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Minha avó, Albina, aos 26 anos, já casada, por volta de 1924, no Rio de Janeiro.
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Em termos de astrologia o fato de meus quatro avós terem nascido sob o signo de Aquário, em anos diferentes mas num período de sete dias (28 de janeiro, 30 de janeiro e 4 de fevereiro), deve significar alguma coisa interessante. Não sei. Mas, além disso, tive dois avós — meu avô, pai de papai, e minha avó, mãe de mamãe, que nasceram no dia 28 de janeiro.
Albina, mãe de minha mãe, se estivesse viva faria 115 anos, hoje. Não gostava de tirar retratos. Daí serem poucas as fotos que restaram. Dela herdei os olhos azuis, os dela mais azuis ainda do que os meus. Em comum, a pele claríssima e, dizem, o temperamento forte. Nunca soube muito bem o que essa expressão significa, pelo menos no que me toca… Talvez meus desafetos saibam. Fisicamente temos o tipo celta, uma explicação portuguesa que atribui essas características ao biotipo comum no norte de Portugal, na Galícia e na Irlanda. Funciona. Todos os antepassados que tenho do lado materno e paterno, vindos de Portugal vêm do norte do país: do Minho, de Trás-os-montes e da Galícia.
Meu bisavô, João, pai de Albina, era português de Viana do Castelo, mas sua família tinha raízes na Galícia, certamente em Tuy. Mas vamos e venhamos, Tuy, era só do outro lado do rio Minho. É tudo a mesma coisa… Minha bisavó, mãe de vovó, Maria da Glória, era brasileira, filha de brasileiros de origem minhota, mas radicados no Brasil, desde de 1820, pelo menos essa é a data mais antiga que tenho sobre eles. Eles, os Proença [e a escrita pode ser também Proenza], viviam na região de Vassouras e Valença, no estado do Rio de Janeiro. Como e porque chegaram lá não sei, só sei que são de Viana do Castelo e da Galícia. São muitas gerações passadas, avós e bisavós de minha avó. Mas, continuo à procura, encarregada que sou da árvore genealógica familiar.
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Albina Proença Fernandes Leitão, aos 16 anos, 1914.
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Vovó estudou num dos mais antigos colégios para meninas, escola de formação para moças, educação humanista-cristã de irmãs vicentinas, no Rio de Janeiro: Colégio da Imaculada Conceição, na Praia de Botafogo, fundado em 1854. Está lá, de pé, até hoje, educando geração após geração. Tem em seu terreno uma belíssima igreja — Igreja da Imaculada Conceição associada ao colégio — em estilo pseudo-gótico, projetada em 1866 pelo arquiteto Padre Clavelin, prédio característico da segunda metade do século XIX. Lembro-me que quando eu estava nos primeiros anos da escola, havia nesse local também um asilo para idosos. Não sei se ainda existe. Mas todos os anos, mamãe e eu, íamos a este asilo, porque algumas das senhoras que lá estavam, bordavam por encomenda e os emblemas da escola, nos bolsos de nossos uniformes, meus e de meus irmãos, eram bordados por essas senhoras do asilo que ficava por trás do colégio, do lado esquerdo da igreja.
Era a caçula de cinco irmãos e ficou órfã de pai ainda criança, bem pequena. Histórias familiares atribuem a morte de meu bisavô a um acidente num bonde ainda puxado a burros, aqui no Rio de Janeiro, no centro da cidade. Era o ano de 1903. Ele tinha, com um irmão, uma serralheria, localizada próxima aos Arcos da Lapa e foram assim responsáveis por muitas grades e sacadas de ferro fundido, artisticamente desenhadas, encontradas até hoje nos bairros mais antigos da cidade. Vovó Albina também perdeu a mãe muito cedo, aos doze anos de idade, num incêndio. A casa onde moravam, na Tijuca, pegou fogo. Maria da Glória, depois de viúva, trabalhou como professora primária no colégio onde sua filha estudava. Depois que sua mãe morreu, Albina foi morar com uma tia, do outro lado da Baía de Guanabara, em Niterói. Não sei quando se mudaram para o Rio de Janeiro, mas em 1922, quando vovó se casou, já morava no Rio de Janeiro há alguns anos.
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Livro de receitas. Seleção de vovó Albina, para a neta que se casava…
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Deve ter sido bonita. Pelo menos, meu avô caiu de amores por ela ao vê-la na janela de casa. Dizem que aquele aluno da Faculdade de Direito, mandado pela família de Mato Grosso para estudar na capital, passou por aquela rua na Tijuca por dois anos, todas as tardes, só para vê-la. E o futuro advogado, que tinha um quê de trovador e seresteiro, chegou a fazer uma ou duas serenatas, acompanhadas ao violão, que arriscava tocar, e por colegas de faculdade, aos pés da janela da amada. Mas o tio de vovó Albina, num instante acabou com aquela demonstração de encantamento. Não era para uma moça de respeito. Com medo de não vir a ser aceito como um bom partido, meu avô se submeteu às restrições familiares. Casaram-se no civil, em 26 de outubro de 1922.
