Curiosidade benigna transforma erro em benesse

18 08 2013

89761939Santuário da Misericórdia, em Borja, Espanha, foto: Rosaflor.

Esta é uma postagem de domingo preguiçoso.  Ou seja, um pouco diferente do normal.  Mas vem à razão da minha surpresa ao constatar através do jornal inglês The Independent, que a pequena cidade de Borja na Espanha, (4.300 habitantes), que se tornou conhecida mundo afora há mais ou menos um ano por causa de erros a uma restauração mal feita no afresco Ecce Homo, do pintor Elias Garcia Martinez (Espanha, 1858-1934), no Santuário da Misericórdia,  se encontra agora, pelo mesmo motivo, capaz de arrecadar uma grande quantia de dinheiro €50.000 (cinqüenta mil euros) que estão sendo usados em caridades locais.

EccoHomoFresco[Uma combinação de três documentos providenciados pelo Centro de Estudos Borjanos em 22 de agosto de 2012, mostra a versão original da pintura Ecce Homo (Esquerda) pelo pintor do século XIX Elias Garcia Martinez, a versão deteriorada (Centro) e a versão restaurada pela velha senhora na Espanha, AFP/Foto/Centro de Estudos Borjanos.]

A curiosidade sobre este “acidente” de restauração que há um ano tornou-se uma notícia viral, é hoje responsável pelos fundos arrecadados pelo Santuário. Cecília Gimenez, a octogenária encarregada da restauração, que já havia em anos passados dado umas pinceladas em outras pinturas necessitadas de cuidados, hoje consegue uma quantia substancial com a venda de camisetas e demais mementos turísticos com a imagem de “seu erro”. Os lucros dessas vendas são parcialmente dividos entre a restauradora e o governo do pequeno lugar, situado na província de Zaragoza.

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A desastrosa restauração tem trazido ao vilarejo gente do mundo inteiro movida pela curiosidade de presenciar o erro; talvez, de se confraternizar com a senhora que, com a melhor das intenções, tentou “consertar” uma obra que se desfazia. A reprodução em todo canto dessa imagem fala da nossa atração nata pelo horrendo, pelo grotesco.  Ela nos atrai da mesma forma que a mulher barbuda atraía, pelo preço de uma entrada, centenas de pessoas para debaixo da lona circense. Talvez haja conforto em vermos que, como nós, outros também erram. A diferença é que nossos erros geralmente não chegam à popularidade a que este chegou.

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As lembrancinhas para turistas que a cidade vende mostra que esses espanhóis souberam dar a volta por cima depois da queda.  Conseguiram ver o erro, aceitá-lo e ainda transformá-lo em benefício para a comunidade.  Muito mais do que a maioria de nós seria capaz de fazer.  Palmas para eles: eles merecem!

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Legenda: “Eu prefiro a restauração”.





Juntos,depois do divórcio e da morte que os separaram: os retratos de Henrique VIII e Catarina de Aragão

2 02 2013

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Retrato de Catarina de Aragão, primeira esposa de Henrique VIII, óleo sobre madeira, artista desconhecido Lambeth Castle.

A tradição dizia que o retrato a óleo [acima] em uma das salas particulares do Palácio de Lambeth mostrava a sexta esposa de Henrique VIII, Catarina Parr (1512-1548).  Mas especialistas da National Portrait Gallery  de Londres, que foram ao palácio, residência oficial do Bispo de Canterbury, com a intenção de estudar o retrato de William Warham (1450-1532), arcebispo de Canterbury no século XVI, parte de um projeto titulado: Fazendo Arte na Inglaterra Tudor, ficaram interessados no retrato da dama, parte da decoração da sala íntima da residência, desde o século XIX.  Examinaram o Retrato de Catherine Parr  e notaram algumas discrepâncias, colocando em dúvida a atribuição.  Alguns detalhes não se encaixavam:  a moldura do quadro era obviamente de data anterior ao casamento de Catarina Parr.  As roupas da rainha consorte também pareciam ser antiquadas, para o período supostamente retratado e por fim, a pessoa retratada tinha uma semelhança enorme com a primeira esposa de Henrique VIII, Catarina de Aragão (1485-1536).  Os especialistas pediram, então,  ao  atual arcebispo de Canterbury e aos Comissários da Igreja, o empréstimo do quadro para  submetê-lo a uma análise técnica mais aprofundada. O bispo permitiu, começando assim o projeto da nova atribuição de um antigo quadro.

