
Ilha Faro, Suécia. Foto: Dean C. K. Cox, The New York Times
Um ano depois da morte do cineasta Ingmar Bergman seus herdeiros decidem vender sua famosa propriedade na Ilha de Faro, no Báltico na costa da Suécia, depois da aparente indiferença do governo sueco de manter viva a memória do cineasta.
Quando o filho de Bergman, Daniel, anunciou em julho que até o final de 2009 os herdeiros já teriam vendido a propriedade em Faro, ninguém na Suécia acreditou que o governo não fosse se interessar por manter a propriedade. Não é apenas uma pequena casa, mas uma propriedade magnífica bem construída à beira do Báltico. É verdade que para se chegar lá não é uma coisa fácil. Depois de chegar ao aeroporto de Gotland, importante centro histórico dos vikings, é necessário que se alugue um carro e rodar até o ponto mais ao norte da ilha, pegar uma barcaça e chegar então ao cais de Faro. Daí por diante há a necessidade de se pegar uma pequena estrada, evitando por todo lado os carneiros cinzentos com patas negras que peregrinam pelos campos até se chegar a uma porteira que fecha a estrada. Aí então começa a propriedade dos Bergman.
Faro serviu de cenário para filmes de Bergman, como A Paixão de Ana, Vergonha, Cenas de um Casamento e Através do Espelho, além de dois documentários sobre a própria ilha. Frequentemente considerada uma ilha com uma ar de contos de fadas, Faro tem muitas florestas de pinheiros e « o chão é coberto por um musgo que lembra um carpete. E é fácil ver cogumelos do tamanho de pratos, formigueiros de 2 metros de altura e muitos morangos silvestres. »
Bergman foi conhecido na Suécia, onde nasceu, por sua posição favorável à direita num país mantido por um sistema monárquico mas socialista: uma combinação um pouco difícil de entender para esta pobre brasileira — mas que parece ser o pivô central da falta de coordenação efetiva do governo para tomar decisões que mantenham a propriedade do cineasta em mãos suecas. Pequenos ciúmes, pequenas revanches têm atrasado discussões. Mentes pequenas de partidos pequenos já se desinteressaram do cineasta que colocou a Suécia no mundo do cinema e que a fez existir na imaginação de uma geração inteira – dos baby boomers — num mundo que começava a se globalizar. A visão curta de uns e a falta de coragem de outros está deixando a casa de Bergman sem cuidado e provavelmente virar tudo o que o cineasta não merecia nem quereria: uma atração turística de massa. Há alguma coisa estranha entre esses que conseguem não se esquecer das tendências políticas de uma figura maior que eles mesmos e continuam a curtir dissabores do século XX, tentando mantê-los vivos através do século XXI.
De vez em quando é bom lembrarmos que falta de visão não é só uma característica nossa. Outros países, outros políticos de lugares considerados até mais civilizados que o nosso podem agir com tanta mesquinhez quanto vemos por aqui. Não que o comportamento deles justifique o nosso. Este tipo de comparação na verdade só denigre a nossa imagem. Que tenhamos o poder do bom senso quando uma decisão semelhante vier ao nosso encontro. Por ora: que vergonha para a Suécia paralisada num conflito político mais mesquinho do que tenho certeza o povo daquele país merece.
Este artigo foi em parte baseado no ensaio sobre o assunto publicado no jornal Le Figaro de 20/10/2008.