
Num artigo publicado ontem, 15/7/2008, no New York Times, por Michael Kimmelman, soube da gritaria, da confusão lusitana ao redor da venda da correspondência de Fernando Pessoa ao escritor britânico Aleister Crowley. Esta correspondência do poeta português com o místico escritor britânico foi iniciada em 1930. Sua venda, negociada pelos herdeiros de Fernando Pessoa, está marcada para o período de alta visibilidade na Europa, o outono, que é a estação de abertura dos eventos culturais do ano e será feita em leilão público. A confusão é gerada pela reclamação de alguns da saída do país de documentos de tal importância.
Mas, é justamente de vendas como esta, que a Biblioteca Nacional de Portugal pode se beneficiar, como já o fez no ano passado quando arrematou, para seu acervo, cadernos de notas de Fernando Pessoa. Como Kimmelman em seu artigo lembra, a maior parte da obra de Pessoa está em manuscritos, nunca tendo sido publicada — diz-se que chegam aos 30.000, ainda guardados em baús na última moradia do escritor.
A decisão dos herdeiros de venderem pelo maior e melhor preço estes documentos é volátil. Recentemente o ministro da cultura de Portugal, José Antonio Pinto Ribeiro, lembrou, numa conferência aberta ao público na Casa Fernando Pessoa, que o estado português tem o poder de manter dentro de seu território qualquer objeto (e os manuscritos se enquadram aqui) que achar ser necessário para o patrimônio nacional. A mensagem, bem entendida por Manuela Nogueira, a sobrinha de Fernando Pessoa, que se encontrava na audiência, era de que ela não se sentisse muito confiante, porque a qualquer momento o governo poderia decidir que tais documentos eram do interesse cultural do país e não só proibir sua venda, como também tombar tais documentos, e nada dar aos herdeiros em troca.
Manuela Nogueira já estava preparada para a luta. Já havia fotografado tudo que pretendia vender de modo que cópias estarão sempre abertas para estudiosos, não importando o destino final dos originais. Além do que, um contrato já havia sido assinado por ela e pela casa de leilões.
O artigo de Michael Kimmelman continua então com considerações sobre Pessoa e sobre a alma portuguesa, inclusive opiniões sobre a última, com uma breve entrevista sublinhando as opiniões de Inês Pedrosa, a escritora que esteve recentemente aqui em Paraty, na FLIP [Feira Literária Internacional de Paraty] deste ano. O artigo revela também algumas opiniões de Jerônimo Pizarro diretor da Casa Fernando Pessoa, em Lisboa. Mas, o assunto pelo qual tenho interesse aqui é diferente daquele enfatizado pelo New York Times, que se mostrou mais interessado em mostrar a forma peculiar, culturalmente falando, de pensar dos portugueses – um artigo até bastante irônico. O que me interessa é ponderar sobre os diversos direitos envolvidos neste caso, para que possamos, no futuro, pensar em como resolver situações semelhantes que certamente ocorrerão na tentativa de preservação de uma cultura brasileira:
1° – Tanto no Brasil como em Portugal seria necessário tornar mais claras as regras estabelecidas para dar prioridade ao que deve ou não ser preservado dentro do país.
2° – Acredito que os herdeiros têm todo o direito de vender os documentos. Muitos autores, com herdeiros, fazem projetos de vida contando com esta possibilidade de renda para as gerações futuras, assim como os grandes donos de terras o fazem.
3° – Também acredito que o governo tem todo o direito de comprar os documentos. Se são de tamanha importância como se diz, tenho certeza que qualquer governo acharia os meios de comprá-los no leilão, ou seja ao valor estabelecido pelo mercado.
4° – Onde há vontade há um meio. O governo pode se juntar a diversas ONGs culturais para comprar os documentos e mantê-los na Biblioteca Nacional ou em alguma outra instituição pública de acesso livre aos estudiosos.
5° – Nada impede que um grupo de intelectuais e outros interessados, que hoje choram e gritam lamentando a perda física dos documentos, não se cotizem para comprá-los e depois doá-los ao país. Acho que as pessoas têm que aprender a colocar o dinheiro onde insistem ser um bom investimento, quer seja cultural ou econômico.
6° – Não há nada mais injusto do que o governo proibir alguém de vender algum objeto ou documento por o haver declarado Patrimônio Nacional, tombá-lo e não indenizar o atual dono do patrimônio ao preço de mercado.
7° – Se nenhuma destas possibilidades aparecerem, por que os documentos não podem sair do país e serem velados por uma outra instituição de responsabilidade social como seria o caso de uma biblioteca especializada em manuscritos de grandes autores?
8° – Último, estive vendo, no outro dia que a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro é a 7ª maior biblioteca do mundo. ALÔ !!!! Diretores da BN, está na hora de aumentarmos o nosso patrimônio! Tenho certeza de que Portugal preferiria que nós brasileiros – da mesma pátria, porque afinal nossa língua é nossa pátria – fossemos os guardiões destes documentos. Melhor do que qualquer outro país que se interessar possa, não é mesmo?