Campos de girassóis dominam a paisagem rural da Alta Andaluzia, de Jaen a La Carlota.
25 de outubro
Meus queridos,
Deixamos Córdoba em direção a Portugal, ontem à tarde. No caminho me lembrei que tinha duas cartas e quinze cartões postais para colocar nos Correios. Já estávamos a caminho. De modo que decidimos parar na primeira cidade que encontrássemos. Paramos afinal num lugar chamado La Carlota. Lá, tive uma experiência muito interessante.
La Carlota é cortada em duas pela estrada em que viajávamos. Depois de ter ido ao lado errado da cidade, finalmente me disseram que eu tinha que atravessar a estrada para lá achar os Correios, dentro da prefeitura. Na prefeitura eu os achei do outro lado de um enorme jardim interno cheio de laranjeiras, escondido por filas e filas de pessoas umas indo para a enfermaria da cidadezinha (parecia fila de atendimento médico brasileiro); outras indo para uma caixa receber pensões: uma longa fila de senhoras idosas vestidas de preto. Havia outras filas, mas com franqueza não me lembro para que, só que o reboliço era enorme, crianças chorando, balbúrdia geral. Nos Correios eu me deparei com um senhor bem redondinho, que olhou muito intrigado para a minha pilha de cartões, olhou bem para os endereços, coçou a cabeça e apanhou um livro grande, que mais parecia um dicionário do século XIX e pôs-se a procurar por alguma coisa. Alguns momentos depois ele me disse que não tinha ali os selos necessários para as tarifas das cartas para o Brasil, nem dos cartões postais. Mas que ele achava que a tabacaria do outro lado da praça talvez tivesse.
Região de La Carlota, Espanha.
Esse homenzinho, então, calmamente tirou o avental que trazia por sobre a roupa normal, saiu detrás do balcão, fez um aceno com a mão para que eu saísse da sala também, colocou um cartaz na porta, “Correios Fechados” e me levou, quase pela mão, até o outro lado da praça à tabacaria em questão. Na loja eu tive que comprar setenta selos e precisei colá-los lá mesmo. Cada carta levou cinco selos, cada postal quatro. Os donos da loja se colocaram à minha disposição imediatamente e nós três começamos a lamber os selos ( que já vêm com cola) e colá-los, tudo na mais perfeita comunhão de interesses. Conversamos um pouco com o meu brasinhol e depois de dizerem que era bom mesmo que eu estivesse escrevendo para minha mãe “porque mãe é a coisa mais preciosas que temos no mundo”, eles se candidataram a me levar de volta aos Correios onde eu teria que depositar a correspondência numa caixa amarela. Eu garanti que sabia voltar, e eles relutantemente me deixaram ir.
Quando estou para colocar as cartas na caixa amarelíssima, bem na entrada dos Correios, de lá, sai depressa num passo de jato o homenzinho redondinho, tomou os postais e as cartas de minhas mãos, segurou-os com firmeza e cuidado e me garantiu de uma maneira bem importante que iria “tomar conta dessa correspondência pessoalmente”.
Sabem agora por que eu adoro a Espanha?
Saudades e beijinhos, a próxima carta já será de Portugal. Já quase dá para ver a fronteira! H. se anima, adora Portugal e sente saudades da comida portuguesa! L.