Le mal d’Afrique

Tanta gente tentou definir o sentimento que os franceses chamam de Mal d’Afrique, que de fato é uma doença. Os ingleses nunca tiveram uma definição para ele, acho que porque jamais gostaram de admitir que, de algum modo, estavam sendo ameaçados por este continente. Obviamente porque preferiam a idéia de governá-lo a de ser governados por ele.

Só agora compreendo como esse sentimento é uma forma de deteriorização. É como uma rachadura na madeira que vai avançando lentamente. Pouco a pouco ele se torna mais e mais profundo, até finalmente separar você do resto. Um dia você acorda e descobre que está flutuando sozinho, virou uma ilha independente arrancada de sua terra natal, de sua base moral. Tudo já aconteceu enquanto você dormia, e agora é tarde demais para tentar qualquer coisa: você está aqui fora não há retorno. Essa é uma viagem só de ida.

Contra sua vontade, você é obrigado a experimentar o horror eufórico de flutuar no vazio, suas amarras rompidas para sempre. É uma emoção que corroeu lentamente todos os seus vínculos, mas é também uma vertigem constante a que você nunca vai se acostumar.

É por isso que um dia você tem de voltar. Porque agora você não pertence mais a lugar nenhum. A nenhum endereço, casa ou número de telefone de nenhuma cidade. Porque uma vez que tenha estado aqui, pairando solto ao Grande Nada, você nunca mais vai ser capaz de encher seus pulmões com ar suficiente.

A África o observou e o arrancou do que você era antes.

É por isso que fica querendo fugir, mas sempre terá de voltar.

Depois,  é claro, há o céu.

Não há céu tão grande quanto este em nenhum outro lugar do mundo. Ele paira sobre você, como uma espécie de guarda-chuva gigantesco e lhe tira o fôlego. Você fica achatado entre a imensidão do ar sobre sua cabeça e o chão sólido. Ele cerca você por todos os lados, 360 graus, céu e terra, um o reflexo aéreo do outro. O horizonte aqui não é mais uma linha plana, mas um círculo sem fim, que faz sua cabeça rodopiar. Tentei descobrir que artifício existe por trás deste mistério, porque não vejo razão alguma para haver mais céu num lugar que noutro. Não fui capaz, contudo, de descobrir qual é a ilusão de óptica que torna o céu africano tão diferente de qualquer outro céu que você tenha visto na vida. Poderia ser o ângulo particular do planeta no Equador, ou quem sabe o modo como as nuvens flutuam, não acima da sua cabeça, mas bem diante de seu nariz, pousadas na borda mais baixa do guarda-chuva, logo acima do horizonte. Essas nuvens à deriva, que redesenham constantemente o mapa: num relance você pode ver uma tempestade se armando no norte, o sol brilhando no leste e, no oeste, um céu cinzento, que fatalmente vai azular-se a qualquer minuto. É como se centrar diante de uma gigantesca tela de televisão, assistindo a uma previsão do tempo cósmica.

Você está viajando para o norte, rumo ao NFD, o legendário North Frontier District, e de repente é como se estivesse olhando a paisagem com um binóculo virado ao contrário. As últimas lentes grandes-angulares, que comprimem o infinito dentro de seu campo de visão. Seus olhos nunca lançaram um olhar tão amplo. Terra plana que se estende por todo o caminho até o distante perfil púrpura do Matthews Range e depois, exatamente quando você pensava que o espaço terminara, precisamente quando imaginava que a paisagem iria se fechar de novo à sua volta, que você iria se sentir menos exposto, uma outra cortina se ergue para revelar mais vastidão, e seus olhos ainda não conseguem divisar o seu fim.

Mais terra se estirando obedientemente sob seus pneus, oferecendo-se para ser trilhada. As maracás das suas rodas tornam-se a bandeira interminável de sua conquista. Você enche os pulmões com o cheiro seco de pedras quentes e poeira e tem a impressão de estar aspirando o universo.

Você se vê enquanto entra nessa geometria grandiosa, absoluta: você não passa de um pontinho diminuto, uma partícula minúscula que avança muito lentamente. Agora você se afogou no espaço, é obrigado a redefinir todas as proporções. Uma palavra que não lhe ocorria há anos lhe vem à mente. Ela brota de algum lugar dentro de você.

Você se sente humilde. Porque a África é o começo.

