A Primeira Cruz, texto de Ofélia e Narbal Fontes

13 08 2015

 

volpi+mogi+1932+1933Mogi das Cruzes, 1932

Alfredo Volpi (Itália/Brasil, 1896-1988)

óleo sobre tela

Museu de Arte Moderna

 

 

“Só depois de quatro dias de caminhada, a bandeira saiu da mata e marchou por uma campina até as barrancas do rio Mogi. E como já fosse tarde, armou acampamento ali mesmo. Já ao clarear do outro dia, atravessava o rio a vau com água pelo peito. Os tropeiros tiveram de repartir a carga das mulas e fazer o transporte em duas ou mais viagens. Os negros erguiam os fardos de provisões acima da cabeça e transpunham o rio penosamente… Enquanto isso, Nuno Ramires andava numa extraordinária atividade, confabulando, aliciando a chusma de aventureiros, preparando enfim, com antecedência que lhe parecia necessária, a grande traição…

Assim prosseguiu a bandeira, conseguindo percorrer cerca de cem léguas em trinta dias, por uma trilha conhecida pelos mineiros de Sabará, até que atingiu as barrancas do rio Grande. Aí fez alto. E dentro e pouco havia uma atividade febril no acampamento: o Anhaguera dirigia, pessoalmente, a fabricação de canoas para a travessia do rio.”

 

Em: Gigante de Botas (novela histórica), Ofélia e Narbal Fontes, São Paulo, Saraiva; 1963, p. 49

 

Anhaguera: Bartolomeu Bueno da Silva foi um bandeirante do Brasil colonial e colonizador do Brasil central (Goiás).





Paulista eu sou há quatrocentos anos, soneto de Martins Fontes

25 01 2014

Agostinho Batista de Freitas (1927-1997)Vale do Anhangabaú,1980,ost, 50 x 70 cmVale do Anhangabaú, 1980

Agostinho Batista de Freitas (Brasil, 1927-1997)

óleo sobre tela, 50 x 70 cm

Paulista eu sou há quatrocentos anos

es

Martins Fontes

Paulista eu sou há quatrocentos anos:
Imortal, indomável, infinita,
Dos mortos de que venho, ressuscita
A alma dos Bandeirantes sobrehumanos.

Tenho o orgulho dos nossos altiplanos.
Tenho a paixão da gleba circunscrita.
Quero morrer, ouvindo a voz bendita
Dos pausados cantares paulistanos.

De minha terra, para minha terra,
Tenho vivido. Meu amor encerra
A adoração de tudo quanto é nosso.

Por ela, sonho num perpetuo enlevo.
E, incapaz de servi-la quanto devo,
Quero ao menos e amá-la quanto posso.

Em: 232 Poetas Paulistanos: antologia, Pedro de Alcântara Worms, Rio de Janeiro, Conquista:1968, p. 130

Homenagem ao aniversário da cidade de São Paulo!




15 de novembro — Dia da República

15 11 2013

Delfim da Câmara (1834–1916)Retrato de D. Pedro II, 1875, ost, 127 × 95 cm, Museu Histórico Nacional (MHN)Rio de JaneiroRetrato de D. Pedro II, 1875

Delfim da Câmara (Brasil, 1834- 1916)

óleo sobre tela, 127 x 95 cm

Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro

“Em visões de luz, de paz, de glória
aguardarei sereno no meu jazigo,
a justiça de Deus na voz da História.”

(Pedro de Alcântara, [D. Pedro II], no poema, Terras do Brasil)





Tiradentes — poema de Carlos Pena Filho

6 07 2013

ParreirasTiradentesPrisão de Tiradentes, 1914

Antônio Parreiras (Brasil, 1860-1937)

óleo sobre tela, 180 x 282 cm

Museu Júlio de Castilhos, Porto Alegre

Tiradentes

Carlos Pena Filho

É o muito esperar que existe em torno

que me destina a ação desbaratada.

A morte é bem melhor do que o retorno

ao nada.

Não nasce a pátria agora, o sonho mente,

mas, em meio à mentira, sonho e luto

pois sei que sou o espaço entre a semente

e o fruto.