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Retrato de Henrique VIII, óleo sobre madeira, c. 1520, artista desconhecido, National Portrait Gallery, Londres.

Os testes logo mostraram que os especialistas tinham razão em querer examinar o quadro com cuidado. Submetido a raios-X e luz infra-vermelha o painel – é um óleo sobre painel de madeira – mostrou surpresas.  A equipe descobriu que, se removida, a pintura de fundo mostraria o fundo original, uma pintura de um painel [um pano de fundo] de seda adamascada verde, semelhante ao de um retrato de Henrique VIII, pintado em 1520, e parte da coleção da National Portrait Gallery em Londres.   O exame de raio-X do adorno de cabeça de Catarina Parr  mostrou que ele fora alterado, que originalmente havia um véu, ítem semelhante aos usados na época de Catarina de Aragão.  Além disso suas feições haviam sido modificadas.  As evidências ajudaram à conclusão de que era de fato um retrato de Catarina de Aragão, que se tornou a primeira esposa de Henrique VIII, depois que seu irmão mais velho Artur, que ela havia esposado em 1501, morreu.

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Catarina de Aragão em outro retrato na National Portrait Gallery em Londres.

Além das análises feitas na pintura em si, Charlotte Bolland, curadora da National Portrait Gallery de Londres, lembrou que  até mesmo a moldura do quadro ajudou a refazer a identificação da pessoa retratada.  “Ficou imediatamente aparente que se tratava de uma moldura bem mais antiga, produzida de uma maneira relativamente rara, típica do início do século XVI, um tipo de moldura que havia ficado fora de moda”.   Alguns detalhes do acabamento decorativo da moldura sobreviveram, entre a pintura posterior e a folha de ouro.  Isso foi de grande valia para a equipe de especialistas do museu porque molduras com acabamentos da época Tudor são extremamente raras.  A moldura combina detalhes pintados em ouro com faixas coloridas em azul e vermelho, que eram pintadas com pigmentos de azurite e vermillion.  Como uma grande parte do acabamento original foi recuperado, a equipe de reatauração da National Portrait Gallery conseguiu reconstruir as áreas perdidas ou prejudicadas.  A restauração do contraste de cores usados na moldura dessa obra ajuda na compreensão dos valores estéticos da época.  Outro aspecto considerado foi o vestuário: o que aparece,  já não era usado na época de Catarina Parr, que nasceu em 1512, três anos depois do casamento de Catarina de Aragão com Henrique VIII.  Além disso havia as características faciais em maior harmonia com Catarina de Aragão do que com Catarina Parr.

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Retrato de Catherine Parr, sexta esposa de Henrique VIII.

Numa ironia do destino, hoje os retratos de Henrique VIII e Catarina de Aragão estão expostos lado a lado na National Portrait Gallery em Londres.  Para quem se lembra, esse casamento acabou em divórcio,  servindo de marco para a separação da família real inglesa da igreja católica. “Henrique VIII e Catarina de Aragão foram casados por 24 anos e durante esse período seus retratos teriam sido mostrados em conjunto, como rei e rainha da Inglaterra”, observou Charlotte Boland.

A princesa espanhola Catarina de Aragão foi a primeira esposa de Henrique VIII.  Ela havia sido anteriormente casada, aos 15 anos de idade,  com Artur o irmão mais novo de Henrique VIII. Mas Artur morreu seis meses depois do casamento. Ela ficou viúva aos 16 anos.  Henrique VIII, então herdeiro do trono, casou-se com Catarina de Aragão, que foi coroada rainha da Inglaterra em uma cerimônia de coroação conjunta com seu marido.

