Histórias da Independência do Brasil para a semana da pátria

5 09 2009

Carybé, batalha de Piraja, projeto para muralBatalha de Pirajá, desenho de projeto para mural.

Carybé (Brasil, 1911-1997)

 

O Corneteiro de Pirajá

 

por Viriato Correia

 

Quando se proclamou a independência foi a Bahia que mais custou a sair do jugo de Portugal.

O general Madeira de Melo não quis obedecer ao governo brasileiro. Para ele o Brasil era uma propriedade dos portugueses e, portanto, aos por­tugueses devia continuar sujeito, sem nenhum direito de libertar-se. 

E comandando grandes forças armadas, compostas de gente portuguesa, tomou conta da província e não consentiu que os baianos gozassem, como os outros brasileiros, da independência proclamada. 

Aquilo feriu a fundo o coração dos patriotas da Bahia. Era pela força que Madeira queria impor o jugo de Portugal, só pela força a província proclamaria a sua liberdade. 

E a Bahia inteira, a Bahia brasileira, pegou em armas para bater-se contra os inimigos da independência. 

Foram penosos os primeiros encontros. Madeira é que tinha armas, munições, navios e dinheiro que lhe vinham constantemente de Portugal. 

O governo brasileiro estava no momento cheio de dificuldades e quase não podia ajudar os patriotas baianos.

Os patriotas baianos, porém, defendiam-se e resistiam como leões.

A melhor maneira de vencer as forças de Madeira era encurralá-las de modo que não pudessem receber auxílios. Para isso os baianos formaram postos de ataque aqui, ali, além, por toda a região que na Bahia se conhece pelo nome de Recôncavo.

Um desses postos, justamente o mais forte deles, o mais destemido, aquele em que se reuniam os mais valentes defensores da terra baiana, era o de Pirajá.

Um dia, quando o general Madeira abriu os olhos, Pirajá estava embaraçando os passos do seu exército. O general não podia receber víveres e reforços: tinham-lhe sido tomados os caminhos de terra e mar.

Era necessário, portanto, destruir Pirajá o mais de­pressa possível.

******

E as forças portuguesas atiram-se contra o posto brasileiro.

É a 8 de novembro de 1822, antes de raiar a manhã.

Deve ser segura, infalível a vitória. As tropas de Madeira, além de bem armadas e mais numerosas, vão fazer o ataque de surpresa.

Está ainda escuro quando os batalhões inimigos de­sembarcam cautelosamente nas praias de Itacaranhas e Plataforma, ao mesmo tempo que, pelos outros lados, o grosso do exército avança rapidamente.

Quando as sentinelas baianas, colocadas em Coqueiro e Bate-Folha, percebem o avanço, não é mais possível fazer nada. 

É ao clarear do dia que pipocam os primeiros tiros.

Pirajá inteiro ergue-se para a peleja.

Começa o combate. Madeira, em pessoa, dirige os seus corpos. O que ele pretende é investir por Itacaranhas para cortar a retaguarda dos brasileiros. Mas os nossos vão resistindo e resistindo heroicamente.

 Uma hora inteira de fogo.

O general português, surpreendido com aquela resistência, ordena que novas centenas de soldados avancem. Mas os baianos não se deixam vencer.

Mais uma hora de fogo.

Os portugueses vão pouco a pouco conquistando o terreno.

 Barros Falcão, que comanda os nossos, percebe claramente a vitória inevitável do inimigo. Mas é preciso lutar. E luta-se mais uma hora.

Madeira está inquieto com a resistência. Agora ordena a novos corpos que avancem em grandes massas. Mas o fogo das linhas brasileiras não cessa um instante.

Novos corpos investem contra os nossos.   Outra hora de peleja e de fogo.

 ******

Havia cinco horas que aquilo durava. Os portugueses tinham ganho tanto terreno que, em poucos momentos, os brasileiros estariam num círculo de balas.

Um minuto mais vai dar-se a ruína completa dos baianos. Não há mais resistência possível. Continuar a luta é sacrificar inutilmente centenas de vidas.

Barros Falcão, de um galope, percebe que chegou o momento de retirar-se. A dois passos está Luís Lopes, o cometa, que ele conservou sempre ao seu lado, esperando aquele instante desesperador.

 —  Toque retirada!   ordena.

O cometa não se move.

 —  Toque retirada, já lhe disse!   grita o comandante pela segunda vez.

