Quando, poema de Sophia de Mello Breyner

25 03 2024

Citando a fada, 2015

Emma Ersek (Romênia, 1979)

Quando

 

Sophia de Mello Breyner

 

 

Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta

Continuará o jardim, o céu e o mar,

E como hoje igualmente hão-de bailar

As quatro estações à minha porta.

Outros em Abril passarão no pomar

Em que eu tantas vezes passei,

Haverá longos poentes sobre o mar,

Outros amarão as coisas que eu amei.

Será o mesmo brilho, a mesma festa,

Será o mesmo jardim à minha porta,

E os cabelos doirados da floresta,

Como se eu não estivesse morta.





A lebre e a tartaruga — La Fontaine, trad. Curvo Semedo

3 12 2020
Ilustração, desconheço a autoria.

A lebre e a tartaruga

“Apostemos, disse à lebre

A tartaruga matreira,

Que eu chego primeiro ao alvo

Do que tu, que és tão ligeira!”

Dado o sinal da partida,

Estando as duas a par,

A tartaruga começa

Lentamente a caminhar.

A lebre, tendo vergonha

De correr diante dela,

Tratando uma tal vitória

De peta ou bagatela,

Deita-se e dorme o seu pouco;

Ergue-se e põe-se a observar

De que parte sopra o vento,

E depois entra a pastar;

Eis deita uma vista d’olhos

Sobre a caminhante sorna,

Inda a vê longe da meta,

E a pastar de novo torna.

Olha; e depois a vê perto,

Começa a sua carreira;

Mas então apressa os passos

A tartaruga matreira.

À meta chega primeiro

Apanha o prêmio apressada,

Pregando a lebre vencida

Uma grande surriada.

Não basta só haver posses

Para obter o que intentamos;

É preciso por-lhe os meios,

Quando não atrás ficamos.

O contendor não desprezes

Por fraco, se te investir;

Porque um anão acordado

Mata um gigante a dormir.





Ninho, poesia infantil de Miguel Torga

24 04 2019

 

 

 

43b5b877650df623ea9df470e80481bcDesconheço a autoria.

 

 

Ninho

 

Miguel Torga

 

 

Sei um ninho.

E o ninho tem um ovo.

E o ovo, redondinho,

Tem lá dentro um passarinho

Novo.





Poesia infantil: Casamento Perfumado, de Antônio Gedeão

11 02 2019

 

 

 

Primavera Better Homes and Gardens 1929-07Primavera, capa da Revista Better Homes & Gardens, julho 1929.

 

 

 

Casamento Perfumado

 

Antônio Gedeão

 

Queria certa donzela

de olfato bem apurado

que o seu casamento fosse

de sempre o mais perfumado.

Seu nome era Rosa Branca

Cravo Vermelho seu noivo

madrinha, D. Açucena,

padrinho, o senhor D. Goivo.

Sua grinalda enfeitou

com flores de laranjeira

e na sua mão levou

um ramo de erva cidreira.

Seus pajens, os Manjericos;

Violetas, suas aias,

seu pai, o senhor Junquilho

Madressilva em lindas saias.

Veio dizer a cozinheira

que ía tudo perfumar:

“trago salsa e hortelã

para pôr no seu jantar.

Que belo aroma que dão

a canela e o coco

para perfumar os bolos

vou juntar vinho do Porto.

A bela Erva-Luísa

veio para servir o chá

como é toda perfumada

que belo jeito me dá.

Diga-me lá D. Rosa,

se mais perfumes deseja.”

Haverá um casamento

que mais perfumado seja?

 

Em: Obra Poética, António Gedeão, Edições JSC, Lisboa: 2001





“Chove. É Dia de Natal”, poema de Fernando Pessoa

4 12 2017

 

 

 

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Chove. É Dia de Natal

 

Fernando Pessoa

 

Chove. É dia de Natal.

Lá para o Norte é melhor:

Há a neve que faz mal,

E o frio que ainda é pior.

 

E toda a gente é contente

Porque é dia de o ficar.

Chove no Natal presente.

Antes isso que nevar.

 

Pois apesar de ser esse

O Natal da convenção,

Quando o corpo me arrefece

Tenho o frio e Natal não.

 

Deixo sentir a quem quadra

E o Natal a quem o fez,

Pois se escrevo ainda outra quadra

Fico gelado dos pés.

 

Em: Cancioneiro, Fernando Pessoa, Cyberfil: 2002 –  página 34





Sei um ninho, poema de Miguel Torga

9 11 2015

 

perecastor-coucou-ill-illustrated by Feodor Stepanovich Rojankovsky, Rojan.Ilustração de um dos livros “Père Castor”, com ilustração provável de Feodor Stepanovich Rojankovsky, conhecido como Rojan.

 

 

Sei um ninho

 

Miguel Torga

 

 

Sei um ninho.

E o ninho tem um ovo.

E o ovo, redondinho,

Tem lá dentro um passarinho Novo.

Mas escusam de me atentar:

Nem o tiro, nem o ensino.

 

Quero ser um bom menino

E guardar

Este segredo comigo.

E ter depois um amigo

Que faça o pino

A voar…





Atitude, poema de Armindo Rodrigues

19 10 2015

 

Homem no parque, edouard Halouze, 1920Ilustração Homem no parque, de Édouard Halouze, 1920.

 

Atitude

Armindo Rodrigues

 

 

Nem mal, nem bem,

nem sim, nem não,

nada por obrigação

me convém.

 

Só quero querer

o de que na verdade

eu próprio tiver

vontade.

 

 

Em: Voz arremessada no caminho; poemas, Armindo Rodrigues, Lisboa: 1943, p. 15

 





Escola, poesia de Armindo Rodrigues

17 09 2015

 

 

ESCOLA Michael Peter Ancher (1849 – 1927, Danish) a-village-school-in-skagenEscola em vilarejo de Skagen

Michael Peter Ancher (Dinamarca, 1849-1927)

óleo sobre tela

 

 

Escola

 

Armindo Rodrigues

 

 

Os meninos estão sentados

com um ar baço de tédio

e entre os meninos eu,

eu de mim, menino, lembrado,

mas já distante sem remédio.

 

De novo, menino, oiço

a voz vagarosa e dura

do professor a repetir.

a repetir, como um baloiço,

a mesma pergunta obscura.

 

De novo, menino, fujo,

embora imaginariamente,

da aula monótona e parada

e me perco no pó da estrada

à minha própria procura.

 

 

Em: Voz arremessada no caminho; poemas, Armindo Rodrigues, Lisboa: 1943, p. 55





Sublinhando…

26 08 2015

 

 

Bengts, Carl - Sanomalehteä lukeva nainen, 1925Mulher lendo o jornal, 1925

Carl Bengts (Finlândia, 1876 – 1934)

óleo,  27 x 35 cm

 

 

“Recordo-me.

Perdi-me.

Ou foi a vida

que me perdeu?”

 

Em: Armindo Rodrigues (1904-1993), Aventura. 

 

 





Sublinhando…

19 08 2015

 

Hubert-Denis Etcheverry - La dame en bleuSonho  [Dama em azul] c. 1930

Hubert-Denis Etcheverry (França, 1867-1950)

óleo sobre tela

Museu Bonnat-Helleu, Bayonne

 

 

“Por que fiz eu dos sonhos

A minha única vida?”

 

Fernando Pessoa (Portugal, 1888-1935) em Contemplo o lago mudo.