Não há abrigo aqui: nenhuma sombra, nenhuma parede, nenhum teto sob os quais se esconder. O homem nunca se deu ao trabalho de deixar sua marca na terra. Só choupanas minúsculas feitas de palha, como ninhos de aves que o vento vai varrer facilmente.

Você não pode se esconder.

Aqui está você,  sob esse sol causticante, exposto. Você percebe que tudo com que pode contar agora é o seu corpo. Nada do que aprendeu na escola, com a televisão, com seus amigos brilhantes, com os livros que leu, vai ajudá-la.

Só agora você se dá conta de que suas pernas não são fortes o bastante para correr, suas narinas não são capazes de cheirar, sua vista é fraca demais. Percebe que perdeu todos os seus poderes originais. Quando o vento sopra o cheiro acre de búfalo no seu nariz, um cheiro que você nunca tinha sentido antes, você reconhece o instantaneamente. Você sabe que o cheiro sempre esteve aqui. O seu, por outro lado, é o resultado de muitas coisas diferentes, de filtro solar a dentifrício.

Le mal d’Afrique é vertigem, é corrosão e, ao mesmo tempo, é nostalgia. É um desejo de retornar à infância, à mesma inocência e o mesmo  horror, quando tudo ainda era possível e cada dia poderia ter sido o dia da sua morte.

Em: As leis da selva, de Francesca Marciano, tradução de Maria Luiza X. de A. Borges, Rio de Janeiro, Record: 2001, pp: 20-23





O labirinto em Serena, de Ian McEwan

4 10 2012

Relatividade, 1953

M. C. Escher (Holanda, 1898-1972)

Litografia

Inicialmente pensei que a imagem mais apropriada para ilustrar o livro Serena de Ian McEwan fosse uma das paisagens de Estaque do pintor francês e fundador do cubismo, Georges Braque, tal como Viaduto de Estaque ilustrado abaixo.   Nesta tela vemos uma paisagem com algumas casas rodeadas de vegetação e um viaduto romano ao fundo.  Nós compreendemos a cena, e ainda a vemos mais completa, porque somos instruídos — através da criativa maneira de pintar desenvolvida pelos cubistas, inspirados por Cézanne —  sobre as demais facetas da paisagem que revela diversos elementos vistos por diferentes ângulos, que não estariam dentro das nossas possibilidades entrever.  Com o  uso de múltiplas perspectivas Georges Braque neste caso permite que  conheçamos “o outro lado da lua”, ou seja: os dois lados de um telhado que nossa visão não permitiria perceber, ou a fachada de uma casa,  que ele levanta  ligeiramente,  por cima das casas na frente, para que vejamos a série de janelas paralelas corridas.  Essa visão compreensiva, giroscópica,  do tema, dos objetos ou pessoas retratadas, explorada pelos cubistas constitui em grande parte a maneira narrativa de Ian McEwan.

Viaduto de Estaque, 1908

Georges Braque (França, 1882-1963)

óleo sobre tela, 72 x 59 cm

Museu de Arte Moderna, Centro Pompidou, Paris

Mas à medida que o texto avançou e certamente depois que cheguei ao fim do romance,  a visão cubista, ainda que interessante,  não me satisfez.  Porque é um texto que se renova, que se reencontra e que recomeça.  É um labirinto com alguns becos, algumas passagens em múltiplos níveis, com algumas realidades paralelas, como se estivéssemos num jogo digital e uma vez ou outra achássemos a porta que nos leva direto até o próximo nível, sem termos que lutar com o dragão ou algum inimigo inesperado.  Esta é uma história que vai e volta e se aprofunda em diversos níveis sem que saibamos por que estamos sendo levados por aquele caminho e de repente, parecemos voltar ao ponto inicial como em um rondó musical ou em uma fita de Möebius.  E foi pensando nela que acabei selecionando uma das muitas gravuras de M. C. Escher para dar o tom visual do que acontece com o leitor de Serena.  Escolhi a gravura Relatividade, uma litografia cuja primeira tiragem foi feita em 1953, porque esse artista holandês é quem, nas artes plásticas, de meu conhecimento, melhor exemplifica a minha experiência ao terminar esse texto.