Pouco depois de seu casamento Catarina ficou grávida, mas deu à luz uma filha natimorta em janeiro de 1510. A gravidez subseqüente resultou no nascimento do Infante D. Henrique em 1511 e houve grande festa, mas ele morreu  depois de 52 dias de nascimento. Catarina de Aragão depois teve um aborto espontâneo, seguido por um outro filho de vida curta,  mas em fevereiro de 1516, deu à luz uma filha saudável, Maria.  E a criança sobreviveu.

Henrique VIII ainda amava a sua esposa, mas ficou frustrado com a falta de um herdeiro masculino e tomou várias amantes, entre eles Maria Bolena, irmã de Ana Bolena.  Ana se recusou a se tornar amante de Henrique VIII, mas ele foi insistente e  ela sucumbiu. A preocupação de Henrique VIII com um filho só aumentou.

453px-Mary_I_by_Master_JohnMaria I de Inglaterra, por Mestre John, óleo sobre painel de carvalho, 1544, National Portrait Gallery, Londres.

Esta preocupação tornou-se ainda maior quando ele leu em Levítico que se um homem se casasse com a mulher de seu irmão, o casal permaneceria sem filhos. Apesar de ter uma filha, Henry ainda se sentia “sem filhos” por não ter um filho homem.  Henrique VIII então pediu ao papa para que anulasse seu casamento. Quando  Catarina – uma católica devota – soube disso, ela mesma também apelou para o Papa, defendendo sua posição, contra o divórcio. Ela argumentou que, como ela e Artur nunca haviam consumado o casamento, eles não eram marido e mulher de fato.

Essa briga continuou por seis anos e as coisas chegaram a um ponto em 1533, quando Ana Bolena engravidou e Henry decidiu que a única maneira de se casar com ela seria rejeitar o poder do Papa na Inglaterra. E conseguiu que Thomas Cranmer,  arcebispo de Canterbury, anulasse o casamento.

769px-Catherine_Aragon_Henri_VIII_by_Henry_Nelson_ONeilCatarina de Aragão implora a Henrique VIII contra o divórcio, s/d

[pintura do século XIX]

Henry Nelson O’Neil (Rússia, 1817- Inglaterra, 1880)

óleo sobre tela, 42 x 65 cm

Museu e Galeria de Arte de Birmingham, Inglaterra

Catarina teve que renunciar seu título de Rainha e ser conhecida como a Viúva Princesa de Gales, o que rejeitou para o resto de sua vida.

Catarina e sua filha Mary foram separadas e ela foi forçada a deixar a corte real, vivendo em casas senhoriais úmidas e castelos com apenas uma meia dúzia de servos. Dizia-se que sofreu problemas de saúde por esse motivo, mas nunca se queixou, e passou grande parte de seu tempo rezando. A filha de Catarina e Henry tornou-se rainha Maria I de Inglaterra em 1553 e era conhecida por sua brutal perseguição aos protestantes – ganhando o apelido de “Bloody Mary” [Maria Sangrenta].

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Lembrando as esposas de Henrique VIII:

Catarina de Aragão (Espanha, 1485-1536)

Ana Bolena ( Inglaterra, 1501-1536)

Jane Seymour ( Inglaterra, 1508-1537)

Ana de Cleves ( Alemanha, 1515-1557)

Catarina Howard (Inglaterra, c. 1518–1524 –  1542)

Catarina Parr ( Inglaterra, 1512-1548)

Esta postagem é em comemoração à exposição dos quadros de Henrique VIII e Catarina de Aragão, juntos, a partir do dia 23 de janeiro de 2013, na National Portrait Gallery em Londres.

Fontes: National Portrait Gallery. The Daily Mail





Painel de Aluísio Carvão, no Rio de Janeiro, restaurado!

5 09 2011

Painel de azulejos,  1996 [ vista da Avenida Visconde de Albuquerque]

Aluísio Carvão (Brasil, 1920-2001)

100x 3 metros

Localização: Rua Mário Ribeiro, ( por extensão chamada popularmente de Estrada Lagoa-Barra), Leblon,  entre as ruas Bartolomeu Mitre e Visconde de Albuquerque.

Foi com muito prazer que acompanhei nas minhas caminhadas o processo de restauração do longo e colorido mosaico de Aluísio Carvão.    A restauração levou muito tempo para quem queria vê-lo intacto de novo, mas valeu a pena a espera.

