Manhã de sol no Rio de Janeiro, passeio no Jardim Botânico

9 10 2011

Jardim Botânico, aléia das palmeiras reais, entrada principal.

A primavera chegou quente e ensolarada.  Hoje a máxima parece ter chegado aos 30ºC  — pelo menos foi o que prometeram nos jornais — pelo calor eu diria que foi mais, mas é possível que a temperatura tenha caído rapidamente porque a tarde se cobriu de nuvens.  Foi, no entanto, uma bela manhã para um passeio no Jardim Botânico.  Tenho a felicidade de morar próximo desse belíssimo parque e o prazer de andar por suas aléias é constante.

Entrada para o Jardim Oriental, dentro do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro.

O jardim oriental passou por uma grande reforma nos últimos anos.  Está hoje mais ZEN.   Tem mais pedras, exibe aquela  simplicidade de pureza de formas que não tinha anteriormente. Diminuíram a extensão da ponte vermelha.  Parece a mesma, mas se contarmos o número de segmentos, vemos que a ponte ficou menor, menos extensa. Uma foto mais antiga que tenho, de um outro ângulo, talvez ajude a mostrar a diferença.  E o  entorno do lago está bastante mudado, vejam abaixo.

O novo Jardim oriental tem muitos caminhos de pedras.

Foto mais antiga, de 2007, do mesmo lago, outro ângulo, no Jardim Oriental do Jardim Botânico.

Acredito que a ponte antiga seja uma interpretação mais romântica do que seria um jardim oriental.  Enquanto que a disposição mais moderna, incluindo o comprimento menor da ponte, sejam mais realistas quanto a estética oriental.  Gosto mais da interpretação romântica, com uma ponte mais esticada, apesar de não desgostar da que temos hoje.

Raizes de uma andiroba.

Aléia das andirobas.

E assim terminou o passeio de hoje, numa das minhas aléias favoritas: árvores gigantescas, com raízes imponentes.  Lembre-se de não plantar uma andiroba ao ladinho da sua casa…  Mas próximo à divisa do seu terreno ficaria maravilhosa!  Sim, é natural do Brasil.





Painel de Aluísio Carvão, no Rio de Janeiro, restaurado!

5 09 2011

Painel de azulejos,  1996 [ vista da Avenida Visconde de Albuquerque]

Aluísio Carvão (Brasil, 1920-2001)

100x 3 metros

Localização: Rua Mário Ribeiro, ( por extensão chamada popularmente de Estrada Lagoa-Barra), Leblon,  entre as ruas Bartolomeu Mitre e Visconde de Albuquerque.

Foi com muito prazer que acompanhei nas minhas caminhadas o processo de restauração do longo e colorido mosaico de Aluísio Carvão.    A restauração levou muito tempo para quem queria vê-lo intacto de novo, mas valeu a pena a espera.

Painel de azulejos, 1996  [ vista da esquina de Visconde de Albuquerque com rua Mário Ribeiro]

Aluísio Carvão (Brasil, 1920-2001)

100x 3 metros

Localização: Rua Mário Ribeiro, ( por extensão chamada popularmente de Estrada Lagoa-Barra), Leblon, entre as ruas Bartolomeu Mitre e Visconde de Albuquerque.

O painel foi instalado no muro do quartel 23º Batalhão da Polícia Militar.  Quando a prefeitura do Rio de Janeiro uniu a Rua Mário Ribeiro à Avenida Padre Leonel Franca, dando acesso ao tunel Lagoa-Barra, foi feito o projeto de embelezamento desse muro no bairro do Leblon.  Isso deu origem a este grande mosaico em azulejos coloridos.

Painel de azulejos, 1996 [ vista do sinal da esquina de Visconde de Albuquerque com o sinal fechado, domingo de manhã]

Aluísio Carvão (Brasil, 1920-2001)

100x 3 metros

Localização: Rua Mário Ribeiro, ( por extensão chamada popularmente de Estrada Lagoa-Barra), Leblon, entre as ruas Bartolomeu Mitre e Visconde de Albuquerque.

A melhor hora de se apreciar este painel por inteiro como nas fotos é de manhã, num domingo.  O trânsito nessa avenida é incessante.  Mesmo com carros parando no sinal para a travessia de pedestres, o painel fica encoberto. 

 

Painel de azulejos, 1996  [vista da calçada adjacente ao painel na rua Mário Ribeiro]

Aluísio Carvão (Brasil, 1920-2001)

100x 3 metros

Localização: Rua Mário Ribeiro, ( por extensão chamada popularmente de Estrada Lagoa-Barra), Leblon, entre as ruas Bartolomeu Mitre e Visconde de Albuquerque.

É  charmoso vermos que a árvore, mais antiga que os projetos urbanísticos,  foi mantida, apesar do muro e do painel.  A vista acima é próxima à avenida Bartolomeu Mitre  e Largo da Memória.  

Painel de azulejos, 1996 [ vista parcial]

Aluísio Carvão (Brasil, 1920-2001)

100x 3 metros

Localização: Rua Mário Ribeiro, ( por extensão chamada popularmente de Estrada Lagoa-Barra), Leblon, entre as ruas Bartolomeu Mitre e Visconde de Albuquerque.

Trecho final do painel que se destaca pelas cores vibrantes, próximo à Avenida Bartolomeu Mitre. 

Painel de azulejos, 1996 [ vista parcial]

Aluísio Carvão (Brasil, 1920-2001)

100x 3 metros

Localização: Rua Mário Ribeiro, ( por extensão chamada popularmente de Estrada Lagoa-Barra), Leblon, entre as ruas Bartolomeu Mitre e Visconde de Albuquerque.

Vista de um pedacinho — por trás das duas pistas da Rua Mário Ribeiro — do mosaico,  na ponta oposta à foto acima.  O painel começa [ ou termina] ao lado do edifício retratatado que está localizado na esquina da Avenida Visconde de Albuquerque com a rua Mário Ribeiro.

Saída do Túnel Zuzu Angel.

O painel acima, serve na verdade de boas vindas a quem vem da Barra da Tijuca para a Lagoa, ou a quem sai da Lagoa em direção à Pontifícia Universidade Católica.  O mosaico de Aluísio Carvão está à esquerda no quarteirão anterior ao fotografado.  Esse local no Rio de Janeiro pode ser chamado por dois nomes.  A parte elevada, que vai em direção ao Tunel Zuzu Angel, chama-se Estrada Lagoa-Barra.   À direita temos a Avenida Padre Leonel Franca, que leva à entrada da PUC-Rio.  O grande edifício arredondado, [na verdade ele tem uma forma sinuosa, da qual só vemos uma parte aqui] é um dos marcos da arquitetura moderna do século XX,  no Rio de Janeiro.  Leva a alcunha de “Minhocão”  e foi projetado Arquiteto Afonso Eduardo Reidy.





Tradições, Mário Pederneiras, texto integral, Revista Kósmos, 1907

8 03 2011
Carnaval na Avenida Central, hoje Avenida Rio Branco no centro da cidade do Rio de Janeiro, 1907.  Sem autoria, em: Kósmos, revista artística, científica e literária, Ano IV, número 2, Fevereiro de 1907, Rio de Janeiro. [Apesar da autoria não estar registrada na revista, o leitor Felipe P. Rissato, ajudou na identiicação, a foto é de Augusto Malta].

Tradições

Mário Pederneiras

—  Vem daí, meu velho carioca impenitente, vamos dar a perna por esta linda Avenida, na súcia barulhenta dessa desafogada multidão que se diverte;  vem daí.

