Acácias em flor na estrada cênica Moralana [Austrália]
Kevin Waters (Austrália, contemporâneo)
A leitura de A árvore das palavras me fascinou pela linguagem na primeira parte do romance, quando vemos o mundo através das impressões de Gita, menina crescendo em Moçambique nos anos anteriores à independência. Filha de uma portuguesa que se casa por conveniência com Laureano Capítulo, moçambicano, Gita, branca, de olhos claros, tem um relacionamento de cumplicidade com seu pai, de distanciamento com a mãe e de aproximação emocional com os negros do país. O romance dividido em três partes com diferentes narradores, nesta primeira voz narrativa é de grande apelo emocional, fascinante mesmo, sobretudo quando percebemos a aproximação da menina aos africanos e seus costumes.
Na segunda parte conhecemos o mundo de Amélia, a portuguesa, que ganha a vida em Lourenço Marques [hoje Maputo] como costureira. Sabemos suas ambições e frustrações. Os sonhos. A amargura. A desilusão financeira e emocional. Descobrimos como decide se casar e ir de encontro ao desconhecido. Mas, sobretudo somos apresentados à sua enorme inveja, aos ciúmes do sucesso dos outros, de qualquer outro. Nessa parte também aprendemos, em menor detalhe é verdade, sobre os sonhos de Laureano Capítulo, quando procura uma esposa para formar uma família, com uma mulher decente, e que por ela se apaixonou simplesmente pela fotografia mandada de Portugal.
Na terceira parte vemos Gita jovem adulta, resolvendo sua vida da melhor maneira que lhe é possível, re-avaliando o papel de Amélia em sua vida, tentando entendê-la. Seus primeiros romances e frustrações amorosas são pinceladas impressionistas. Moçambique cresce. É hora da independência. O poder de Lisboa está desgastado, não vale nada. Voltamos a saber dos personagens secundários que fizeram parte de sua vida de criança. Tudo indica que eles aparecem unicamente para que se feche o ciclo narrativo e para que se vislumbre o futuro de um país descolonizado. Eles não fizeram parte ativa da trama nem na primeira parte nem na ultima.
O romance prende a atenção. É uma lição de prosa poética. Mas a narrativa oblíqua, ainda que belíssima, fica sem direção. Há um único conflito que se resolve na segunda parte. A história peca pela falta de diálogos, pela caracterização indireta dos personagens, com exceção de Amélia. Essa sim, é um verdadeiro camafeu, um loquaz perfil de mulher, principalmente quando se apresenta com toda a pequenez de pensamento e emoção, e com toda sua aversão à verdade. De fato, é justamente Amélia que é a personagem complexa da história, a mais interessante. Todos os outros, de Laureano a Gita, de Roberto a Loia não são desenvolvidos o suficiente para que se entenda suas angústias, suas frustrações no plano emocional. Fazem parte de um pano de fundo. Se éramos para saber tanto de Amélia e das possíveis frustrações e preconceitos do português vivendo na colônia, porque então ela praticamente não aparece na primeira parte e definitivamente não se encontra na terceira e última parte do romance?
Teolinda Gersão
Por esses motivos, pela falta de tensão na trama, pela falta de resolução não posso considerar este romance uma obra prima de Teolinda Gersão. Desconheço suas outras publicações. Sei que é autora que já ganhou uma dezena de prêmios de literatura em Portugal. Mas fora sua prosa poética, pouco restou para mim de A árvore das palavras.