Um passeio pelos jardins do Palácio do Catete

30 03 2010
Jardim do Palácio do Catete,  Rio de Janeiro.  Foto: Ladyce West

Neste verão que não acaba, em que fritamos todos os dias os nossos corpos a 38º C,  tenho procurado andar na areia da praia só no fim das tardes, e nos fins de semana visitar alguns dos belos jardins do Rio de Janeiro, a cata de  sombra, frescor, natureza e equilíbrio mental.   No sábado passado passei uma hora e pouco à sombra das árvores nos jardins do Palácio do Catete, antiga residência presidencial quando no século XX esta cidade ainda era a capital do Brasil.

Há uma característica desse jardim que sempre me intrigou e que dessa vez procurei saber o porquê.  Fato que salta aos olhos de quem quer que visite o local é a estranha distribuição de terra em relação à casa.  Os jardins são imensos.  Mas a casa fica não no centro dos jardins como seria de se esperar, mas no canto, dando de frente para a Rua do Catete.  Nem sei quantas vezes esse jardim é maior do que a área coberta por essa residência neo-clássica, construída entre 1858 e 1866, trabalho do arquiteto alemão Carl Friedrich Gustav Waehneldt, mas tem lago, tem gruta, tem esculturas e árvores gigantescas, e parece fora do comum que a casa ficasse assim num cantinho com as janelas paralelas à calçada.

Coreto, nos jardins do Palácio do Catete.  Foto:  Ladyce West

Finalmente descobri a razão:  a casa fora construída originalmente para residência na corte dos Barões de Nova Friburgo.  E a Baronesa havia exigido que este local fosse diferente de suas duas outras residências, a do Cantagalo e a de Nova Friburgo ambas as construções em centro de terreno.  A Baronesa de Nova Friburgo queria sentir o calor humano, a movimentação da corte, as carruagens passando, os vendedores cantando suas ofertas, seus pregões individualizados, quando chegasse à janela da residência citadina.  Daí o uso do cantinho esquerdo do terreno de esquina entre as ruas do Catete e a rua Silveira Martins [agradeço ao leitor Pedro Henrique pela correção do nome desta rua, que hoje, 29/9/2013 modifiquei no texto].  Os fundos da casa, dão para os jardins que se prolongam até  a Praia do Flamengo.  

Oceania, escultura em ferro fundido de Mathurin Moreau [França, 1822-1912], 1876.  Foto:  Ladyce West

Espalhadas pelos deliciosos recantos do jardim há uma série de esculturas em ferro fundido, de Mathurin Moreau (1822-1912), afamado escultor francês do século XIX, representando os continentes.  [Só uma dessas esculturas tem identificação numa tabuletinha próxima.  É a escultura cuja foto coloquei acima].  Ela representa a Oceania: um menino, abraça um pequeno canguru.  Infelizmente, a identificação dessas esculturas, está — como quase tudo que é patrimônio cultural no Rio de Janeiro —  deixada ao léu. É uma vergonha que o patrimônio cultural que temos a nosso alcance não exerça nenhuma fascinação sobre aqueles encarregados de preservar o nosso legado cultural (seria muito, pergunto, se um empregado do museu fizesse as mesmas tabuletinhas para cada uma das esculturas do palácio?  E se roubassem, fizesse de novo?  O custo é próximo a ZERO).   Mesmo nos jardins do Palácio do Catete, um museu carioca, temos o descuido de não identificar as peças, como se elas de nada valessem.  É uma pena.  Não pude, por causa do grande contraste entre a luz do sol e a sombra, nesse sábado, fotografar razoavelmente bem nenhuma das outras esculturas.  Uma delas na verdade, está longe, na frente de uma ilhota do lago, e terei que levar uma outra lente para isso.  Mas prometo aos leitores desse blogue que voltarei ao Palácio do Catete para registrar esses tetéias.  Sim porque essas esculturas são de um tamanho pequeno, certamente feitas para uso em jardins particulares  de importância.   Não há tampouco qualquer cartão postal com a foto das mesmas que se possa comprar e levar para casa como uma lembrança da arte encontrada no museu.  Vergonhoso.  Temos que melhorar isso antes de nos candidatarmos a eventos como Olimpíadas e Copa do Mundo,  porque esses eventos trazem pessoas que além dos esportes gostariam de conhecer a base cultural da cidade.  Garanto, que não há muitas cidades no mundo que têm o patrimônio artístico nacional e estrangeiro, em lugares públicos ou privados, que nós temos.

Os seis continentes, ferro fundido, Museu d’Orsay, Paris.