Este poema foi musicado por Carlos Marques e faz parte da trilha sonora do filme Carnaval, o aval da carne (de Carlos Marques e Ralph Justino; Rio de Janeiro, 1983)

Em: Melhores poemas de Carlos Pena Filho, seleção de Edilberto Coutinho, Global Editora, São Paulo, 1983, 4ª edição.

carlos-pena-filho

Carlos Pena Filho  nasceu no Recife, em 1929.  Formado em Direito, pela Faculdade de Direito do Recife, foi poeta, letrista, jornalista, ensaísta para o Jornal do Comércio. Morreu num acidente automobilístico em 1960.

Obras:

O tempo da busca, 1952

Memórias do boi Serapião, 1955

A vertigem lúcida, 1958

Livro geral (obra reunida), 1959

Melhores poemas (póstuma) seleção de Edilberto Coutinho, 1983





Um momento ahah! — srta. Hempel descobre alguns limites profissionais.

27 12 2011

Ilustração, Ben Kimberly Prins ( EUA 1902 – 1980)


Voltando ao livro  O aprendizado da srta. Beatrice Hempel, de Sarah Shun-lien Bynum [Rocco:2011], saliento a passagem abaixo que demonstra claramente a primeira centelha de uma conscientização de estagnação na profissão da srta, Hempel, da repetição infinita das matérias, entra ano, sai ano; a mesmice, o tédio.  Uma situação que acontece com todos nós em diferentes momentos.

” Antes de ler a minha cena — disse Audrey –, posso contar uma piada?

A srta. Hempel disse que sim.

— Foi meu pai quem me contou.  É uma piada boba, mas eu queria contar.  Para começar, ele disse: “Por que é importante aprender a história americana?”  Vocês se lembram?  Do trabalho que fizemos?  E então ele disse: “Quem não se lembrar do passado está condenado a repetir” — Audrey fez uma pausa tímida — “a sétima série!”

A turma riu.  E a srta. Hempel também.

— Até agora essa é a melhor razão! — declarou a srta. Hempel. — Quem quer repetir a sétima série?

Foi então que lhe ocorreu que ela estava repetindo a sétima série, na verdade pela quarta vez; e ainda estaria repetindo a sétima série, quando Audrey, Kirsten e Travis estivessem no mundo lá fora, fazendo coisas.  Um ano após o outro, os colonos de Jamestown se queixariam dos mosquitos, as caixas de chá tombariam no porto, os legalistas seriam cobertos com alcatrão e penas, e exibidos em desfile pelas ruas tortas.  Todos os meses de novembro, a guerra seria vencida.  Todos os outubros, as colônias se rebelariam.  Todos os setembros a srta. Hempel se voltaria para o quadro, apanharia o giz e escreveria: Primeiro Trabalho.





A descoberta de Sutil, de Theobaldo Miranda Santos, uso escolar.

29 11 2011

Bandeirantes, gravura do século XVIII.

Miguel Sutil foi um dos primeiros bandeirantes que atravessaram os sertões de Mato Grosso.  Em outubro de 1720, encontrava-se ele no povoado de Nossa senhora da Penha, onde tinha inciado uma plantação de milho e mandioca.

Durante muito tempo, Sutil havia procurado ouro na região sem nada conseguir.  Certo dia, achava-se ele no interior da mata, longe de casa, quando sentiu fome.  Ordenou então, a dois índios carijós, que trouxera em sua companhia, que percorressem a floresta em busca de mel de abelhas e palmito.

Lá se foram os índios obedientes à ordem do chefe.  Passaram-se muitas horas sem que eles voltassem.  Sutil ficou impaciente. A fome aumentava a nada havia ali para comer.

O sol descambava no horizonte.  Os pássaros recolhiam-se aos seus ninhos.  E os índios não apareciam.  Sutil estava furioso com a demora dos indígenas.

De repente, ouviu-se um barulho no mato e surgiram, afinal, os dois carijós.  Vinham correndo.  Traziam nas mãos alguma coisa que o bandeira não distinguiu.

Sutil interpelou-os com energia.  Os índios nada responderam.  Mas mostraram ao chefe o que traziam.  Suas mãos estavam cheias de ouro!