O cometa vira-lhe as costas.

Barros Falcão avança de espada em punho para obrigar o insubordinado a cumprir as suas ordens, mas, nesse momento, Luís Lopes cola a cometa à boca e claros sons metálicos retinem nos ares.

O comandante agita-se, surpreendido. — Que é isso?  que é isso?

Não é o sinal de retirada que está ouvindo. É que a corneta está soprando loucamente no espaço é o sinal de “avançar cavalaria e degolar”.

Pararam todos, alarmados: o comandante, os oficiais, os soldados. Que cavalaria é aquela que aquele doido está mandando avançar?

 ******

No exército português é brutal a surpresa. É a confusão. E o pavor.

É a debandada louca.

Fogem todos alucinadamente daquela cavalaria que não existe.

 

Fogem todos, todos feridos por aquele toque de corneta que vale mais do que cinco horas de tiroteio, mais do que a própria voz dos canhões.

 

Em: Meu Torrão : contos da história pátria, Viriato Correa, 1953, 4ª edição.

 

Viriato_correia

 

Manuel Viriato Correia Baima do Lago Filho (Pirapemas, MA 1884 — Rio de Janeiro, RJ 1967) – Pseudônimos: Viriato Correia, Pequeno Polegar, Tibúrcio da Anunciação. Diplomado em direito, jornalista, contista, romancista, teatrólogo, autor de literatura infantil e crônicas históricas, professor de teatro, membro da ABL e político brasileiro.

 

Obras:

Minaretes,  contos, 1903

Era uma vez…, infanto-juvenil, 1908

Contos do sertão, contos, 1912

Sertaneja, teatro, 1915

Manjerona, teatro, 1916

Morena, teatro, 1917

Sol do sertão, teatro, 1918

Juriti, teatro, 1919

O Mistério, teatro,  1920

Sapequinha, teatro, 1920

Novelas doidas, contos, 1921

Contos da história do Brasil, infanto-juvenil,  1921

Terra de Santa Cruz, crônica histórica, 1921

Histórias da nossa história,crônica histórica, 1921

Nossa gente, teatro, 1924

Zuzú, teatro,  1924

Uma noite de baile, infanto-juvenil,1926

Balaiada, romance, 1927

Brasil dos meus avós, crônica histórica, 1927

Baú velho, crônica histórica,  1927

Pequetita, teatro, 1927

Histórias ásperas, contos, 1928

Varinha de condão, infanto-juvenil, 1928

A Arca de Noé, infanto-juvenil, 1930

A descoberta do Brasil, infanto-juvenil,1930

A macacada, infanto-juvenil, 1931

Bombonzinho, teatro,  1931

Os meus bichinhos, infanto-juvenil, 1931

No reino da bicharada, infanto-juvenil, 1931

Quando Jesus nasceu, infanto-juvenil, 1931

Gaveta de sapateiro, crônica histórica,  1932

Sansão, teatro, 1932

Maria, teatro, 1933

Alcovas da história, crônica histórica,  1934

História do Brasil para crianças, infanto-juvenil, 1934

Mata galego, crônica histórica, 1934

Meu torrão, infanto-juvenil,1935

Bicho papão, teatro, 1936

Casa de Belchior, crônica histórica, 1936

O homem da cabeça de ouro, teatro, 1936

Bichos e bichinhos, infanto-juvenil, 1938

Carneiro de batalhão, teatro, 1938

Cazuza, infanto-juvenil, 1938

A Marquesa de Santos, teatro, 1938

No país da bicharada, infanto-juvenil, 1938

História de Caramuru, infanto-juvenil, 1939

O país do pau de tinta, crônica histórica, 1939

O caçador de esmeraldas, teatro, 1940

Rei de papelão, teatro, 1941

Pobre diabo, teatro, 1942

O príncipe encantador, teatro, 1943

O gato comeu, teatro, 1943

À sombra dos laranjais, teatro, 1944

A bandeira das esmeraldas, infanto-juvenil, 1945

Estão cantando as cigarras, teatro, 1945

Venha a nós, teatro, 1946

As belas histórias da História do Brasil, infanto-juvenil, 1948

Dinheiro é dinheiro, teatro, 1949

Curiosidades da história do Brasil, crônica histórica, 1955

O grande amor de Gonçalves Dias, teatro, 1959.

História da liberdade do Brasil, crônica histórica, 1962