Mathurin Moreau foi um grande escultor francês do século XIX.  E nada melhor, para aqueles que gostariam de se dedicar às artes no Brasil e à escultura, que visitar essas pequenas representações dos continentes.  Mathurin Moreau criou outra escultura representando a Oceania, mais conhecida,  para a série de trabalhos representando  os  continentes.  A série foi organizada em 1878, e  seis dos mais importantes escultores franceses do final do século XIX  foram convidados a fazer uma escultura que representasse um continente:   América do Sul , por Aimé Millet (1819-1891); Ásia por  Alexandre Falguière (1831-1900); Oceania por  Mathurin Moreau (1822-1912);  Europa  por Alexandre Schoenewerk (1820-1855); América do Norte por  Ernest-Eugene Hiolle (1834-1886) e  África por Eugène Delaplanche (1831-1891).  Esse grupo permaneceu  no mesmo  local, Palácio Trocadéro, desde 1878 até a Segunda Guerra Mundial, quando em 1935 foi  transportado para Nantes.  Lá esteve  por cinquenta anos, até 1985, ano em que ” os seis continentes” retornaram a Paris, encontrando um lar na esplanada do Museu d’ Orsay. 

Oceania, 1878, Mathurin Moreau (França, 1822-1912), ferro fundido, Museu d’Orsay, Paris

Achei por bem postar, a título de curiosidade, uma foto da representação do mesmo continente, na versão de 1878, ou seja na versão de Mathurin Moreau para a Exposição Universal.  As que se encontram no Palácio do Catete são de 1876, ou seja, de 2 anos antes das  esculturas encontradas no Museu d’ Orsay.  Teriam sido elas um exercício do artista para o projeto mais monumental?  O que tanto a peça do Palácio do Catete quanto a encontrada no Museu d’Orsay têm em comum é o toque do exotismo, com a presença com canguru em ambas.  Detalhes exóticos seriam quase de obrigatoriedade nessas representações – afinal estamos falando dos últimos 25 anos do século XIX —  onde o exotismo foi explorado em todos os meios.  Mas as diferenças entre as duas mostram que suas funções foram determinantes na escolha da representação.  Enquanto a escultura feita para a Exposição Universal se mostra grandiosa, maior que a vida, as esculturas encontradas nos jardins do Catete, todas com meninos com animnais,  são mimosas e delicadas, no mesmo material (ferro fundido), mas definitivamente peças feitas para jardins menores, para o prazer do colecionador particular.

 

 Patos, Palácio do Catete, Rio de Janeiro.  Foto:  Ladyce West

Em outra ocasião dedicarei algumas palavras sobre o prédio, suas pinturas e decoração.   Sei que os jardins foram reformados sob a direção do engenheiro Paulo Villon,  em 1896,  quando a propriedade foi eletrificada para abrigar a Presidência da República, que até então usava o Palácio do Itamaraty.  Acredito que essas estátuas de Mathurin Moreau possam ter sido adquiridas na época para pontuar a reforma.    Há nesse jardim também um belíssimo chafariz, — que sábado passado não tinha água .  Esse chafariz, certamente entrou para o Palácio do Catete na reforma de 1896, pois era o chafariz do Largo do Valdetaro, que foi removido do local onde havia sido colocado em 1854 para este jardim em 1896.

Jardim do Palácio do Catete, Rio de Janeiro.  Foto:  Ladyce West

O charme do jardim desse palácio está certamente no romantismo de final de século tão bem retratado na combinação das palmeiras imperiais com árvores frutíferas;  nos lagos bucólicos com patinhos a nadar, e na construção da pequena e romântica gruta, além é claro, do delicado coreto.  É sem dúvida um dos lugares mais prazerosos do Rio de Janeiro.  E,  já que hoje circunda o Museu da República – porque com a mudança da capital para Brasília esse palácio passou a ser o Museu da República — nada mais natural que o tratemos bem e que muito mais atenção seja dada às informações do local.  Vamos esperar que a secretaria de turismo do estado abra os olhos e nos gratifique com um material digno sobre o que estamos vendo.    A falta de informações é um desrespeito com o visitante brasileiro, porque lhe rouba a educação de seu patrimônio cultural, lhe rouba o aprendizado de seu passado; é também um desrespeito com o visitante estrangeiro que procurou nos conhecer melhor, ver  quem somos e de onde viemos.   Dizem os psicólogos que o desleixo, que o desrespeito consigo próprio, é sinal de baixa auto-estima.  Não é isso o que merecemos no Brasil, e não é isso o que eu gostaria de passar para as gerações futuras.