É a habilidade narrativa de McEwan que permite que se chegue ao final da trama capaz de entender os diversos níveis em que ela se desenvolve. E ser surpreendido.  Totalmente surpreendido.  Este é um romance, um thriller, que aparenta tratar de espionagem na década de 60 do século passado. Espionagem envolvendo o fabuloso serviço inglês MI5 já bastante caracterizado na literatura, no cinema e em programas televisivos pela sua invencibilidade.   Não há nenhum James Bond, mesmo em se tratando de Londres, cidade onde Serena,  que acabou de terminar o curso superior numa excelente universidade inglesa, arranja seu primeiro emprego.  A jovem é a nossa porta de entrada para esta aventura literária que insiste em parecer simples e direta.  Até que, em certo momento, temos a sensação de que talvez não estejamos lendo coma atenção necessária.  No meu caso foi lá pela página 140, quando parei e voltei ao início.  Mas tive relatos de outros leitores, talvez mais sensíveis, mais perceptíveis, que o fizeram umas 50 páginas antes.  De qualquer modo, o leitor sente que  há algo no ar mas não sabe onde, nem o quê, nem o porquê. E assim se desenrola a narrativa.

Ian McEwan

Mais do que um thriller, Serena é um livro sobre ficção.  Sobre diversos níveis de ficção. Sobre a ficção que encontramos no dia a dia, na fabricação de quem somos, no contar e recontar de nossos movimentos de nossas ações.  Temos a ficção de espiões e a ficção de quem escreve ficção.  Este é um   romance baseado no ato de simular, na habilidade do fingimento.  Ian McEwan explora aqui  a tênua linha que define realidade.  Este romance é uma ode à imaginação.  À nossa habilidade, à capacidade humana de iludir e de aceitar ser iludida.  A narrativa é um quebra-cabeça, um Cubo de Rubik com faces de espelhos, onde tudo se encaixa, a qualquer momento em qualquer hora,  porque tudo, absolutamente tudo não passa de ficção.  Uma narrativa brilhante.

Minha objeção está na personagem que achei o menos crível dos elementos.  Mas como acreditar em um personagem que nos ajuda a construir o ficcional?  Como julgar aquele que nos faz crer e que nos ajuda a descrer. Este é o impasse a que chegamos.  E a mensagem é simples: não creia, não acredite.  Tudo não passa de ficção.  Nem mesmo eu, nem você que me lê, nem Serena.





Pensando o espaço urbano verde: Hotel Kandalama

12 07 2012

Hotel Kandalama, em Sri Lanka (antigo Ceilão em português).

Projetado pelo mais famoso arquiteto do país, Geoffrey Bawa, o edifício representou na época em que foi  construído, 1991-1994, sua maneira de balancear o mundo natural com a interferência humana de maneira harmoniosa, com grande sensibilidade.   O hotel não se distingue da natureza que o cerca.  Com paisagismo de Aitken Spende, o hotel consegue dar a impressão ao visitante que o edifício simplesmente é coberto pela extensão da vegetação à sua volta, sem ser ofuscado pela pedra Sigiriya Rock.  Ao contrário, o prédio  foi construído um pouco mais longe, abraçando a parte mais baixa de um morro, aos pés do qual é construído, como se fosse sua própria continuação.

Vista do Hotel Kandalama, do térreo.

Vista dos caminhos e das trepadeiras.

A entrada do hotel fica num nível mais abaixo do que a construção propriamente dita.  E acesso ao edifício é feito através de um corredor que leva até o saguão principal.  A ideia por trás de toda a construção é oferecer uma varanda para a natureza que o cerca e não chamar atenção para a construção propriamente dita.

Vista do interior para fora.

O arquiteto convenceu seu cliente a escolher um local alternativo, cerca de 15 km ao sul do plano original sobre terreno rochoso. O que Geoffrey Bawa conseguiu prever: as características marcantes naturais, que eram um desafio do projeto acabaram por permitir que houvesse um menor impacto da construção no local.  Nenhuma máquina de terraplenagem foi utilizada, e as formações rochosas foram mantidas e utilizadas como  um elemento importante no projeto final.

Caminhos do Hotel Kandalama, com uso de pedra natural como elemento arquitetônico.

Outros elementos importantes do projeto incluem a sua localização, ao longo dos cumes existentes, de passarelas externas ao longo da face do penhasco e treliças de madeira com vegetação trepadeira. Esses elementos ajudam a emendar o edifício ao local, criando uma relação simbiótica de seu entorno com o prédio.  Desta maneira ele apaga a distinção entre o natural e o artificial. A localização, a ambiguidade espacial e articulação da fachada combinam para criar uma experiência única para quem ali se instala.

