Clodomiro Amazonas ( Brasil, 1883-1953)
óleo sobre tela
PESP [Pinacoteca do Estado de São Paulo], SP
Clodomiro Amazonas ( Brasil, 1883-1953)
óleo sobre tela
PESP [Pinacoteca do Estado de São Paulo], SP
Casa de chá em Xangai, c. 1909
Mortimer L. Menpes (Austrália, 1855-1938)
Guache e óleo sobre placa, 32 x 40 cm
Já faz dias desde que terminei a leitura de Quando éramos órfãos e reluto em resenhá-lo: o livro é mais complexo do que a princípio lhe dei crédito. Quanto mais tento focar em alguma ideias, mais descubro sobre o que é importante; sinal de que é um livro rico em questionamentos. Voltei ao texto duas outras vezes e hoje sei que é um romance muito melhor do que minha primeira impressão.
A prosa aqui é deliberada. O texto é seco e sutil, qualidades que sempre me atraíram em seus romances. Ishiguro é preciso, escolhe a palavra exata e nenhuma outra. Por isso mesmo não se pode ignorar as pequenas deixas que semeia na narrativa. Toda atenção é pouca. Como João e Maria, vamos seguindo as migalhas deixadas na narrativa e se alguma é ignorada, perdida, comida com desatenção, podemos nos perder. Além disso, Ishiguro trabalha as elipses com mestria. E nesta obra chega a mesmerizar com sua habilidade de justificá-las. Para isso usa os desvios da memória de um narrador impreciso.
Memórias são pensamentos subjetivos e inexplicáveis, que se adaptam com frequência às necessidades de quem as recolhe. Não é incomum observarmos duas pessoas que tendo tido uma mesma experiência, lembrem-se de eventos de maneiras diferentes. É justamente por isso que o narrador dessa história, Christopher Banks, que se descreve como um grande detetive em Londres, tendo vivido na Inglaterra por mais de duas décadas retorna a Xangai, onde havia passado sua primeira infância, antes do desaparecimento de seus pais aos oito anos de idade, oferece um enorme leque de possibilidades para a difusão das dúvidas no leitor.
A evolução do mistério que envolve o desaparecimento dos pais do menino surpreende o leitor e o próprio Christopher Banks. Mas as ruas de Xangai são tão labirínticas quanto as aléias e becos sem saída das memórias de infância. Caminhos escuros percorridos por riquixás improváveis, o bairro dos estrangeiros à beira do campo de batalha durante a guerra sino-japonesa, o tráfico do ópio, tudo leva a mais dúvidas do que a fatos e assim como Christopher saímos dessa Xangai sem a certeza das poucas memórias que nos pertencem.
Não tive, no entanto, grande empatia pelo personagem principal que se mantém distante. Suas emoções estão guardadas e ele nos surpreende até mesmo quando se envolve amorosamente. Talvez por sentir que não pertence a lugar algum Christopher Banks mantém um verdadeiro vácuo emocional à sua volta. E nós leitores estamos excluídos por essa mesma distância, apesar de conscientes de seus pensamentos. Há um desconforto emocional.
No final este é um livro que marca, apesar da falta de empatia com o personagem principal. Mas é estupendo pela fabulosa habilidade de Kazuo Ishiguro ao liderar a narrativa através dos descaminhos da memória.
Igreja da Glória do Outeiro, c. 1933
Felisberto Ranzini (Brasil, 1881-1976)
óleo sobre tela, 15 x 39 cm
Diego Alfonso Más (Uruguai,1974)
óleo sobre tela, 130 x 73 cm
Cidade velha de Lijiang
A Cidade Velha de Lijiang data do século XIII e se mostra completamente adaptada à topografia irregular em que foi construída. Localizada estrategicamente em uma encosta de montanha, de frente para um rio profundo, Lijiang se tornou um grande centro comercial mantendo a paisagem urbana histórica de alta qualidade e autenticidade. Sua arquitetura é notável pela mistura de elementos de várias culturas que se uniram ao longo de muitos séculos. Lijiang também possui um antigo sistema de abastecimento de água, muito complexo e de grande engenhosidade, que ainda funciona de forma eficaz nos dias de hoje. Ele se utiliza os diferentes níveis de dois rios para lavar as ruas, uma forma única de saneamento municipal. Para o abastecimento de água corrente a cidade foi entrecortada por uma rede de canais e bueiros que abastecem todas as casas da cidade. Há um total de 354 diferentes pontes. É a partir dessas estruturas que Lijiang deriva seu nome, a “Cidade das Pontes”.
Esse tempo que passou
de trabalho e de fadiga,
também sorrisos deixou
em nossas vidas, amiga.
(Alice de Oliveira)
Wilson W. Rodrigues
As feições do príncipe eram desconhecidas.
Jamais alguém vira o seu rosto.
Em sua corte trabalhavam os artesãos mais hábeis, os melhores desenhistas, as costureiras mais famosas.
A observação era invariável:
— É preciso que essa máscara fique mais bela; do contrário, o Príncipe recusará.
As máscaras deviam ser sempre mais belas, pois, desde menino, o Príncipe usava todos os dias, uma nova máscara.
Dir-se-ia que elas o fascinavam, pois sempre parecia feliz.
Um dia, quando tomava parte numa caçada, o Príncipe afastou-se de sua gente e se perdeu.
Pela noite inteira, ninguém o encontrou.
De manhã, quando cruzava o vale, o Príncipe avistou uma donzela que voltava da fonte, bilha ao ombro.
Estava sedento, pediu:
— Posso beber da tua bilha?
A jovem reconheceu o Príncipe Mascarado, e com galanteria ofereceu:
Só se beberes na concha das minhas mãos.
O Príncipe desmontou. Em terra, curvou-se; nesse instante, ela, num gesto tão rápido quanto impensado, arrancou-lhe a máscara, e deu um grito de espanto.
— Sou tão feio assim?
— Não. Tu és mais belo que todas as tuas máscaras.
*****
Em: Contos do Rei do Sol, Wilson W. Rodrigues, Rio de Janeiro [Estado da Guanabara], Editora Torre: s/d, pp: 21-26