Mal rompeu o dia, Sutil dirigiu-se ao lugar onde os índios haviam encontrado o ouro.  Lá chegando, quase desmaiou de emoção.  O ouro, em grande quantidade, brilhava na superfície da terra.  Num só dia, o bandeirante e os índios recolheram mais de duas arrobas de ouro!

E assim foi descoberta uma das minas de ouro mais ricas da região centro-oeste do Brasil.

Em: Vamos estudar? — 3ª série primária – de Theobaldo Miranda Santos, edição especial para os estados Goiás e Mato Grosso,  Rio de Janeiro, Agir: 1961





Que é o Brasil? texto de Viriato Corrêa, do livro infantil Cazuza (1938)

7 09 2011

Que é o Brasil?

Viriato Corrêa

“De pé, junto à mesa, olhos fixos no Floriano, o professor João Câncio prosseguiu:

— Pergunta você que é o Brasil?  É tudo que temos feito em prol do progresso, da moral, da cultura, da liberdade e da fraternidade.  O Brasil não é o solo, o mar, o céu que tanto cantamos.  É a história, de que não fazemos caso nenhum.

O Brasil é obra de seus construtores, ou melhor, daqueles que o tiraram do nada selvagem e o fizeram terra civilizada.

E o trabalho dos jesuítas, de Nóbrega e de Anchieta, em plena floresta, transformando antropófagos em seres humanos.

O Brasil é a coragem dos defensores de seu solo.  É Estácio de Sá, é Mem de Sá, é Araribóia, repelindo os franceses do Rio de Janeiro, é Jerônimo de Albuquerque expelindo os franceses do Maranhão.  São os patriotas de Pernambuco, arrasando o domínio holandês do Norte.  São os cariocas lutando com Duclerc e Duguay-Trouin.

O Brasil é a obra dos bandeirantes:  Antônio Raposo, Fernão Dias Pais, Borba Gato, Bartolomeu Bueno, desbravando sertões à procura de ouro e de pedras preciosas.

O Brasil é o esforço da sua gente para tirar da terra os bens que a terra dá a quem trabalha.  É a cana-de-açúcar que, já no século do descobrimento, era uma das maiores riquezas do país.  É o esplendor das minas de ouro do século XVIII, que deixaram o mundo embasbacado.

É o café que engrandeceu São Paulo, Rio de Janeiro, Minas, Espírito Santo e que atualmente é a nossa maior riqueza.  É o algodão, a riqueza do Nordeste; o cacau, a riqueza da Bahia, e a borracha, a riqueza da Amazônia.

O Brasil é a sua indústria pastoril.  É a atividade dos paulistas  e dos baianos, espalhando boiadas pelo território nacional desde os primeiros dias da nossa história.

O Brasil é o trabalho obscuro dos negros nos campos de criação e lavoura, nas minas, nos trapiches e nas fábricas.

Pátria brasileira, meu meninos, continuou ardentemente, é tudo que se fez para que tivéssemos liberdade.  É a Inconfidência Mineira, com Tiradentes morrendo na forca.  É o martírio de Domingos José Martins e do Padre Roma, na revolução de 1817.  É o trabalho de José Bonifácio e de Joaquim Ledo, na Independência.  É o sacrifício de Frei Caneca e do padre Mororó, na Confederação do Equador.  É o verbo de Patrocínio e Nabuco, na Abolição.  É Silva Jardim, Benjamim Constant e Deodoro, realizando a República.

Pátria brasileira é a obra dos patriotas da Regência.  É a energia do padre Feijó, sufocando a desordem; é a espada de Caxias, impedindo que o país se desunisse.

O Brasil é a glória de seus grandes filhos.  É o gênio de Bartolomeu de Gusmão produzindo a Passarola. 

Em vez de exaltarmos os céus azuis, as montanhas verdes, os rios imensos, exaltemos os homens que realizaram as obras em favor da nossa indústria e do nosso comércio.  Exaltemos Mauá e Mariano Procópio, que construíram as nossas primeiras estradas de ferro; Barbacena, que fez navegar, nos nossos rios, o primeiro barco a vapor.