Os 28.110 m² de hotel foram construídos sobre palafitas para manter o fluxo de água da chuva natural.  O paisagismo foi restaurado até os alicerces da coluna, e 80 por cento dos telhados são plantados com horticultura indígena. O edifício foi planejado ao longo de um pano de fundo de uma formação de rocha para fornecer maior grau de resfriamento passivo, o que reduziu a carga de resfriamento global.

Toda a água é reciclada e reutilizada.  Ela vem de poços profundos do próprio local e é tratada, antes de circular no edifício. Depois passa por duas estações de tratamento e, em seguida, utilizada para o paisagismo. A água excedente é devolvida ao aquífero.  Todas as necessidades de água e esgoto do edifício são satisfeitas a partir de recursos locais, sem conexões com o serviço público.

Os telhados planos (inclinação de 1%) e as colunas verticais finas, combinadas com os telhados verdes e fachadas, dão sensação de autossuficiência e conforto para os visitantes.

A proximidade a um edifício que interfira pouco no meio ambiente em que está localizado ainda é mais acentuada pelo uso das árvore Gliricidia sepium nativas do local, de tamanho médio, chegam a  10 -12 metros de altura.  Elas produzem flores entre o rosa e o lilás dando cor a paisagem na época de inflorescência.





Pensando o espaço urbano verde: o ACROS em Fukuoka, no Japão

26 06 2012

O edifício Acros Fukuoka.

Um dos edifícios mais interessantes visualmente que integram o verde com arquitetura está no Japão na cidade de Fukuoka.  É o edifício ACROS, mais comumente chamado de Acros-Fukuoka, construído em 1994.  Ele é um oásis, de aproximadamente 5.400 m², construído pelo homem na forma de meio-zigurate.  Tem terraços enormes em que foram plantadas incialmente mais de 35.000 plantas de 76 espécies  — e que hoje incluem 50.000 plantas de 120 variedades — que parecem cascatear dos 60 m de altura do edifício até encontrar o parque ao nível térreo. Visualmente unidos pela vegetação, esses terraços  dão continuidade ao parque como se fossem uma elevação natural.  Isso porque no lugar de vegetação rasteira, comum no paisagismo combinado à arquitetura, os terraços têm árvores, arbustos, plantas de diversas alturas,  que acentuam a percepção de uma composição mais natural à medida que o jardim cresce morro acima.

Vista aérea do edifício ACROS-Fukuoka e seu parque.

O edifício tem duas fachadas diferentes.  Do lado norte,  ele é semelhante a outros edifícios comerciais para escritórios.  Tem uma longa e alta fachada de vidro e uma entrada elegante,  como caberia a uma construção desse porte, na rua de maior prestígio no setor financeiro da cidade.  Do outro  lado e escondido de quem vem pela rua, o edifício  se abre para um paraíso verde com jardins suspensos.  Cada andar pode desfrutar de vista com densos jardins, repletos árvores e plantas que dão flores em diferentes épocas do ano:  uma natureza em festa.   O edifício permite, dessa maneira, que se desfrute das quatro estações, em qualquer andar, mesmo que se trabalhe em um escritório.

Vista lateral do Acros-Fukuoka, com lateral do canal para o porto.

Projetado pela firma do arquiteto argentino Emilio Ambasz and Associates, Inc. o edifício incorporou, ao lado sul, sem que isso tivesse sido requisitado, o parque Tenjin [ Tenjin Central Park] no terreno ao lado, preservando o único espaço verde, público, remanescente na cidade de Fukuoka.  Com terraços que vão até o topo do edifício, culminando num belvedere de onde se pode observar o porto e a cidade, a construção leva em consideração além do bem-estar de quem ali trabalha, aspectos de conservação do meio ambiente, através de seus telhados verdes – em cada andar – que reduzem o consumo de energia porque mantêm a temperatura do interior do prédio mais constante e confortável.  Esses telhados também captam água da chuva e servem de habitação para centenas de espécies de insetos, pássaros e outros pequenos animais.  Os jardins também são utilizados para lazer, exercícios físicos, meditação, além de  descortinar uma bela vista do porto de Fukuola e terras adjacentes. O paisagismo dessa construção ficou a cargo do engenheiro Nihon Sekkei Takenaka Corporation.

Vista do alto de uma das plataformas do jardim do edifício Acros-Fukuoka.