Ampara-te à suave elegância do meu braço feminino, junta-te à minha alegre companhia de mulher galante, e vamos apreciar o Carnaval nas Avenidas novas e nas novas Ruas largas.  Talvez, temas comprometedoras  apreciações à tua consideração de homem sério e  ponderado, talvez…  Mas, com todos os diabos, não estamos no Carnaval?  Na época da loucura clássica, do disfarce, do riso e da bela pândega?  Vem daí …  Demais, através do lindo disfarce deste pequeno “loup” de seda branca e desta provocadora fantasia guizalhante de “clowness”,  ninguém reconhecerá a incorrigível companheira das tuas antigas troças, nos teus áureos tempos de moço e folgazão.  Vem daí, que te vou mostrar coisas novas e civilizadas, nunca vistas por ti, nunca imaginadas por aqueles que, como tu, emperraram na ferrugem das Tradições e das Saudades incompreensíveis.

Daqui deste ponto extremo, junto do Mar, ao lado da tradição encantadora do teu lindo Passeio Público, sob a esquisita exclamação invertida deste obelisco, rola o teu olhar, eternamente saudoso, tristonhamente contemplativo, por toda a larga extensão de toda a linda Avenida e repara, repara bem, na delícia dessa perspectiva.

Que coisa linda já viste, que este povo em festa, feliz e despreocupado, percorrendo esta encantadora rua larga e iluminada?

O ar não sufoca; circula livre e fartamente de Mar a Mar, de extremo a extremo, e a multidão não se comprime, não se esmaga, não se fere, como nos detestáveis apertos da tua celebrada rua do Ouvidor, quente da luz asfixiante daqueles celebérrimos arcos de gás, embaciada da poeira imunda da rua e dos confetes.

Era assim, no teu tempo, o Carnaval?  Não, não era.  Tinha sempre a nota desagradável dos apertos, a tristeza lúgubre das iluminações incompletas e o incômodo detestável das ruas estreitas.

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Batalha de Confete na Avenida Beira-Mar, no Rio de Janeiro, em 1907.  Foto sem autoria, em: Kósmos, revista artística, científica e literária, Ano IV, número 2, Fevereiro de 1907, Rio de Janeiro.

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Dos confins do Distrito, dos extremos pitorescos da Gávea, dos limites rurais de Inhaúma, todo uma festiva massa de povo, abalava para os suadores inevitáveis das nossas velhas ruas.

Lembras-te, meu velho carioca, da tristeza tormentosa desse espetáculo?  Era um povo inteiro que se martirizava, que se machucava, que se feria, que brigava para se divertir, apertado e sufocado entre as altas paredes rijas do nosso detestável casario.

E do meio da voz estrídula dos cornetins carnavalescos, dos falsetes dos mascarados, quantas e quantas vezes, partiam gritos de dor, guinchos nervosos de faniquitos femininos, trovões de vozerio paterno em ralho à troça garota dos mal educados…

E hoje?  Repara; é toda uma enorme Multidão festiva que se estende desafogadamente pelo vasto caminho da Avenida, que se espraia pelas ruas largas, sem apertos, sem incômodos, sem suor.

Tudo mudou, tudo.  Na rajada destruidora da nossa Civilização rápida, lá se foram os velhos hábitos do teu imundo Rio aldeão e primitivo.  Há roupas claras, cassas leves e transparentes, escondendo carnações alarmantes.  Os “Panamás” triunfam e os leves chapéus de palha ganharam, vitoriosamente, todo o terreno.

As manhãs não vestem mais a seda custosa dos grandes dias e os papás no comando supremo das legiões familiares, não têm mais a temer a insolência das vaias, o ataque agressivo às “jacas” e à integridade moral de sua venerável figura de funcionário.

Nem uma sobrecasaca, repara, nem uma cartola.  Ficaram ambas no descanso feliz das moradias, prontas apenas para as solenidades das missas fúnebres e dos enterros dos considerados e dos medalhões; e em breve, tu mesmo, hás de ver, sem espanto, sem mágoa, que esses dois elementos supremos da estética burguesa dos vestuários, passarão para o rol das coisas fantásticas, e, talvez, quem sabe, tu mesmo, à noite, no descanso caseiro, a acalentar teus filhos, hás de acrescentar às lendas encantadoras da família, as histórias espantosas de homens que andavam, em pleno Sol, sob o mais lindo Céu azul, “envoltos na tristeza venerável de uma sobrecasaca preta, cobertos pelo cilindro lustroso de uma cartola espelhante”.  E os teus pequenos hão de arregalar os olhos, trêmulos de medo, e de espanto, diante daquele horror, e daquele… tormento.

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E como tudo muda, meu velho carioca, também mudou o Carnaval e a própria alegria de hoje, nestes três dias loucos, é mais franca, mais sonora, mais sadia.

Bem sei.  Não temos hoje o luzimento fantástico daqueles préstitos custosos das nossas Sociedades carnavalescas.  Não temos, bem sei; mas temos a alegria no Povo e o bom humor de toda uma População desafogada e feliz.  Sentes a falta daquele luxo oriental, daquele desperdício fabuloso de lantejoulas e fogos de bengala, daquela luxuriosa exposição de Carne, da luxúria tentadora dos “maillots”, das largas pinceladas de bistre daquelas olheiras profundas, e da profusa orgia dos carmins.   Tens razão, tens razão.  O Carnaval mudou, mas tu ganhaste, na comodidade, no bom calçamento e na boa iluminação.  Aqui estamos, a palestrar, vai para uma hora, comodamente, sem encontrões e sem apertos, sem suor e sem rolos.  Pois, não é tão bom?  No íntimo, na intimidade do teu velho sentimento, das tuas recordações arcaicas, eu percebo, meu velho, a tua grande e imorredoura das apoteoses frenéticas de aplausos, com que tu, e os teus camaradas d’antanho, saudavam os “Democráticos”, os “Fenianos”, os “Tenentes”, a “Peruana”, a “Phrynéa”, afogados num delírio de um entusiasmo vermelho, bufando de calor e pó, grupados, apertadamente, às portas estreitas do “Castelões” e do “Londres”, ou às esquinas tortuosas de Gonçalves Dias e Uruguaiana.

Deves também sentir a falta incompreensível do teu saudoso Zé Pereira, atordoando os ares com aquele incansável  zabumbar alegre e forte.  O Zé Pereira era a sinfonia do Carnaval.  Punha formigueiros às pernas trêfegas dos cariocas, remexia-lhes o corpo em desengonço e bamboleios e acendia-lhes no olhar a chama rubra do prazer.

Meses antes, tu já o ouvias, a maior parte das vezes, pelos morros em passeatas de ensaio, e o rufo miúdo daquelas caixas, o bater compassado e seco daqueles bombos, era o sinal da alegria que vinha, da loucura que se aproximava, da florescência vermelha das festas clássicas de Momo.

Hoje, tens a te consolar a infindável série dos nossos melancólicos  “cordões”, de todas as cores, de todos os nomes.

Sim.  Deves achá-los tristes, com a eterna melopéia da suas toadas, a primitividade das suas danças, a Musa desengonçada dos seus Versos e a incompreensível fantasia dos seus vestuários.

Pois, meu caro, são os dominadores do Carnaval e o torneio dos Poetas.

Contenta-te com a alegria do Povo, que é mais franca, mais sadia do que nos teus chorados tempos que lá vão.