O Brasil são os seus grandes vultos nas ciências, nas letras e nas artes.  É Teixeira de Freitas.  É Rui Barbosa.  É Varnhagem.  É a veia poética de Gonçalves Dias e de Castro Alves.  O pincel de Pedro Américo e de Vítor Meireles.  A inspiração musical de Carlos Gomes.

Num país, a beleza da paisagem, o fulgor do céu, a extensão dos rios, as próprias minas de ouro, são quase nada ao lado da inteligência, da energia, do trabalho, das virtudes morais de seus filhos.

E, com a voz inflamada pelo entusiasmo, concluiu.

— É essa energia, esse trabalho, essa inteligência, essas virtudes morais, que a nossa bandeira representa“.

Em: Cazuza, de Viriato Corrêa, São Paulo, Cia Editora Nacional: 1966, 14ª edição. Originalmente publicado em 1938.

Exercício para a sala de aula:

Esse texto do escritor  Viriato Corrêa foi publicado em 1938.   Por isso ele não lista outros grandes brasileiros que vieram depois dos anos 30 do século XX e  que contribuíram para que o Brasil se tornasse o grande país que é.  Liste outros grandes brasileiros que não estão nessa lista acima.

 Feliz Dia da Independência do Brasil!

Manuel Viriato Correia Baima do Lago Filho (Pirapemas, MA 1884 — Rio de Janeiro, RJ 1967) – Pseudônimos: Viriato Correia, Pequeno Polegar, Tibúrcio da Anunciação. Diplomado em direito, jornalista, contista, romancista, teatrólogo, autor de literatura infantil e crônicas históricas, professor de teatro, membro da ABL e político brasileiro.

Obras:

Minaretes, contos, 1903

Era uma vez…, infanto-juvenil, 1908

Contos do sertão, contos, 1912

Sertaneja, teatro, 1915

Manjerona, teatro, 1916

Morena, teatro, 1917

Sol do sertão, teatro, 1918

Juriti, teatro, 1919

O Mistério, teatro, 1920

Sapequinha, teatro, 1920

Novelas doidas, contos, 1921

Contos da história do Brasil, infanto-juvenil, 1921

Terra de Santa Cruz, crônica histórica, 1921

Histórias da nossa história,crônica histórica, 1921

Nossa gente, teatro, 1924

Zuzú, teatro, 1924

Uma noite de baile, infanto-juvenil,1926

Balaiada, romance, 1927

Brasil dos meus avós, crônica histórica, 1927

Baú velho, crônica histórica, 1927

Pequetita, teatro, 1927

Histórias ásperas, contos, 1928

Varinha de condão, infanto-juvenil, 1928

A Arca de Noé, infanto-juvenil, 1930

A descoberta do Brasil, infanto-juvenil,1930

A macacada, infanto-juvenil, 1931

Bombonzinho, teatro, 1931

Os meus bichinhos, infanto-juvenil, 1931

No reino da bicharada, infanto-juvenil, 1931

Quando Jesus nasceu, infanto-juvenil, 1931

Gaveta de sapateiro, crônica histórica, 1932

Sansão, teatro, 1932

Maria, teatro, 1933

Alcovas da história, crônica histórica, 1934

História do Brasil para crianças, infanto-juvenil, 1934

Mata galego, crônica histórica, 1934

Meu torrão, infanto-juvenil,1935

Bicho papão, teatro, 1936

Casa de Belchior, crônica histórica, 1936

O homem da cabeça de ouro, teatro, 1936

Bichos e bichinhos, infanto-juvenil, 1938

Carneiro de batalhão, teatro, 1938

Cazuza, infanto-juvenil, 1938

A Marquesa de Santos, teatro, 1938

No país da bicharada, infanto-juvenil, 1938

História de Caramuru, infanto-juvenil, 1939

O país do pau de tinta, crônica histórica, 1939

O caçador de esmeraldas, teatro, 1940

Rei de papelão, teatro, 1941

Pobre diabo, teatro, 1942

O príncipe encantador, teatro, 1943

O gato comeu, teatro, 1943

À sombra dos laranjais, teatro, 1944

A bandeira das esmeraldas, infanto-juvenil, 1945

Estão cantando as cigarras, teatro, 1945

Venha a nós, teatro, 1946

As belas histórias da História do Brasil, infanto-juvenil, 1948

Dinheiro é dinheiro, teatro, 1949

Curiosidades da história do Brasil, crônica histórica, 1955

O grande amor de Gonçalves Dias, teatro, 1959.