Árvores centenárias do Palácio do Catete.  Foto:  Ladyce West

Ações

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13 responses

31 03 2010
Sonia Madruga

Bom dia

Comentários e fotos que transportam a gente por imagens e textos + poesia.
Soube do seu site através do seu passeio pela expo A Cara do Rio – que estou participando.
Grande abraço, bom dia – que bom este seu Dom.

Sonia Madruga

20 05 2010
Milena

Adorei estas informações relatadas neste site, em que vai ser muito bem utilizada em uma pesquisa de faculdade, mas não estou encontrando a planta baixa do palácio do catete!! Gostaria de saber onde posso encontrar!!!!????
Agradeço a atenção!!!

20 05 2010
peregrinacultural

Milena, obrigada pelo comentário. Não tenho a planta baixa do museu. Acredito que só mesmo contatando a admnistração do Museu da República. Procurei aqui entre os meus panfletos, e outro material de pesquisa, mas realmente não tenho nada sobre a planta baixa do prédio. Boa sorte! Um abraço, Ladyce

27 02 2011
angela coutinho

Belíssimo trabalho. Parabéns. Divido a mesma angústia em ver o descaso e a falta de interesse em manter bem cuidados os patrimônios que nos foram legados. Lamentável, também, é ver e sentir sob os pés como está a situação
do chão dos jardins do Palácio do Catete. O risco de cair existe para todos: cadeirantes, bebês em carrinhos e pedestres de todas as idades se arriscam em cada passeio. A quem devemos pedir socorro? Quem são os responsáveis? Neste ponto, a falta de respeito pelos visitantes também existe. Um abraço.

27 02 2011
peregrinacultural

É verdade Ângela. Você está correta nessa observação. Será que não seria o caso de contatar-se o AMA CATETE? Digo a associação de moradores do Catete? Mesmo que não sejam responsáveis é possível que eles conheçam os responsáveis ou saibam como achá-los. Tenho a impressão de que o Palácio do Catete deve estar sob os auspícios de algum órgão federal, porque ERA do governo federal. Se for o caso é o IPHAN nacional que se responsabiliza. A não ser que já tenham passado para o controle do estado. E aí pode ficar em pior estado… Puxa, não sei qual a pior sina… Obrigada pela visita e pelo oportuno comentário. Um abraço, Ladyce

27 02 2011
angela coutinho

Vamos correr atrás das informações corretas. Também acho que o IPHAN é o responsável. Só não entendo como deixam a situação chegar a tal nível vergonhoso. Será que só nós duas vimos isso? Ninguém faz uma vistoria ou a política da “vista grossa” é que vale? Vergonha total. Lamentável e muito triste. Desculpem a minha indignação. Um abraço.

8 12 2011
Claudia

Correção as crianças ñ fazem carinhos nos animais é um ato de dominação sobre a espécie de cada lugar invadiu pelo ser humano retrata submissão da espécie. Cada continente é representado por uma criança com tipo físico característico daquela região* colonizados. E elas estão em luta com animais nativos: crocodilo, cobra, lobo, tigre e canguru.

8 12 2011
peregrinacultural

Cláudia, muito interessante a sua interpretação. Não concordo com ela, mas vejo que você a defende bem.

29 09 2013
Pedro Henrique

O Palácio do Catete tem por esquinas as ruas Silveira Martins e Ferreira Viana. Salvo engano, a rua Silva Jardim fica perto da Praça Tiradentes, no centro.

29 09 2013
peregrinacultural

Você tem toda razão, muito obrigada pela correção. Abraços,

6 02 2017
Explore, todos os dias! – Explore, every day! – Cores Urbanas

[…] Walking on the streets of Catete neighborhood, in Rio de Janeiro, you will find several attractions, like the famous Catete Palace (originally Palácio do Catete, in Portuguese), the federal government office from 1897 and 1960, then transferred to Brasília; there you will find the Republic Museum (originally Museu da República, in Portuguese), open for visitation, where it is possible to enjoy movies, drink coffee and walk in the palace’s beautiful garden. […]

27 09 2017
Adélia

Boa tarde, senti falta da bibliografia, poderia disponibilizar?

28 09 2017
peregrinacultural

Adélia, esse não é um artigo profissional, é o relato de um passeio aos jardins do Palácio do Catete e toda a informação nele explicitada e de amplo conhecimento de historiadores da arte europeia e brasileira. Muita dessa informação pode ser encontrada nos panfletos do Palácio assim com na web.

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