Vês?  Há máscaras pelas ruas, tétricos e aborrecidos, como se estivessem a cumprir a mais solene das obrigações.  Mas isso sempre foi assim; o máscara avulso foi sempre em todos os tempos, a expressão mais exata da insipidez e do desalento.

Bem sei, que a figura rubra dos travessos “diabinhos” antigos, tinha mais graça, mais vida, do que a palhaçada grotesca desses “clowns” de agora, repisando pilhérias de circo de lona.

E os teus “velhos”, os mestres inigualáveis da agilidade das letras, com seus “carões” enormes fantasticamente enrugados e feios, o luxo das suas vestes de veludo e lantejoulas e o seu longo bastão de papel dourado?

E o “pai João”, imundamente ridículo, pintado a piche, falando no arreveso da linguagem africana, agarrado à vassoura tradicional.

São tipos que passaram para o domínio da Tradição, para o esbatimento saudoso das boas recordações.

Em compensação, tu hoje tens…, tu tens… tens o… tens a Avenida, o fon-fon dos automóveis, a luz elétrica, o bom calçamento, as ruas largas, enfim, todo este suntuoso Carnaval que estamos apreciando.

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Vem daí.  Faz-se tarde e ambos devemos estar cansados .  Vem daí, que por hoje já nos divertimos regaladamente e eu, com franqueza, sinto-me cheia de Sono e de insipidez.

E aflautando a voz, a linda companheira de troças e loucuras do meu tempo de moço e folgazão, perguntou, num falsete desembidamente carnavalesco e cansado:  “Você me conhece?  Eu sou a Folia”.

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A Cidade começava a repousar, exausta das loucuras do dia.

De longe, por aquela hora calada de noite alta, vinha o rumor sonolento e sentimental do reco-reco de um “cordão” em retardo.

— Que coisa lúgubre!  — E abalei para casa.

2 – 907

[Texto integral, mas com grafia atualizada para facilitar a leitura.  A ilustração inicial, seguia o texto de Mário Pederneiras sem, no entanto,  estar ligada ao texto.  Foto em preto branco, sem autoria.  As outras fotos são do mesmo número da Revista Kósmos, mas pertencem a outros ensaios fotográficos, que tampouco aludem a um fotógrafo O espaçamento irregular dos parágrafos está de acordo com o texto original.]

Em:  Kósmos, revista artística, científica e literária, Ano IV, número 2, Fevereiro de 1907, Rio de Janeiro.

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Mário Veloso Paranhos Pederneiras (Rio de Janeiro, 1867 — Rio de Janeiro, 1915), conhecido com Mário Pederneiras, escritor, ensaista, poeta e teatrólogo.  Sua obra sempre chegada às situações da vida diária, o colocam próximo dos cronistas de época, ainda que seu verso tenha proximidade do simbolismo.  Estreou na imprensa por volta de 1878, como colaborador  do jornal (estudantil)  O Imparcial, do Grêmio Literário Artur de Oliveira, no Rio de Janeiro.  Foi fundador, com Gonzaga Duque e Lima Campos, diretor e redator das revistas:  Rio Revista, Galáxia, Mercúrio e Fon-Fon.

Obras:

Agonias, poesia, 1900

Rondas noturnas, 1901

Histórias do meu Casal, 1906

Ao léu do sonho e à mercê da vida, 1912

Outono, 1914 (póstuma)





Feliz Aniversário, Rio de Janeiro — 446 anos!

1 03 2011
Lagoa Rodrigo de Freitas, ao fundo os Dois Irmãos e a Pedra da Gávea, Rio de Janeiro. 




O Jardim Botânico do Rio de Janeiro em fim de tarde

17 02 2011
Tartarugas se esquentam ao sol de fim de tarde, no Jardim Botânico do Rio de Janeiro,  Foto: Ladyce West.

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Moro no Rio de Janeiro e como qualquer um de seus habitantes tenho aquele instinto de sair de casa no verão e respirar o ar fresco, me inspirar nos verdes das montanhas, no gosto de sal da maresia matutina.  Cariocas estão em constante contato com a natureza e não sou diferente.  Mas confesso que neste verão, as coisas andam muito difíceis para essa carioca: o calor reina supremo.  Minha caminhada pelas manhãs de verão ou é feita de seis da manhã às oito ou não pode ser feita.  Recentemente sai de casa às oito e meia da manhã e não consegui caminhar mais do que 2 km.   Voltei rapidinho para casa, sentindo que o calor naquele dia seria um inimigo letal.  A máxima naquele dia chegou a 39º Celsius.   Por isso mesmo, tenho tentado caminhar no Jardim Botânico esse meu velho conhecido…  Mas ali, tenho outro problema: distraio-me.  As mesmas paisagens são tão diferentes que, sem querer, os meus passos se desaceleram para observar um lagarto ao sol, o voo de uma arara, ou me sento para ouvir o regato borbulhante num fim de tarde.   Recentemente tirei algumas fotos desse paraíso urbano.  Era tardinha e já havia muita sombra, mas acredito que vocês talvez possam gozar desse passeio comigo através dessas fotos.

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Chafariz Central do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Foto: Ladyce West.

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A aléa principal chama-se Barbosa Rodrigues, honrando João Barbosa Rodrigues, antigo diretor  do Jardim Botânico (1890-1909) e tem aproximadamente 128 palmeiras reais ladeando sua extensão.  Mais ou menos a meio caminho, vemos este belo chafariz, de ferro, de origem inglesa.  Seu autor foi o inglês  Herbert W. Hogg.  Este chafariz, que passou por restauração em 2005, já esteve no Largo da Lapa no Rio de Janeiro por 10 anos 1895-1905 e depois foi trazido para o Jardim Botânico.  O chafariz é conhecido como Chafariz das Musas, porque além diversas alegorias, tem quatro figuras, as musas:  Música,  Arte, Poesia e Ciência.   

Lago da Vitória Régia, Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Foto: Ladyce West.

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O Lago da Vitória Régia tem na verdade um outro nome, pelo qual não é conhecido: Lago Frei Leandro do Sacramento, homenageando o primeiro diretor do Jardim Botânico, nomeado por D. João VI, e quem construiu este lago.  No entanto, por causa do grande número de vitórias régias em suas águas, passou a ser conhecido como o Lago da Vitória Régia.  É um dos meus locais favoritos no jardim.  Na foto, à direita, vemos a estátua da nereida Tétis, a mais conhecida das nereidas e a amada de Adamastor.  É uma estátua  em ferro fundido,  de 1862, obra do escultor francês Louis Sauvageau (1822- ?, depois de 1874).   

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Córrego no Jardim Botânico do Rio de Janeiro,  Foto: Ladyce West.

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A área do Jardim Botânico — 1.370.000 m² — é entrecortada por inúmeros córregos, regatos, regueiros, feitos para manutenção da flora, vindos das duas  principais fontes de água fresca que atravessam o terreno:  o Rio dos Macacos e o Riacho Iglésias.  Esses canaletos de água, borburinham constantemente causando imenso prazer a quem por eles passa.  Com frequência suas margens são desenhadas de tal maneira que,  por entre a vegetação, há clareiras com bancos convidadivos ao devaneio.

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Rendado de folhas de encontro ao céu, Jardim Botânicio do Rio de Janeiro, Foto: Ladyce West.

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Este é um lugar a que sempre volto com prazer.  Quando criança vínhamos com frequência ao Jardim Botânico.  Morávamos próximo e era um excelente passeio em qualquer época do ano.  Continua sendo.