Painel de azulejos, 1996  [ vista da esquina de Visconde de Albuquerque com rua Mário Ribeiro]

Aluísio Carvão (Brasil, 1920-2001)

100x 3 metros

Localização: Rua Mário Ribeiro, ( por extensão chamada popularmente de Estrada Lagoa-Barra), Leblon, entre as ruas Bartolomeu Mitre e Visconde de Albuquerque.

O painel foi instalado no muro do quartel 23º Batalhão da Polícia Militar.  Quando a prefeitura do Rio de Janeiro uniu a Rua Mário Ribeiro à Avenida Padre Leonel Franca, dando acesso ao tunel Lagoa-Barra, foi feito o projeto de embelezamento desse muro no bairro do Leblon.  Isso deu origem a este grande mosaico em azulejos coloridos.

Painel de azulejos, 1996 [ vista do sinal da esquina de Visconde de Albuquerque com o sinal fechado, domingo de manhã]

Aluísio Carvão (Brasil, 1920-2001)

100x 3 metros

Localização: Rua Mário Ribeiro, ( por extensão chamada popularmente de Estrada Lagoa-Barra), Leblon, entre as ruas Bartolomeu Mitre e Visconde de Albuquerque.

A melhor hora de se apreciar este painel por inteiro como nas fotos é de manhã, num domingo.  O trânsito nessa avenida é incessante.  Mesmo com carros parando no sinal para a travessia de pedestres, o painel fica encoberto. 

 

Painel de azulejos, 1996  [vista da calçada adjacente ao painel na rua Mário Ribeiro]

Aluísio Carvão (Brasil, 1920-2001)

100x 3 metros

Localização: Rua Mário Ribeiro, ( por extensão chamada popularmente de Estrada Lagoa-Barra), Leblon, entre as ruas Bartolomeu Mitre e Visconde de Albuquerque.

É  charmoso vermos que a árvore, mais antiga que os projetos urbanísticos,  foi mantida, apesar do muro e do painel.  A vista acima é próxima à avenida Bartolomeu Mitre  e Largo da Memória.  

Painel de azulejos, 1996 [ vista parcial]

Aluísio Carvão (Brasil, 1920-2001)

100x 3 metros

Localização: Rua Mário Ribeiro, ( por extensão chamada popularmente de Estrada Lagoa-Barra), Leblon, entre as ruas Bartolomeu Mitre e Visconde de Albuquerque.

Trecho final do painel que se destaca pelas cores vibrantes, próximo à Avenida Bartolomeu Mitre. 

Painel de azulejos, 1996 [ vista parcial]

Aluísio Carvão (Brasil, 1920-2001)

100x 3 metros

Localização: Rua Mário Ribeiro, ( por extensão chamada popularmente de Estrada Lagoa-Barra), Leblon, entre as ruas Bartolomeu Mitre e Visconde de Albuquerque.

Vista de um pedacinho — por trás das duas pistas da Rua Mário Ribeiro — do mosaico,  na ponta oposta à foto acima.  O painel começa [ ou termina] ao lado do edifício retratatado que está localizado na esquina da Avenida Visconde de Albuquerque com a rua Mário Ribeiro.

Saída do Túnel Zuzu Angel.

O painel acima, serve na verdade de boas vindas a quem vem da Barra da Tijuca para a Lagoa, ou a quem sai da Lagoa em direção à Pontifícia Universidade Católica.  O mosaico de Aluísio Carvão está à esquerda no quarteirão anterior ao fotografado.  Esse local no Rio de Janeiro pode ser chamado por dois nomes.  A parte elevada, que vai em direção ao Tunel Zuzu Angel, chama-se Estrada Lagoa-Barra.   À direita temos a Avenida Padre Leonel Franca, que leva à entrada da PUC-Rio.  O grande edifício arredondado, [na verdade ele tem uma forma sinuosa, da qual só vemos uma parte aqui] é um dos marcos da arquitetura moderna do século XX,  no Rio de Janeiro.  Leva a alcunha de “Minhocão”  e foi projetado Arquiteto Afonso Eduardo Reidy.