O lado sul também é o que exibe uma curiosa fachada: um plano inclinado de jardins em terraços que é quebrado no meio por uma torre de vidro gigantesca.  Isso não só traz à fachada uma dimensão escultórica como serve plenamente para trazer interesse aos espaços exterior e interior do edifício. a coluna de vidro permite que a luz difusa do dia penetre nos quatorze andares do edifíco trazendo ainda maior bem-estar aqueles que trabalham lá.

Vista lateral dos andares superiores, lado sul.

São 97.252 m² de espaço funcional nesse edifício.  Neles estão incluídos uma sala de exposição, um museu, um teatro para 2.000 pessoas, instalações para conferências, escritórios do governo e particulares, e diversos níveis de estacionamento subterrâneo além de lojas.  A estrutura de aço e concreto armado é composta de 14 andares acima do nível térreo e 4 andares abaixo da terra.

Vista do espaço interior do Acros-Fukuoka.

O exterior do edifício é sem dúvida impressionante, mas o espaço interior também é muito bem desenvolvido: um grande átrio semicircular e um saguão com pórtico triangular criam uma espaçosa entrada que desliza para a vegetação no lado de fora.

Interior do Acros-Fukuoka.

O cuidado com o bem-estar de quem ali trabalha também pode ser observado na construção de espelhos d’água nos terraços.  Conectados por pulverização ascendente de jatos de água, eles criam uma falsa cachoeira, que disfarça o ruído da cidade. Estas piscinas ficam acima do átrio de vidro no interior do edifício central, trazendo luz difusa para o interior.

Vista dos caminhos no jardim do Acros-Fukuoka.

Vista do edifício Acros-Fukuoka do lado oposto ao jardim.

Entrada pelo jardim.

Vista para o teto do saguão no térreo.

Vista vol d’oiseau.





O mundo em 11 x 16 cm — cartões postais para onde foram?

15 08 2011

Modelo escrevendo cartões postais, 1906

Carl Larsson ( Suécia, 1853-1919)

Meu avô materno me apresentou ao passatempo de colecionar cartões postais e com isso plantou as sementes da viajante em mim, um grande desejo de conhecer o mundo.  Ele descobriu outros países a trabalho, mas sempre achou uns minutos para mandar cartões postais variados, com pequenas notas de viagem para cada membro da família: três filhas, esposa, netos, genros e amigos.   Vem desse tempo a minha fascinação por postais.  Talvez tenha sido nessa época o início do meu gosto pelas artes gráficas.  Não sei.  Mas cartões postais fizeram parte de toda a minha infância e adolescência: do Oiapoque ao Chuí, do Senegal à Suíça, o mundo se descortinava para mim, com cada visita do carteiro.  O formato era o mesmo, um envelope comum de 11 x 16 cm, mas o conteúdo, ah… como variava!   Havia os cartões com fotografias de locais pitorescos, dos principais monumentos do mundo; havia os postais com bonequinhas com roupas de diferentes regiões dos países europeus, bordadas no cartão e alguns postais com curiosidades esdrúxulas: da feira de produtos agrícolas da Sérvia, aos tocadores de cornetas na Suíça, com seus instrumentos tão longos que pousavam na terra, em gramados impecáveis por entre as montanhas alpinas.  Havia também os postais que eram fotos de vovô: à beira do Lago …, nos Jardins de Luxemburgo…  Cartões que hoje imagino terem sido tirados em lambe-lambes locais ou seus equivalentes no estrangeiro.  Os postais do Brasil eram sempre em preto e branco, alguns mais avermelhados,  com o nome dos locais escritos em branco sobre as fotos.   Alguns postais eram quase desenhados, fotos trabalhadas com tinta e coloridos posteriormente…  Além, dos cartões postais com desenhos interessantes:  na Páscoa pintinhos e ovos ou no meu aniversário, uma cestinha com gatinhos falando em francês: Joyeux anniversaire!

Recentemente tive a idéia de voltar a alguns dos lugares brasileiros cujos postais guardei por tanto tempo.  A maioria está irreconhecível!  Aí sim, vemos o crescimento populacional, as mudanças na paisagem.  Estive em Teresópolis, no estado do Rio de Janeiro, com um cartão nas mãos, para ver à distância o Dedo de Deus.  No meu cartão eu deveria estar num campo cheio de cavalos pastando…  Hoje, daquele mesmo ângulo eu estaria no meio de alguns edifícios de muitos andares.   Tudo mudou.

Postais da minha estadia na Argélia.