A volta do Chafariz da Praça Paris no Rio de Janeiro

10 10 2010
Praça Paris, Rio de Janeirro.  Foto:  Ladyce West

 

Ontem de manhã resolvemos fazer um passeio pela Praça Paris aqui no Rio de Janeiro para ver seu belíssimo chafariz que foi re-inaugurado pela prefeitura da cidade, depois de sete anos sem funcionar.   Chegamos à praça e em vinte minutos o tempo passou de parcialmente encoberto para chuva forte de primavera.  O céu azul por entre nuvens claras foi se encobrindo rapidamente.  Mas mesmo assim valeu a pena o passeio.

Praça Paris, RJ, ao fundo a estátua do Marechal Deodoro da Fonseca.  Foto: Ladyce West.

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Completamente reformado nas suas entranhas: o espelho d’água de 1600 metros quadrados foi totalmente esvaziado e o fundo limpo.  Antigas rachaduras e infiltrações no revestimento interno do lago foram consertadas, assim como um novo quadro de comando foi instalado, paralelamente às novas bombas submersas.   Outras quatro bombas submersas foram restauradas.  Além disso, uma nova tubulação de jorro, que havia sido furtada, foi instalada.  O jorro central voltou a atingir os 15 metros de altura como no passado.

Praça Paris, RJ, ao fundo à direita a igrejinha do Outeiro da Glória.  Foto: Ladyce West.

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O espelho d’água da Praça Paris,  que é uma das maiores praças públicas da cidade, é uma das atrações deste projeto da década de 20 do século passado, aqui no Rio de Janeiro.  Inaugurada em 1929, esta praça foi urbanizada sobre um aterro, com terra vinda do antigo Morro do Castelo no centro da cidade.   Terras do Morro do Castelo foram usadas desde 1921 para saneamento de diversos logradouros na cidade, pelo então prefeito Carlos Sampaio (1861-1930) — prefeito do Rio de Janeiro (Distrito Federal) de 1920  a 1922.  Com a remoção do Morro do Castelo abriu-se espaço para a Exposição Comemorativa do Centenário da Independência do Brasil.  E o aterro — uma nesga da Baía de Guanabara —  criou a área que mais tarde permitiu o projeto da Praça Paris.  Uma outra extensão ao longo das margens da Lagoa Rodrigo de Freitas levou à construção da atual avenida Epitácio Pessoa.  Suas terras também foram usadas para aterrar parte dos bairros da Urca e do Jardim Botânico.

Praça Paris, RJ, linhas clássicas do jardim francês.  Foto: Ladyce West.

A Praça Paris é considerada uma verdadeira jóia do urbanismo carioca.  Foi construída durante o governo do Presidente Washington Luís, quando era prefeito  do Rio de Janeiro (Distrito Federal) – 1926 a 1930 — o engenheiro Antônio Prado Júnior( 1880- 1955).  O plano seguiu as regras do urbanista francês  Donat-Alfred Agache (1875 – 1959),  diplomado pela École des Beaux-Arts de Paris em 1905.   Alfred Agache foi contratado em junho de 1927 mas só se estabeleceu na cidade no início de 1928, quando o aterro do Morro do Castelo na baía de Guanabara já estava praticamente completo.    

Praça Paris, RJ rodeada de amendoeiras.  Foto:  Ladyce West.

A praça tem muitos dos elementos do plano de Agache.  Os caminhos são de terra, areia e cascalho finíssimo à moda francesa; há um grande número de esculturas no jardim e arbustos são mantidos com cortes formais como nos melhores topiários dos clássicos jardins franceses.  O paisagismo também foi cuidadosamente elaborado, com uma carreira tripla ao redor de toda a praça de frondosas amendoeiras [Terminalia cattapa L.] que apesar de não serem originárias do Brasil – são originárias da Malásia– se adaptaram tão bem ao país nos últimos 400 a 500 anos que parecem nativas.  Essas árvores, cujas sementes devem ter aportado às nossas costas nos cascos de navios portugueses, têm a característica de perderem suas folhas no inverno, depois delas se tornarem vermelho-acobreadas no outono, como acontece com muitas árvores de florestas decíduas das regiões temperadas do planeta.  O resultado é uma forte associação ao outono francês, principalmente porque o mesmo ocorre com o Plátano Orientalis L. que é uma árvore comum no paisagismo europeu.  

Praça Paris, RJ, os golfinhos do lago.  Foto: Ladyce West.

 

Mantendo a afinidade com o urbanismo francês, quatro golfinhos fazem parte do complexo do chafariz central.  Eles são cópias de golfinhos de chafarizes em Versalhes, na França, construídos  sob a direção de André Le Nôtre ( França, 1613-1700).   O trabalho de revitalização da Praça Paris inclui também a manutenção da iluminação e a limpeza do terreno.  Vale a pena a visita.





Um passeio pelos jardins do Palácio do Catete

30 03 2010
Jardim do Palácio do Catete,  Rio de Janeiro.  Foto: Ladyce West

Neste verão que não acaba, em que fritamos todos os dias os nossos corpos a 38º C,  tenho procurado andar na areia da praia só no fim das tardes, e nos fins de semana visitar alguns dos belos jardins do Rio de Janeiro, a cata de  sombra, frescor, natureza e equilíbrio mental.   No sábado passado passei uma hora e pouco à sombra das árvores nos jardins do Palácio do Catete, antiga residência presidencial quando no século XX esta cidade ainda era a capital do Brasil.

Há uma característica desse jardim que sempre me intrigou e que dessa vez procurei saber o porquê.  Fato que salta aos olhos de quem quer que visite o local é a estranha distribuição de terra em relação à casa.  Os jardins são imensos.  Mas a casa fica não no centro dos jardins como seria de se esperar, mas no canto, dando de frente para a Rua do Catete.  Nem sei quantas vezes esse jardim é maior do que a área coberta por essa residência neo-clássica, construída entre 1858 e 1866, trabalho do arquiteto alemão Carl Friedrich Gustav Waehneldt, mas tem lago, tem gruta, tem esculturas e árvores gigantescas, e parece fora do comum que a casa ficasse assim num cantinho com as janelas paralelas à calçada.

Coreto, nos jardins do Palácio do Catete.  Foto:  Ladyce West

Finalmente descobri a razão:  a casa fora construída originalmente para residência na corte dos Barões de Nova Friburgo.  E a Baronesa havia exigido que este local fosse diferente de suas duas outras residências, a do Cantagalo e a de Nova Friburgo ambas as construções em centro de terreno.  A Baronesa de Nova Friburgo queria sentir o calor humano, a movimentação da corte, as carruagens passando, os vendedores cantando suas ofertas, seus pregões individualizados, quando chegasse à janela da residência citadina.  Daí o uso do cantinho esquerdo do terreno de esquina entre as ruas do Catete e a rua Silveira Martins [agradeço ao leitor Pedro Henrique pela correção do nome desta rua, que hoje, 29/9/2013 modifiquei no texto].  Os fundos da casa, dão para os jardins que se prolongam até  a Praia do Flamengo.  