História da liberdade do Brasil, crônica histórica, 1962





José Bonifácio de Andrada e Silva, texto de Gilberto Freyre

6 09 2011

José Bonifácio de Andrada e Silva

Oscar Pereira da Silva ( Brasil, 1867-1939)

Museu do Ipiranga, São Paulo

Ainda a propósito de José Bonifácio

Gilberto Freyre

O Serviço que José Bonifácio prestou ao Brasil, dando à independência da Colônia de Portugal um sentido de todo diferente das independências das colônias da Espanha, foi imenso.  Sua grandeza cresce com o tempo.

Haveria, o Brasil, tal como existe hoje, tão plural e tão uno, se no momento justo não tivesse agido, máscula e decisivamente, sutil, e quase femininamente, juntando a arte dos grandes políticos à firmeza de ânimo dos grandes homens, contra os radicais de sua época, contra os desvairados “nacionalistas” do seu tempo, contra os furiosos antieuropeus dos seus dias, esse brasileiro tão da sua Província, tão do seu burgo sem que tais apegos o impedissem de considerar o futuro nacional, considerando, em seu vasto conjunto, a nova pátria, por ele organizada?

Para assegurar-se a unidade desse conjunto, impunha-se a solução monárquica;  e o sagaz Andrada, mais desdenhoso do que ninguém, de títulos e de comendas, foi a solução porque se bateu.  Soube fugir à tentação das popularidades fáceis, entre os radicais mais ruidosos, que o cercavam: radicais então simplistamente republicanos, sem se aperceberem que o seu simplismo ideológico de imitadores dos vizinhos da já fragmentada América Espanhola, era para o perigo que nos conduzia: o da fragmentação.  O da desunião: brasileiros contra brasileiros.  O do separatismo: em vez de um Brasil só, vários Brasis Estados.  Uma América Portuguesa ainda mais dividida que a Espanhola em repúblicas inimigas umas das outras.

Houvesse educação cívica no Brasil de hoje, e o culto a José Bonifácio seria o maior culto nacional.  Pois deveria haver no Brasil um dia de J. Bonifácio tão civicamente significativo como o dia da Independência ou o dia da Bandeira.  Ou antes: o dia da Comemoração da  Independência deveria ser principalmente no Brasil o dia de José Bonifácio.

Não se compreende que a sua vida não esteja dramatizada num filme que ao valor artístico juntasse o cívico e através do qual crianças, adolescentes, adultos se inteirassem do que houve de mais expressivo nessa vida de autêntico grande homem, tão a serviço do Brasil.  Não se compreende que suas idéias, suas iniciativas, seus projetos inspirados num lúcido amor pela pátria que organizou sem repudiar Portugal, nem aguçar-se em detrator dos portugueses não sejam temas mais freqüentes para composições escolares, teses universitárias, ensaios que as universidades, as academias, os institutos consagrassem com seus melhores lauréis.  Tão pouco se compreende que o Itamarati deixe de projetar no estrangeiro figura tão completa de estadista, salientando-se, em publicações em várias línguas, ter sido o patriarca da Nação brasileira, como só depois dele o da República Chinesa, o da Tchecoslováquia, o da União Indiana, um homem de ciência, um humanista, um sábio, um “scholar”, embora, em dias difíceis, soldado.  Mas como homem público eminentemente civil.  Como homem público, a negação do caudilho.  Também a negação, do politiqueiro, do demagogo, do adulador, quer de ricos, quer de multidões com sacrifício da “sã política”.  Aquela “sã política” que só se sente comprometida com os grandes interesses gerais; nunca com os simplesmente privados ou de facção.

[Texto publicado originalmente no Jornal do Comércio (Recife) em 17/01/1965].

Em:  Pessoas, coisas e animais, Gilberto Freyre,  coletânea de Edson Nery da Fonseca, São Paulo, MPM Proganda: 1979.