Albina teve uma educação rígida. E passou muitos de seus ensinamentos para nós, principalmente depois que veio morar conosco, quando ficou viúva. Já nessa altura havia uma grande defasagem entre a sua maneira de educação e a que meus pais nos deram. Mas com ela aprendemos os princípios sociais básicos, os obrigados — sempre usados — os bom-dias. Vovó tinha um hábito interiorano, que deveria ter herdado de sua mãe: dizia boa noite quando as luzes eram acesas pela primeira vez, na hora do lusco-fusco diário. Fui alvo de muitos de seus ensinamentos, principalmente por ser a única menina da minha geração. Só tive primos homens neste lado da família. Assim, sentar-me ereta, cruzar as pernas com os pés embaixo da cadeira, mãos pousadas no colo, sem cotovelos à mesa e assim por diante, eram repetidos diariamente sem dó. Ensinamentos nem sempre acolhidos com o bom humor com que hoje me lembro deles.
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Minha avó com meu irmão Ricardo.
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Era prendada. Foi com vovó que aprendi a fazer crochê. E cheguei a tricotar. Mas nunca tive sua habilidade no tricô, para somar e subtrair pontos com perfeição, para que pudesse fazer competentemente blusas e sapatinhos de bebê. Faço cachecóis. Herdei dela o hábito de não conseguir ficar sem fazer nada com as mãos. Se vejo televisão, também faço crochê, bordo, limpo joias de prata, faço algo. Foi assim que acabei fazendo colchas de retalhos à moda americana, patchwork, à mão como pede a tradição. Fiz duas, para duas sobrinhas, quando nasceram. Vovó Albina também fez uma colcha de retalhos, de fuxicos, para cada uma de suas filhas e para mim, enquanto via televisão no sofá da sala. Foi um presente, para minha vida de casada. É divertido examiná-la, porque nela estão retalhos de meus vestidos de criança, de roupas de mamãe, de vovó, um verdadeiro cofre com mementos no formato de rodelas de pano. Guardo esta colcha com carinho e não sei o que fazer com ela, quando tiver que pensar em passar meus tesouros adiante… Também guardo dela, e este não está nas melhores condições, porque foi um dos presentes mais úteis que já recebi na vida, um livro de suas receitas favoritas. Até hoje um dos mais preciosos tesouros que alguém já preparou para mim. Todas as receitas copiadas à mão, em tinta de tinteiro, azul, receitas fáceis, do dia a dia, que foram e são até hoje uma fonte inigualável de saber culinário. Com esse livro sou capaz de reproduzir aqueles gostos da infância, os gostos da minha casa, da casa dela, da família. As sobremesas mais queridas. Como ela, gosto de cozinhar. Não faço como ela o arroz cor de rosa, com bastante tomate, mas gosto de experimentar na cozinha, e se tenho audiência, boas-bocas, não tenho limites na cozinha.
Minha avó estabeleceu para mim, além de Dona Benta do Monteiro Lobato, o protótipo de todas as avós. Não só fazia os quitutes de que gostávamos. Também jogava cartas conosco, inicialmente burro, um jogo de cartas para crianças, e depois que ficamos mais velhos ela gostava de um buraco. Brinquei muito de cama-de-gato, com ela, passando das mãos dela para as minhas o barbante entrelaçado nos dedos. E com ela aprendi as canções infantis do bã-balalão, senhor capitão; o domingo, “pé de cachimbo” [pede cachimbo]; a brincadeira do rei-soldado-capitão-ladrão; o gato atrás do rato e o nome de todos os dedos das mãos. Vovó sempre jogou, o jogo da memória comigo, mas não com as pedras que conhecemos hoje, mas com cartas do baralho. Ria-se com facilidade e ria silenciosamente, com o corpo todo tremendo, às vezes chegava às lágrimas de riso. Chegava a corar, nessas ocasiões. Tinha a pele macia, cheirosa: talco da Helena Rubinstein e pó de arroz da Coty, das caixas redondas, estampadas de marron e branco. Era um prazer especial, sentar ao seu lado encostar minha cabeça no seu ombro ou nos seus braços. Quando aprendi piano, mostrou-me algumas de suas músicas favoritas, canções, valsas antigas cujas letras ainda se lembrava, e as cantava, baixinho, com a voz aguda de soprano, solfejando. Tinha a boca bem pequenina, como das melindrosas. São muitas as memórias. E hoje as coloco aqui, num agradecimento póstumo, que há muito eu lhe devia. Feliz aniversário!