Oceania, escultura em ferro fundido de Mathurin Moreau [França, 1822-1912], 1876.  Foto:  Ladyce West

Espalhadas pelos deliciosos recantos do jardim há uma série de esculturas em ferro fundido, de Mathurin Moreau (1822-1912), afamado escultor francês do século XIX, representando os continentes.  [Só uma dessas esculturas tem identificação numa tabuletinha próxima.  É a escultura cuja foto coloquei acima].  Ela representa a Oceania: um menino, abraça um pequeno canguru.  Infelizmente, a identificação dessas esculturas, está — como quase tudo que é patrimônio cultural no Rio de Janeiro —  deixada ao léu. É uma vergonha que o patrimônio cultural que temos a nosso alcance não exerça nenhuma fascinação sobre aqueles encarregados de preservar o nosso legado cultural (seria muito, pergunto, se um empregado do museu fizesse as mesmas tabuletinhas para cada uma das esculturas do palácio?  E se roubassem, fizesse de novo?  O custo é próximo a ZERO).   Mesmo nos jardins do Palácio do Catete, um museu carioca, temos o descuido de não identificar as peças, como se elas de nada valessem.  É uma pena.  Não pude, por causa do grande contraste entre a luz do sol e a sombra, nesse sábado, fotografar razoavelmente bem nenhuma das outras esculturas.  Uma delas na verdade, está longe, na frente de uma ilhota do lago, e terei que levar uma outra lente para isso.  Mas prometo aos leitores desse blogue que voltarei ao Palácio do Catete para registrar esses tetéias.  Sim porque essas esculturas são de um tamanho pequeno, certamente feitas para uso em jardins particulares  de importância.   Não há tampouco qualquer cartão postal com a foto das mesmas que se possa comprar e levar para casa como uma lembrança da arte encontrada no museu.  Vergonhoso.  Temos que melhorar isso antes de nos candidatarmos a eventos como Olimpíadas e Copa do Mundo,  porque esses eventos trazem pessoas que além dos esportes gostariam de conhecer a base cultural da cidade.  Garanto, que não há muitas cidades no mundo que têm o patrimônio artístico nacional e estrangeiro, em lugares públicos ou privados, que nós temos.

Os seis continentes, ferro fundido, Museu d’Orsay, Paris.

Mathurin Moreau foi um grande escultor francês do século XIX.  E nada melhor, para aqueles que gostariam de se dedicar às artes no Brasil e à escultura, que visitar essas pequenas representações dos continentes.  Mathurin Moreau criou outra escultura representando a Oceania, mais conhecida,  para a série de trabalhos representando  os  continentes.  A série foi organizada em 1878, e  seis dos mais importantes escultores franceses do final do século XIX  foram convidados a fazer uma escultura que representasse um continente:   América do Sul , por Aimé Millet (1819-1891); Ásia por  Alexandre Falguière (1831-1900); Oceania por  Mathurin Moreau (1822-1912);  Europa  por Alexandre Schoenewerk (1820-1855); América do Norte por  Ernest-Eugene Hiolle (1834-1886) e  África por Eugène Delaplanche (1831-1891).  Esse grupo permaneceu  no mesmo  local, Palácio Trocadéro, desde 1878 até a Segunda Guerra Mundial, quando em 1935 foi  transportado para Nantes.  Lá esteve  por cinquenta anos, até 1985, ano em que ” os seis continentes” retornaram a Paris, encontrando um lar na esplanada do Museu d’ Orsay. 

Oceania, 1878, Mathurin Moreau (França, 1822-1912), ferro fundido, Museu d’Orsay, Paris

Achei por bem postar, a título de curiosidade, uma foto da representação do mesmo continente, na versão de 1878, ou seja na versão de Mathurin Moreau para a Exposição Universal.  As que se encontram no Palácio do Catete são de 1876, ou seja, de 2 anos antes das  esculturas encontradas no Museu d’ Orsay.  Teriam sido elas um exercício do artista para o projeto mais monumental?  O que tanto a peça do Palácio do Catete quanto a encontrada no Museu d’Orsay têm em comum é o toque do exotismo, com a presença com canguru em ambas.  Detalhes exóticos seriam quase de obrigatoriedade nessas representações – afinal estamos falando dos últimos 25 anos do século XIX —  onde o exotismo foi explorado em todos os meios.  Mas as diferenças entre as duas mostram que suas funções foram determinantes na escolha da representação.  Enquanto a escultura feita para a Exposição Universal se mostra grandiosa, maior que a vida, as esculturas encontradas nos jardins do Catete, todas com meninos com animnais,  são mimosas e delicadas, no mesmo material (ferro fundido), mas definitivamente peças feitas para jardins menores, para o prazer do colecionador particular.

 

 Patos, Palácio do Catete, Rio de Janeiro.  Foto:  Ladyce West

Em outra ocasião dedicarei algumas palavras sobre o prédio, suas pinturas e decoração.   Sei que os jardins foram reformados sob a direção do engenheiro Paulo Villon,  em 1896,  quando a propriedade foi eletrificada para abrigar a Presidência da República, que até então usava o Palácio do Itamaraty.  Acredito que essas estátuas de Mathurin Moreau possam ter sido adquiridas na época para pontuar a reforma.    Há nesse jardim também um belíssimo chafariz, — que sábado passado não tinha água .  Esse chafariz, certamente entrou para o Palácio do Catete na reforma de 1896, pois era o chafariz do Largo do Valdetaro, que foi removido do local onde havia sido colocado em 1854 para este jardim em 1896.

Jardim do Palácio do Catete, Rio de Janeiro.  Foto:  Ladyce West

O charme do jardim desse palácio está certamente no romantismo de final de século tão bem retratado na combinação das palmeiras imperiais com árvores frutíferas;  nos lagos bucólicos com patinhos a nadar, e na construção da pequena e romântica gruta, além é claro, do delicado coreto.  É sem dúvida um dos lugares mais prazerosos do Rio de Janeiro.  E,  já que hoje circunda o Museu da República – porque com a mudança da capital para Brasília esse palácio passou a ser o Museu da República — nada mais natural que o tratemos bem e que muito mais atenção seja dada às informações do local.  Vamos esperar que a secretaria de turismo do estado abra os olhos e nos gratifique com um material digno sobre o que estamos vendo.    A falta de informações é um desrespeito com o visitante brasileiro, porque lhe rouba a educação de seu patrimônio cultural, lhe rouba o aprendizado de seu passado; é também um desrespeito com o visitante estrangeiro que procurou nos conhecer melhor, ver  quem somos e de onde viemos.   Dizem os psicólogos que o desleixo, que o desrespeito consigo próprio, é sinal de baixa auto-estima.  Não é isso o que merecemos no Brasil, e não é isso o que eu gostaria de passar para as gerações futuras.

Árvores centenárias do Palácio do Catete.  Foto:  Ladyce West




Recordações do Theatro Lyrico, no Rio de Janeiro, texto de Ivna Thaumaturgo

19 01 2010

 Antigo Theatro Lyrico no Rio de Janeiro.