Fitas Verdes na comemoração da Independência do Brasil

30 08 2011


Paço de São Cristóvão, 1817

Thomas Ender (Áustria, 1793-1875)

Laços de fitas

Viriato Corrêa

—  Fitas,  arranja-me fitas verdes para toda esta gente, disse D. Pedro jovialmente, tocando no braço de dona Leopoldina.

—  Vou buscá-las.

E, risonha, a princesa deixou o grande salão burburinhante, em caminho da alcova.

Naquela noite, de 14 de setembro de 1822, o palácio de São Cristóvão estava num pruido febril de festa e novidade.

Ao escurecer D. Pedro havia voltado de São Paulo e, como por milagre, a cidade inteira soube que o príncipe, nas colinas do Ipiranga, tinha dado o grito da Independência.

Aquilo estalara na cidade como uma bomba.  Os salões da Boa Vista encheram-se num momento.  Os grandes vultos da propaganda correram a ouvir do próprio imperador os pormenores do gesto emancipador.

D. Pedro, com uma alegria de rapaz e aquelas maneiras democratizadas que ele tinha nos seus momentos de júbilo, contava a sua grande revolta ao receber de Paulo Bregaro, o correio que José Bonifácio lhe enviara, as notícias das cortes de Lisboa:  o seu movimento imediato e espontâneo em arrancar do chapéu o tope português gritando “Independência ou Morte”; os transportes da comitiva ao ouvir o brado libertados; a marcha galopante para São Paulo; os delírios do povo paulista naquela mesma noite no teatro da Ópera; o hino que ele mesmo escrevera e que a platéia com ele cantara, alucinadamente; os vivas do padre Ildefonso Xavier, aclamando-o rei do Brasil, enfim, a sua viagem para o Rio, vitoriado por toda a parte.

Dona Maria Leopoldina de Áustria (Viena, 1797- Rio de Janeiro,  1826)

Primeira Imperatriz-consorte do Brasil, esposa de D. Pedro I

Rainha-consorte de Portugal

Arquiduquesa da Áustria

Née: Dona Carolina Josefa Leopoldina Francisca Fernanda de Habsburgo-Lorena

A fisionomia dos patriotas fulgurava.

José Bonifácio envolvia-o num olhar de ternura emocionada.  Gonçalves Ledo, nervoso, agitado movia eloquentemente o braço, a cada passagem vibrante da narrativa.  Frei Sampaio devorava-o com o olhar em fogo.  Cunha Barbosa esticava-se nas pontas dos pés, a mão ao pavilhão da orelha para ouvir melhor.  Nóbrega veio colocar-se mais perto para não perder uma palavra da narrativa.  José Clemente, calmo, com aquele ar de serenidade inalterável, de quando em quando, traía-se por um fulgor mais vivo nos olhos.  Não havia quem não sentisse naquele instante um grande fogo na alma.

A princesa voltou com as mãos cheias de fitas verdes.

D. Pedro tomou um dos laços da mão da esposa, oferecendo-o a José Bonifácio.

—  Foi a cor que escolhi para a bandeira – o verde.  Ponha o laço no braço.

Dona Leopoldina começou a distribuir as fitas.  Todos se curvaram respeitosamente.

Entre a figura serena da princesa e a figura vibrante do príncipe havia uma diferença profunda no desenrolar daquele movimento político de emancipação.  Dona Leopoldina era a amiga incondicional do Brasil.  Desde o primeiro momento da propaganda que ela se tinha colocado espontaneamente ao lado da Independência.  Enquanto D. Pedro, aquela sua cabeça de vento, ora bandeava para um lado, ora para o outro, ora cedendo às exigências de Avilez e da divisão portuguesa, ora tendo gestos imprevistos de simpatia pelos brasileiros, ela, com uma ternura religiosa pela paz em que lhe nasceram os filhos, esteve sempre ao lado da grande aspiração política do Brasil.

A vitória dos campos do Ipiranga era principalmente dela, da sua habilidade, da sua candura, do seu coração, em torcer o príncipe tão leviano e tão estouvado, para um feito tão alto.