Ontem, passando os olhos nos blogs do The New York Times, encontrei o interessante artigo de Charles Simic, titulado A decadente arte de escrever postais [The Lost Art of Postcard Writing], que me trouxe uma enxurrada de memórias, não só de cartões recebidos como de cartões mandados, das centenas de postais que encaixotei soltos, amarrados em grupos com cordões plásticos, com elásticos, em caixas de sapatos, em álbuns, pulando de residência em residência, de guarda-móveis a guarda-móveis, resultado de uma vida de inúmeras viagens e de longas moradias em quatro diferentes continentes.  Charles Simic está correto: estamos perdendo o hábito de mandar postais, e certamente de escrevê-los.  Mas ainda há muita gente adepta… Vejam a quantidade de postais à venda nos jornaleiros dos pontos próximos a lugares turísticos ou a hotéis no Rio de Janeiro.

O postal para mim foi sempre uma maneira de fazer uma pausa no quarto de hotel, no café da manhã, no bar de praça européia.  Um momento de reflexão sobre onde eu estava e o que havia visto.  Nunca fui de escrever:  Saudades.  Gostaria que você estivesse aqui…   O envio do postal, já indica  que estou pensando em quem o recebe.  E saudades também são assim expressadas.   Esse sentimento tão pessoal, delicado e fluido, quase melancólico não pertence, a meu ver, a uma mensagem que se encontra descoberta, exposta a qualquer um, nua, avidamente devorada pelos olhos de quem quer que manipule o cartão.  É pessoal demais…  Meus recados em postais são sempre baseados naquilo que eu diria para a pessoa a quem endereço as mensagens caso estivesse contando a minha viagem.  Sempre fui prolífica, principalmente com o pessoal da família.  Já até tive que colocar postais em envelopes, porque houve lugares – todos em países comunistas — em que os Correios achavam que tinha escrito demais no cartão, que já contava como carta…   Prolífica, todos que lêem esse blog já sabem que sou …

Cartão postal de Ghardaia [Pentápolis] — A praça do mercado

Querida mamãe: É assim mesmo!  O mercado na praça de Ghardaia.  Não tem o que tirar nem por. Você não pode imaginar o labirinto de ruas de +- 1,50m a 2m de largura pelo centro da cidade à medida que se sobe o morro para se chegar à mesquita no topo.  Só se vê homens – o meio de transporte é o burrico.  As mulheres que se vê têm véu e só deixam um olho aparecer.  Elas se viram de encontro à parede quando um homem passa.  Beijoca, L…

Cartão postal de Beni-Isguen [Pentápolis], cemitério do Palmeiral.

Querida mamãe: Este tipo de arquitetura dos oásis de Ghardaia, foi o que inspirou a arquitetura de Le Corbusier quando ele fez a Capela Ronchamp.  Outros arquitetos famosos como Frank Lloyd Wright também foram muito influenciados pela arquitetura dos Mozabites.  Beijocas, L…

Mostro o que escrevi, mas não me considero uma excelente “escritora” de postais. Isso porque tenho amigos que parecem mais sucintos, mais interessantes nas suas observações.  Recebi uma vez um cartão postal de um amigo que visitava Petrópolis, com a foto da casa de Santos Dumont, uma única frase:  Ele já morava nas alturas… para a volta à Torre Eifel foi um passo… Taí… Diferente… a continuação de uma conversa jogada no ar… Maravilha!

Charles Simic em sua postagem menciona algumas outras observações em postais feitas por amigos e lembra que não conhece nenhuma coletânea de escritos de cartões postais como as que existem de cartas, mas que se houvesse,  está certo de que a coletânea seria bastante interessante.    Pessoas que por uma frase, ou por uma observação revelam-se aos amigos de forma mais que imprevisível. Há muitos exemplos e Simic nos dá um bem humorado:

Queridos Mamãe e Papai, perdemos nosso último centavo e chegamos ao limite dos cartões de crédito em Las Vegas e estamos pegando carona desde então, às vezes passando a noite na cadeia de modo que pudemos tirar vantagem das cozinhas locais providenciadas pelas polícias do Texas.  Vocês vão gostar de saber que um padre levado à cadeia por dirigir bêbado e com quem dividimos uma cela recentemente nos disse que parecemos um casal de antigos mártires cristãos.  Os noivos.  