Feito no Império, o Theatro Lyrico tinha a graça e a beleza adequada à função.  Acústica perfeita, harmonia perfeita.  Nos intervalos das aulas eu ia explorar todos os seus recantos e o conheci do avesso, quando não tinha ninguém, e isso era fantástico.  Sabia como entrar no palco diretamente dos camarotes.  Conhecia todos os seus intricados caminhos.  Era um labirinto de madeira, uma jóia.  As cadeiras da platéia, estilo império, traziam a numeração em metal encravada numa placa de madrepérola e eram de jacarandá e palhinha.  Confortáveis e sóbrias, a princípio eram cadeiras cativas.  Gostava de ir ao palco depois de terminado o espetáculo.  Fiz isso muitas vezes quando os Cossacos do Don se apresentaram e porque eles tinham o magnetismo selvagem da alma russa, atraíam as mulheres que iam assediá-los – eu, entre elas, com uma diferença de idade que transformava qualquer aproximação em amizade carinhosa.  Conversava com eles por mímica e lhes pedia que me ensinassem passos da dança.  Levava-lhes minhas aquarelas nas quais eles apareciam fazendo malabarismos, passos de danças guerreiras, acrobacias que ficavam muito aquém das que faziam no palco.  Eram,  belos, leves, ligeiros, imponderáveis.  Eu havia lido Os cossacos de Tolstói  e eles eram o que Tolstói havia descrito: tinham a sensualidade à flor da pele – sofrimento e prazer viviam neles ancestralmente juntos, confundindo amor e ódio, êxtase e agonia.  Pedi a alguém que lhes perguntasse –  Como dançavam tão bem?  — Eles responderam:  — Dançamos com “raiva”.  Era uma raiva diferente, uma explosão de virilidade, garra, grito tribal, paroxismo do sexo.  Havia a “dança dos punhais”, em que ao som da música em coro iam lançando com a boca, uma a um, enormes punhais ou adagas que se fixavam no chão, em círculo, numa precisão assustadora. 

Cossacos do Don

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O entusiasmo das moças que freqüentavam as vesperais despertou uma reação histérica nas autoridades e, de repente, foi proibida a presença de mulheres no palco.  Ignorei essa ordem, talvez por me considerar de certa forma, “dona da casa”.  Continuei lá,  no meio deles, interessados a me ensinar a letra dos “Barqueiros do Volga”, canção admirável. 

“Ei uh… niem…

Ei uh…niem…

E…ste…raaazik

Eestedara…”

De repente vi, à minha frente, o professor Guanabarino e sua noiva, d. Lalita.  O mestre estava irado.  Passou-me um pito e exigiu que eu saísse de lá.  Fiquei indignada, revoltada, envergonhada, mas tive de obedecer.  Os russos, surpresos e constrangidos,  gritaram para mim:  Dasvidania!, que quer dizer Adeus.

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Arturo Toscanini

Seria admirável se alguém escrevesse a história do Theatro Lyrico, nomeando os grandes artistas que por lá passaram.  Companhias líricas, cantoras famosas, tenores, baixos, barítonos, pianistas, violinistas, grandes orquestras…  Toscanini virou maestro nesse teatro, quando os fados o obrigaram a substituir o maestro que adoeceu no dia da estréia de um espetáculo de gala.  Eleonora Duse, Sara Bernhardt, e sua célebre frase aos estudantes que a vaiaram: “ Vous m’avez jugé avant de m’avoir connue.”  [Vocês me julgaram antes de me conhecerem]  E o teatro veio abaixo com os aplausos dos que a vaiaram.  Mas, aos poucos, as grandes temporadas foram se deslocando para o Teatro Municipal.  O Lyrico, abandonado, passou a ser o lugar preferido para a exibição de diversos tipos de circos e imensas estruturas para trapezistas eram armadas sobre a platéia…  A desmoralização terminou com a demolição da “jóia de madeira” e o terreno vazio, sem o menor vestígio de gloriosas noites que se prolongavam até altas madrugadas, virou local de estacionamento de veículos.  Que país admirável!  O teatro estava “atravancando” um espaço incomensurável!

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Eleonora Duse

 

O interior do Theatro Lyrico, Rio de Janeiro.

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Em:  A família de guizos: história e memórias, de Ivna Thaumaturgo, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira: 1997; p.73-75.

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A companhia de canto e dança Cossacos do Don, ainda se apresenta hoje em dia nos maiores palcos do mundo.  Coloco aqui abaixo um vídeo de Cossacos do Don que achei no YouTube. 

 







A glória: reminiscências de um dia de Natal, José Veríssimo, texto integral, Revista Kósmos, 1907

16 12 2009

Festa, 1934

Emygdio de Souza ( Brasil, 1867-1949)

óleo sobre tela,  26 x 36 cm

Coleção Particular

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A GLÓRIA:
reminiscências de um dia de Natal

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—                                                                       José Veríssimo

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Era muito mais de meio dia quando alcançamos o sítio do Cuitêua, primeira parada em nossa excursão sertaneja.  O caminho que desde a margem do grande rio ali nos levara era um comprido riacho, estreito e profundo, ensombrado na sua máxima extensão por dois renques marginais de basto arvoredo.  O sol lhe chagava escassamente e a trechos; e a constante sombra do seu percurso refrescada pela viração, que a ramaria das árvores alentava e mantinha, tornava a viagem menos penosa, muito mais agradável até, do que se imaginaria naquelas paragens equatoriais.

E, demais pitoresca, pelos risonhos quadros formados ali por aquela mistura de luz e sombra.

A mata ribeirinha, composta de mil espécies várias,  muitas então floridas, adornada de cipós e parasitas das formas mais esquisitas e singulares, apresentava uma sucessão de paisagens, de quadros, de manchas, como lhes chamam os pintores, a que as águas escuras do riacho, sobre as quais não raro boiavam nínfeas e caladios, ajuntavam o encanto delicioso das marinhas.  Nem o mundo animal, mais escasso do que geralmente se pensa nessas regiões, faltava naquele seu pitoresco trecho.  Aves aquáticas, ora isoladas, ora em bandos, animavam de vez em quando a paisagem, pondo-lhe com a sua voz ou o seu vôo, uma nota viva que não conseguia entretanto destruir ou sequer atenuar sensivelmente, o tom de melancolia que resulta sempre da combinação da mata e da água no interior do Brasil.

Eu sentia a impressão dessa melancolia, que me rodeava, posso dizer que me apertava, sentado no tosco e duro banco de pau da pequena canoa que nos levava, apenas com escasso palmo de borda fora da água, de superfície tão lisa quanto um espelho.  Inconscientemente, tão inconscientemente como poderia respirar os miasmas malsãos que daquelas terras apauladas  se exalassem , eu recebia do ambiente tristonho uma inexprimível sensação de desalento, melancolia e saudade.  Saudade de quê?   Não o saberia dizer, nem haveria de que.  Aquela excursão era uma simples digressão de recreio, um passeio desacompanhado  de qualquer preocupação anterior, e a que não parecia qualquer preocupação ulterior devesse seguir.  Quando depois procurei analisar o meu estado d’alma, achei que unicamente resultava da influência indefinível das coisas.  A natureza é de si triste e contristadora.

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A caçada da anta, 1880

Franz Keller, (Alemanha, 1835-1890)

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A vista do “sítio” tirou-me deste estado.  Não que nele houvesse sequer a brancura de uma parede, alegrando os tons escuros da paisagem.  Era uma casa toda de palha, escurecida pelas intempéries.  Mas no topo da ribanceira a que estava sobreposta havia uma multidão animada; Homens, mulheres e crianças.  Suas roupas variegadas, na maior parte claras e vistosas, roupas de festa, que era o Natal, e o seu movimento e o burburinho bastavam para alegrar a vista, variando-a.

Saltei em terra e subi com os meus companheiros, ali novatos mas não estrangeiros, o ligeiro declive que levava à explanada onde ficava a casa, melhor diria a choupana, em cujo terreiro se aglomerava aquela gente.  Não foi propriamente cordial e benévolo, antes reservado se não antipático o seu acolhimento.  O matuto, instintivamente não gosta do homem da cidade, desconfia dele, desama-o .  Tem-no por seu inimigo natural; é de repulsão ou de indiferença pouco simpática, a primeira impressão dele.