Dom Pedro I, o Libertador do Brasil  ( Queluz, 1798 – Queluz, 1834)

Primeiro Imperador do Brasil

Pedro IV de Portugal

[Pedro de Alcântara Francisco António João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon]

Pintura de Benedito Calixto ( Brasil, 1853-1927)

óleo sobre tela, 1902

Todos que ali estavam sabiam do papel que ela tivera.

A cena de quatorze dias atrás era conhecida nas suas minúcias.  O ministério de José Bonifácio tinha-se reunido para conhecer as exigências das Cortes de Lisboa.  Essas exigências eram tão prementes, que só um golpe de independência poderia resolvê-las.  O velho Andrada conclui pela separação definitiva do Brasil de Portugal e todos, inclusive a princesa, aplaudem a decisão.  É preciso mandar um emissário a D. Pedro, em São Paulo.  Paulo Bregaro  é chamado.  José Bonifácio entrega-lhe os papéis, recomendando:

—  Se não arrebentar uma dúzia de cavalos no caminho nunca mais será Correio; veja o que faz.

E, quando o oficial vai montado para partir, dona Leopoldina assoma as escadas de pedra do palácio, detendo-o com um gesto:

—  Falta ainda isto.

E, a sua carta, carta escrita pela sua própria mão, dirigida ao marido, aconselhando-o, pedindo-lhe que fizesse imediatamente a Independência do Brasil.

Os salões continuavam a encher.  A todo o momento carros paravam à escadaria do palácio.

A noite estava fria.  Chuviscava.  Pelas janelas via-se o clarão longínquo da cidade que começava a iluminar-se festivamente.

D. Pedro passeava pelo salão radiosamente.  Estava de uma alegria como nunca se tinha visto.  Ora passava o braço aos ombros de José Bonifácio, ora aos de Gonçalves Ledo, ora ia conversar com frei Sampaio, ora atender à reverência de um patriota que entrava.  Tinha-se a impressão de que ali não estava o príncipe que havia acabado de fundar um império, mas um homem como outro qualquer, um excelente camarada que se democratizava em abraços e rompantes festivos.

Paço de São Cristóvão, c. 1835-1840

Barão Karl Robert Planitz ( Alemanha, 1804- Brasil, 1847)

Gravura aquarelada

Nas salas agora, quase que ninguém se podia mover. D. Pedro lançou os olhos pelo salão em que se reuniam os vultos da propaganda e exclamou:

—  Mas nem todos têm o distintivo da Independência!

E, com a jovialidade dos seus vinte e quatro anos, voltou-se para a esposa num momento de intimidade encantadora:

—  Os laços foram poucos.  Não haverá mais fitas verdes no palácio?!

Dona Leopoldina sorriu.  Chegou-se-lhe até perto e disse-lhe baixinho aos ouvidos:

—  Não há.

Mas seguiu em rumo da alcova.  Abriu as gavetas do primeiro móvel, remexeu-as.  Não havia fitas.  Foi a outras gavetas, a mais outras, a mais outras.  As fitas que encontra não são da cor do distintivo.

E vai sair e fechar a porta quando os seus olhos se voltam para a sua larga cama estendida no quarto.  Os grandes travesseiros de cambraia estão enfeitados de fitas verdes.  Aproxima-se e nervosamente arranca as fitas uma por uma, pedaço a pedaço, sem deixar um só.

E entra no salão com uma alegria de criança, segurando a mão do marido:

—  Arranjei as fitas.

Há uma exclamação de contentamento em toda a sala.  Com um leve tom de rosa no rosto a princesa conclui:

—  Tirei-as dos travesseiros de minha cama.

No movimento instintivo toda a gente baixa respeitosamente a cabeça, numa reverência de profunda emoção.  Que alma maravilhosa tinha aquela mulher que amava tanto o Brasil a ponto de oligar candidamente à intimidade recatada dos travesseiros de sua cama!

Ninguém se sente com ânimo de merecer tão alta honra.  Há um ligeiro silêncio, uma ligeira indecisão.

Antonio Menezes de Vasconcelos Drummond avança um passo.  Dona Leopoldina oferece-lhe o laço de fita.  Ele beijou-o num respeito comovedor:

—  Obrigado, majestade! Era verdade.  Ninguém se havia lembrado que já não mais estava ali a arquiduquesa d’ Áustria e sim a soberana do Brasil.