[Dear Mom and Dad, We lost our last penny and maxed our credit cards in Las Vegas and have been hitchhiking ever since, spending a night in jail at times so we could avail ourselves of whatever local cuisine the law enforcement provides in Texas. A priest arrested for drunken driving who shared our cell recently told us that we look like a couple of early Christian martyrs, you’ll be happy to hear.  The Newlyweds]

A comunicação entre amigos e familiares mudou muito.  O telefonema internacional está do tamanho do bolso de quem viaja e as fotos digitais nos fazem participar das viagens de nossos amigos quase em tempo real.  Neste verão tive uma inundação de emails com fotografias das diversas aventuras internacionais de amigos e conhecidos e confesso que, como Charles Simic, senti saudades da comunicação por cartão postal.  Os avanços tecnológicos são facas de dois gumes: ao mesmo tempo que participamos gratuitamente do desenrolar de uma aventura, de uma viagem especial de nossos amigos e familiares, também temos nossas caixas postais entupidas por emails com fotografia mal tiradas, muitas vezes de celulares, onde vemos Fulano com a Torre Eifel ao fundo, Beltrano na muralha da China, e até o café da manhã de Sicrano na Polônia…   Será que precisamos mesmo dessa intimidade toda?

Se não recebemos as fotos por email, temos a coleção das mesmas estampadas nas nossas páginas no Facebook, como se todos os momentos das vidas de quem conhecemos fossem de interesse absoluto e essencial para todos os que dali participam.  Voltamos de uma maneira tortuosa ao passado, às noites em que nos reuníamos na companhia de parentes para ver uma infinita coleção de slides documentando as “férias fabulosas” de nossos conhecidos, dos nossos familiares, que apareciam em frente aos pontos turísticos mais conhecidos do mundo.  Um exercício de paciência e de sono contido.  Uma verdadeira maratona que testava a amizade e o amor ao próximo.   Pelo menos hoje em dia, podemos colocar uma ou duas observações em fotos no site de relacionamento e dar por encerrada a atividade voyeurística.

Praça Paris, cartão postal,  coleção Flicker, favaro JR.

A vantagem do cartão postal está na seleção da foto, que é sempre de qualidade.  E na breve mensagem escrita à mão, que revela a quem o recebe as características de quem o enviou.  Há também uma dupla filtragem, coisa maravilhosa, de forma e conteúdo: as escolhas da imagem do cartão e do texto.  A atividade requerida em escrever um texto que irá viajar pelo mundo, já pede que pensemos no que dizer e como dizer; enquanto que a escolha do que mostrar, da foto, da imagem que mandamos, também nos dá a oportunidade de dividir com uma pessoa específica um ponto de vista, um enfoque, uma ironia, uma piada, um carinho.  A facilidade da foto digital, mandada por email ou através de sites de relacionamento permite que não se selecione, nos permite a auto-indulgência, a promiscuidade visual.  Não há triagem, não há exigência.

Além disso, o cartão postal oferece não só uma visão do lugar que se visita, mas também, e não menos importante, uma visão do que o povo daquele lugar que se visita considera importante para que os turistas se lembrem daquele local.  Há uma troca. Quando morei na Argélia, por exemplo, tive grande dificuldade de encontrar cartões postais que refletissem o que via à minha volta.  Muitos dos postais eram reimpressões de outra época no país, quando ainda fazia parte da França.  À minha volta as coisas eram diferentes e essa discrepância me incomodava.  E, como havia muitos lugares onde não era permitido se fotografar – o governo não dava muita liberdade nem a turistas nem a residentes temporários como nós – ficava difícil poder repartir as minhas experiências com familiares e amigos.

Cartão postal, Praia de Copacabana, Rio de Janeiro, coleção Flicker: rio antigamente

A recente exposição Turismo no Rio de Janeiro, no Espaço Cultural Fundação Getúlio Vargas, mostrou como o cartão postal serve de testemunha da história de um local.  Muitas vezes  fotos de fotógrafos amadores se perdem.  Fotos dos meios de comunicação concentram-se mais no dia a dia local.  São justamente os cartões postais as imagens que nos dão uma idéia mais sistemática do crescimento de uma comunidade, de seus valores e de seus encantos.  E porque são produzidos aos milhares, têm uma melhor chance de serem preservados.

Da próxima vez que você viajar, mande um postal aos seus amigos e ajude a preservar a história daquele lugar, além é claro, de preservar a amizade e o carinho que você tem pelo seu correspondente.

©Ladyce West, Rio de Janeiro: 2011