O dono do sítio, que me esperava, e os seus, que já me conheciam, saindo a receber-me, com demonstrações muito comedidas ainda de satisfação, consolaram-me do desagrado que vi, ou pareceu-me ver nas fisionomias curiosas, indiferentes ou displicentes que me encaravam. 

Ali se não usam apresentações; as supre o recebimento dos donos da casa, e com pouco me achei conhecido dos presentes, embora essas primeiras relações tivessem ainda um caráter de desconfiança e reserva.

Ia-me esquecendo de dizer que eu desembarcara com a minha espingarda na mão, um fuzil de retrocarga, arma moderna e nova em folha.  Os caçadores, que forçosamente por ali haveria, imaginaram em mim um companheiro, um êmulo.  Mas como acoca a caça é mais um divertimento que uma indústria, e não cria ainda rivalidades interesseiras, e outras competências que as da perícia e habilidade, vieram eles a mim atraídos pela comunhão dos mesmos gostos, que naturalmente me supuseram, e pela curiosidade da arma que se lhes autolhava diferente das suas.  A espingarda interessou-os.  Nenhum deles tinha ainda visto igual e as explicações que condescendente lhes dei do seu funcionamento e eficácia, do mesmo passo que os maravilhava conquistava-me a sua benevolência.

Se eles soubessem quão ruim atirador eu era!  E tanta consciência tinha disto, que prevendo a necessidade de dar-lhes uma prova de mim como caçador, pois o pretexto da minha ida ali era a caça, antecipei-me em assegurar-lhes, que apesar da minha excelente arma eu atirava muito mal.  Senti que a confissão lhes não era desagradável.  A minha inferioridade de “cidadão” lisonjeava a sua vaidade de matutos.

Estávamos nesta palestra, uns sentados em bancos toscos, ou em troncos d’árvores, outros acocorados, os mais em pé, à sombra de uma copada árvore erguida à beira da ribanceira, sobre o riacho, quando uma rapariga – uma linda moça de uns dezessete anos, mameluca trigueira e rosada, de fisionomia risonha e aberta,   chegou a nós entre alvoroçada e tímida e interpelando-me diretamente, chamou-me:

— Moço, venha matar um jacaré!…

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Jovem caçador, s/d

Henrique Bernardelli, (Valparaíso, Chile 1858 – Rio de Janeiro RJ 1936)

óleo sobre tela,   34 x 18 cm

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Matar um jacaré!  Correu-me um frio pela espinha.  Não que eu fosse de minha natureza vaidoso, ou tivesse em grau algum a presunção de atirador.  Mas os nossos defeitos, como as nossas qualidades, dependem de uma influência estranha; são muitas vezes os outros que no-los impõem.  Tive um vago e indefinível sentimento de que ali eu era um representante da civilização, que aqueles matutos menoscabavam, e que teriam grande gáudio em ver desmoralizada em mim.  Não bastava inventar armas como aquela da qual eu acabava de contar maravilhas, era preciso, era o principal, saber manejá-las.  Qualquer daqueles broncos sertanejos, com o arco e flecha de seus avós selvagens com a sua grosseira arma antiquada de carregar pela boca, a sua bruta lazarina, o seu ridículo pica-pau, ou o seu velho e anacrônico fuzil de pederneira, era muito mais capaz do que eu, com a minha inteligência, a minha instrução, e a minha espingarda aperfeiçoada, de matar um jacaré.    Porque matar semelhante bicho é um dos tiros mais difíceis e mais reputados.  Ele só é vulnerável nos ouvidos quase invisíveis, mesmo a pequena distância,  ou nos olhos que, quando n’água, apenas emergem como duas meias esferas de poucos milímetros de diâmetro fora dela.  Realmente para experimentar um sujeito da cidade, todo de paletó e gravata, chapéu inglês de cortiça e linho na cabeça, à guisa de capacete, coisa jamais ali vista e escandalosa, e uma bela espingarda nova de retrocarga, não se podia achar melhor do que pô-lo  na obrigação de matar um jacaré, sabe Deus em que condições.  

Moço, venha, venha matar o bicho… repetiu a linda rapariga arregaçando num sorriso irônico, —  tal me pareceu ao menos – os lábios sensuais e mostrando duas admiráveis fieiras de dentes brancos e úmidos.

E todos a uma, a começar pelos donos da casa, convidavam-me, concitavam-me, pediam-me, com maldosa insistência,  fosse matar o jacaré.  Confuso, enleado, canhestro, eu me esquivava; era mau atirador e o tiro dificílimo; errava e o jacaré se iria embora; que outro o matasse.  Mas não houve convencê-los e livrar-me da prova, em que sentia arriscava o prestígio da civilização, cujo era eu ali o único representante.  Ateimaram, já com malícia, prelibando o gosto de se rirem do “moço da cidade” e de afirmarem a sua superioridade de matutos.  E quase puxado me levaram para alguns metros dali, à beira da mesma ribanceira, donde vinte dedos acompanhando o da bela mameluca, que interessadíssima na morte do anfíbio, continuava a rir com seu afiado riso escarninho, apontavam embaixo, nas águas escuras do rio, quase encostado à margem, a enorme cabeça de um jacaré.  O ruído feito em cima fizera-o mergulhar um pouco mais, e agora só lhe divisavam a ponta do focinho e, a distância de mais de um palmo, as metades de duas esferas negras, que eram seus olhos, esbugalhados.

Senti passar em mim um sopro divino que nos momentos supremos faz os heróis e os mártires.  Levei a espingarda à cara e, quase sem apontar, tanta era a consciência de que apontar não me adiantaria, como que hipnotizado por aqueles grandes olhos parados, que pareciam olhar-me assombrados do meu arrojo, atirei.

Ilustração original do texto Glória, da revistas Kosmos, sem indicação de autor.

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Ouvi dois ruídos, um marulho surdo d’água, e umas gritadas interjeições de espanto e aplauso a meu lado.  Entre essas distingui bem junto ao meu ouvido a exclamação:

—  É macho!… seguida de uma gargalhada argentina, franca e simpática da linda mameluca, que a soltara.

Voltei a mim e verifiquei então que tinha matado o jacaré.  Ferido num dos olhos o grande anfíbio, num estremeção violento, causador daquele ruído, virara de papo para o ar e apresentava à superfície das águas, ainda revolvidas e barrentas do seu movimento brusco e forte, o largo peito amarelo, de grandes e córneas escamas rijas, a modo de placas de uma couraça antiga.

A morte fora instantânea.  Os matutos pasmados e corridos diziam-me em palavras amigas e convencidas a sua admiração.

Nunca mais atirei outro jacaré.  Também jamais senti tão forte em mim o gosto do sucesso, quase direi, a deliciosa comoção da glória.  E, ainda me lembra, às vezes, o sorriso afetuoso com que me olhava a linda mameluca depois da minha façanha.

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Em: Revista Kósmos: Dezembro 1907, ano IV, número 12, sem numeração de páginas.

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José Veríssimo Dias de Matos (Óbidos, PA, 1857 — Rio de Janeiro, RJ, 1916) foi um escritor, crítico, educador, jornalista, sociólogo, sócio do IHGB, sócio-fundador da ABL, diretor da Revista Brasileira, professor, diretor do Colégio Pedro II.  Como escritor, a sua obra é das mais notáveis, destacando-se os vários estudos sociológicos, históricos e econômicos sobre a Amazônia e as suas séries de história e crítica literárias. Na Introdução à sua História da literatura brasileira tem-se uma primeira revelação de todas as vicissitudes por que havia de passar uma literatura que se nutriu por muito tempo da tradição, do espírito e de fórmulas de outras literaturas, principalmente do que lhe vinha de Portugal e da França.  Usou também os pseudônimos: Cândido e José Verega.