E todos avançam.  Dona Leopoldina distribui as fitas.  A cada laço que entrega um beijo estala,  o beijo da ternura, o beijo da gratidão, a única e mais bela homenagem que aqueles patriotas podiam, naquele momento, prestar aquele imenso coração de mulher.

Em: Terras de Santa Cruz: contos e crônicas da história brasileira, Viriato Corrêa,  São Paulo, Civilização Brasileira: 1956.

 

Manuel Viriato Correia Baima do Lago Filho (Pirapemas, MA 1884 — Rio de Janeiro, RJ 1967) – Pseudônimos: Viriato Correia, Pequeno Polegar, Tibúrcio da Anunciação. Diplomado em direito, jornalista, contista, romancista, teatrólogo, autor de literatura infantil e crônicas históricas, professor de teatro, membro da ABL e político brasileiro.

 

Obras:

Minaretes, contos, 1903

Era uma vez…, infanto-juvenil, 1908

Contos do sertão, contos, 1912

Sertaneja, teatro, 1915

Manjerona, teatro, 1916

Morena, teatro, 1917

Sol do sertão, teatro, 1918

Juriti, teatro, 1919

O Mistério, teatro, 1920

Sapequinha, teatro, 1920

Novelas doidas, contos, 1921

Contos da história do Brasil, infanto-juvenil, 1921

Terra de Santa Cruz, crônica histórica, 1921

Histórias da nossa história,crônica histórica, 1921

Nossa gente, teatro, 1924

Zuzú, teatro, 1924

Uma noite de baile, infanto-juvenil,1926

Balaiada, romance, 1927

Brasil dos meus avós, crônica histórica, 1927

Baú velho, crônica histórica, 1927

Pequetita, teatro, 1927

Histórias ásperas, contos, 1928

Varinha de condão, infanto-juvenil, 1928

A Arca de Noé, infanto-juvenil, 1930

A descoberta do Brasil, infanto-juvenil,1930

A macacada, infanto-juvenil, 1931

Bombonzinho, teatro, 1931

Os meus bichinhos, infanto-juvenil, 1931

No reino da bicharada, infanto-juvenil, 1931

Quando Jesus nasceu, infanto-juvenil, 1931

Gaveta de sapateiro, crônica histórica, 1932

Sansão, teatro, 1932

Maria, teatro, 1933

Alcovas da história, crônica histórica, 1934

História do Brasil para crianças, infanto-juvenil, 1934

Mata galego, crônica histórica, 1934

Meu torrão, infanto-juvenil,1935

Bicho papão, teatro, 1936

Casa de Belchior, crônica histórica, 1936

O homem da cabeça de ouro, teatro, 1936

Bichos e bichinhos, infanto-juvenil, 1938

Carneiro de batalhão, teatro, 1938

Cazuza, infanto-juvenil, 1938

A Marquesa de Santos, teatro, 1938

No país da bicharada, infanto-juvenil, 1938

História de Caramuru, infanto-juvenil, 1939

O país do pau de tinta, crônica histórica, 1939

O caçador de esmeraldas, teatro, 1940

Rei de papelão, teatro, 1941

Pobre diabo, teatro, 1942

O príncipe encantador, teatro, 1943

O gato comeu, teatro, 1943

À sombra dos laranjais, teatro, 1944

A bandeira das esmeraldas, infanto-juvenil, 1945

Estão cantando as cigarras, teatro, 1945

Venha a nós, teatro, 1946

As belas histórias da História do Brasil, infanto-juvenil, 1948

Dinheiro é dinheiro, teatro, 1949

Curiosidades da história do Brasil, crônica histórica, 1955

O grande amor de Gonçalves Dias, teatro, 1959.

História da liberdade do Brasil, crônica histórica, 1962





Quadrinha infantil para o dia 13 de maio!

12 05 2010

 

Princesa Isabel, 1920, em Paris.

Princesa Isabel, teu nome,

Hoje coberto de glória,

Relembra o gesto mais lindo

Dos anais da nossa história.