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Obras:

Primeiras páginas, 1878

Emílio Litré, 1881

Carlos Gomes, 1882

Cenas da vida amazônica, ensaio social, 1886

Questão de limites, história, 1889

Estudos brasileiros, 2 séries, 1889-1904

Educação nacional, educação, 1890

A religião dos tupis-guaranis, 1891

A Amazônia, 1892

Domingos Soares Ferreira Penna, 1895

A pesca na Amazônia, história, 1895

Ginásio nacional, 1896

O século XIX, 1899

Pará e Amazonas, 1899

Estudos de literatura, 6 séries, 1901-1907

A instrução pública e a imprensa, educação, 1901  

Homens e coisas estrangeiras, 3 séries, 1902-1908

Que é literatura e outros escritos, 1907

Interesses da Amazônia, 1915

História da literatura brasileira, 1916

Letras e literatos (póstuma), 1936

Em domínio Público e  pronta para leitura na internet: História da literatura brasileira 





Pescaria no Avanhandava, texto de Francisco de Barros Júnior

24 11 2009

Pescando, 1894

José Ferraz de Almeida Júnior (Brasil, 1850-1899)

óleo sobre tela, 64 x 85 cm

Coleção Particular

A minha primeira pescaria no Avanhandava foi feita em companhia de um senhor, advogado em Penápolis, e de seu filho, estudante do terceiro ano da nossa Politécnica, ambos fanáticos pescadores.

Era em maio, e as águas límpidas tinham seu nível muito baixo.  Os dourados, à montante do salto, vinham até sua borda, mas evitavam descer, certamente advertidos pelo instinto,  da quase impossibilidade de retorno.  Na corredeira rasa onde ficavam, eram fisgados com facilidade.  Para atingir esse local, tínhamos de entrar pela margem direita e atravessar o canal –mestre quase na boca do salto, com água pela cintura.  A passagem era perigosíssima, e disso fui advertido, mas pai e filho estavam acostumados a vencê-la.  Venceram com facilidade, passando de uma para outra pedra submersa, colocadas como batentes da porta desse canal.  Quando chegou a minha vez, fiquei como o Colosso de Rodes, de pernas tão abertas, que não podia comandar os músculos para prosseguir ou voltar.  Deveria, quando dei o passo, aproveitar o impulso para vencer a passagem, em lugar de estender a perna tateando, medroso de me faltar apoio.

Fiquei nessa posição sem rolar no abismo, porque quando tombava, instintivamente procurei amparar-me na vara que levava na mão direita, e esta firmou-se em alguma fenda de pedra, mantendo-me em equilíbrio.  Nessa insegura posição, passei momentos angustiosos, sentindo claramente rondar-me a morte.  Por fim, numa prece íntima implorando auxílio divino, reuni as forças que se iam esgotando e retrocedi, não sem cair sentado, com água até o pescoço.  Desisti da empresa e fiquei a ver de longe as ferradas seguidas dos companheiros que matavam os dourados com golpes das costas do facão, atravessavam-lhes nas guelras uma correia e a prendiam na cinta, prosseguindo a pescaria.  Avançavam contra a correnteza, com uma profundidade média de um metro e iam lançando a linhada para a frente.  Os dourados abocanhavam a isca, mal esta tocava a superfície, ou logo ao iniciar a descida.  Com a pequena profundidade, brigavam pouco.  Quando a carga lhes pesava, iam depositar os peixes sobre uma pedra que aflorava à superfície, e continuavam.  Quando voltaram, traziam seis dourados de três a seis palmos, e mais não pescaram pela dificuldade do transporte.

Fiz essa pescaria com esses amigos de um dia, cujos nomes, por mais que me esforce não posso recordar, e segui para Corumbá.

Regressei um mês depois com intenção de ficar em Penápolis e fazer, em tão excelente companhia, nova pescaria no lindo salto.  

Nem cheguei a ficar, pois quando me dispunha a descer a bagagem, fui abordado pelo pai do rapaz.  Estava de luto fechado.

Uma semana depois voltou com o desditoso filho e passou o primeiro passo perigoso, prosseguindo a pescaria.  Ao jovem sucedeu o que me havia acontecido, e não podendo firmar-se, rolou no abismo.  Um pescador que estava embaixo, na margem do canal, o viu tombar, sumir-se no turbilhão e surgir adiante, desgovernado, debatendo-se desesperadamente, a fronte sangrando de larga ferida.

Era tal a velocidade da descida, que, chicoteando-o com a sua linha, na esperança de fisgá-lo com o anzol, não mais pode alcançá-lo e o corpo sumiu-se entre os cachões de espuma, para só ser encontrado três dias depois, vários quilômetros mais abaixo.

Desta vez depois de inúmeras dificuldades, conseguimos um pirangueiro para a rodada.  A triste lembrança acudiu-me à memória, desde que cheguei ao majestoso salto, até que fisguei o primeiro dourado de uns três palmos.  Durante os dois quilômetros que descemos, consegui pegar quatro dourados.  Dois, mais ou menos do tamanho do primeiro, e o último de seis palmos, que brigou bastante antes de ser embarcado,.

Na volta, aludindo à tragédia, o pirangueiro, um dos que procuraram o corpo, indicou o poço onde fora encontrado já bastante atacado pelos peixes. (*)

Não tive mais vontade de pescar nesse dia, e no seguinte voltei para S. Paulo, sem aproveitar os que me restavam de férias.

 

 

(*) Recentemente soube que no mesmo passo perigoso, haviam perecido anos depois, o pai e um tio do infeliz estudante, quando aquele tentava salvar o irmão.  

Em:  Caçando e pescando por todo o Brasil, 3ª série: no planalto mineiro, no São Francisco, na Bahia, de Francisco de Barros Júnior, São Paulo, Melhoramentos: s/d, pp. 34-36

Francisco Carvalho de Barros Júnior (Campinas, 14 de dezembro de 1883 — 1969) foi um escritor e naturalista brasileiro que ganhou em 1961 o Prêmio Jabuti de Literatura, na categoria de literatura infanto-juvenil.

Francisco Carvalho de Barros Júnior, patrono da cadeira n° 16 da Academia Jundiaiense de Letras, colaborou em vários jornais e revistas e é o autor da série Caçando e Pescando Por Todo o Brasil, um relato de viagens pelo Brasil na primeira metade do século XX, descrevendo diversos aspectos das regiões visitadas (entre outros botânica, animais e populações caboclas e indígenas).

Obras:

Série Caçando e Pescando Por Todo o Brasil

Primeira série: Brasil-Sul, 1945

Segunda Série: Mato Grosso Goiás, 1947

Terceira Série: Planalto Mineiro – o São Francisco e a Bahia, 1949

Quarta Série: Norte,  Nordeste,  Marajó, Grandes Lagos, o Madeira, o Mamoré, 1950

Quinta Série: Purus e Acre, 1952

Sexta Série: Araguaia e Tocantins, 1952

Tragédias Caboclas, 1955, contos

Três Garotos em Férias no Rio Tietê, 1951, infanto-juvenil

Três Escoteiros em Férias no Rio Paraná, infanto-juvenil

Três Escoteiros em Férias no Rio Paraguai, infanto-juvenil

Três Escoteiros em Férias no Rio Aquidauana, infanto-juvenil