Preço da fama para os atores: O caçador de pipas

5 07 2008
Ilustração de Mariângela Haddad

Ilustração de Mariângela Haddad

Uma das grandes vantagens da internet é que hoje podemos ouvir os nossos programas de rádio favoritos, mesmo que estejamos a milhares de quilômetros da estação de rádio que nos acolhia quando morávamos aqui, ali ou acolá.  Acabou-se a dependência na HORA DO BRASIL, na VOA (Voice of America) ou na BBC (Bristish Broadcasting Company) para se saber o que os outros estão fazendo, dizendo ou armando.  Agora, é só ligarmos nossos computadores e nos conectarmos com nossa estação de rádio predileta e notícias, músicas e comentários vão saindo dos nossos alto-falantes como se estivéssemos em outro lugar.

 

Nem sempre consigo seguir um dos meus programas favoritos nos EUA:  All Things Considered, da NPR (National Public Radio) nos EUA.  Mas há dois dias ouvi uma reportagem interessante sobre o menino Zekeria Ebrahimi, que fez o Jovem Amir, no filme O caçador de pipas.  Mesmo depois de muito tempo, ele ainda não conseguiu ter uma vida normal desde que participou da produção do filme.

 

 

Amir e Hassam conversam, foto de divulgação do filme

Amir e Hassam conversam, foto de divulgação do filme

 

Desde o início, durante as filmagens algumas polêmicas surgiram.  O diretor, Marc Forster, tentando dar à tela a maior veracidade possível, contratou atores que se enquadrassem nas restritas descrições do livro sobre etnia, idade, dialeto, sotaque e até mesmo a paisagem montanhosa, que apesar de ter sido filmada na China, retrata uma realidade muito próxima daquela encontrada no país dos talebãs. 

 

No início do filme há a cena que transforma o personagem principal e que o leva, 30 anos mais tarde, a vir redimir seus pecados:  o estupro de Hassam por um grupo de meninos.  Esta cena — a violação de Hassam, o caçador de pipas do título — não é só o ponto de partida da culpa do narrador, Amir, testemunha do estupro que nada faz, mas também um eloqüente retrato da maneira como minorias étnicas —  como os Hazaras, minoria xiita– são tratadas.

 

Este espelho realista foi mais acertado do que o governo do Afeganistão e sua minoria religiosa poderiam aceitar.   Como a bruxa de Branca de Neve eles  não conseguiram se ver nem na descrição do livro, nem nas imagens do filme.  E logo veio a censura.  O filme não pode ser projetado no país. “Há cenas que exibem atos de violência sexual que são etnicamente orientadas“, explicou o vice-ministro da Cultura Najib Malalai.

 

Mas, estamos nos tempos da aldeia global, da comunicação eletrônica, cópias piratas foram feitas e circuladas pelo país, enfrentando a censura Talebã governamental religiosa.  Cópias pirateadas apareceram em todo canto. 

 

Andrew H.  Walker

Khaled Hosseini com Zekeria Ebrhimi. Foto: Andrew H. Walker

 

Com a censura no Afeganistão a Paramount tratou da segurança pessoal de seus pequenos atores: mudou as três crianças do território afegão para os Emirados Árabes.  Lá, desde novembro de 2007, elas encontraram refúgio e permaneceram acompanhadas de um guardião cada.  Paramount colocou os meninos em escolas particulares, alugou apartamentos para eles, pagou às famílias um salário mensal e arranjou emprego para os guardiões.   

 

Mas, passado algum tempo, Zekeria Ebrahimi voltou à terra natal, saudoso da família.  Infelizmente, ele agora se encontra incapaz de ir à escola ou deixar sua própria casa. Afegãos que viram o filme consideram a película como um insulto e acham que a cultura nacional foi preconceituosamente mal representada.  Além disso, eles atribuem ao filme o aumento das tensões entre minorias no país, que há décadas dividem os habitantes.  

 

O medo de que Zekeria possa cair nas mãos de revoltosos continua.  O menino teve que sair da escola em que se inscreveu em Cabul porque colegas de turma da minoria Hazara queriam matá-lo, linchá-lo, o quanto antes.  A família se mudou.  Mas a ida para um outro bairro de nada adiantou.  As perseguições continuaram.  Zekeria não vai mais à escola e não sai de casa.  Está sendo educado em casa por seu tio.  A família, representada pela tia Waheeda Ebrahimi, quer mais proteção.  Quer emigrar para os EUA, o único lugar em que acreditam poderão viver em paz.

 

Mas nestes tempos de vacas magras nos EUA e de medo de imigrantes de origem muçulmana, há limites sérios sobre o que a Paramount pode fazer.  A companhia preferiria que a família toda fosse para o Dubai.  Neste meio tempo, preso por uma situação em que não tem nenhum controle, Zekeria leva uma vida de prisioneiro em sua própria casa, em seu próprio país.  

 

Vale lembrar as palavras do vice-ministro da cultura sobre a proibição da projeção do filme no país e perguntar a ele se a visão de um lado, não se aplicaria também à uma visão do outro lado, já que tanto o personagem Amir quanto Zekeria são da minoria Pashtu.

 

Um membro de uma etnia que é agredido por pessoas de uma etnia diferente leva a crer que esta etnia está ligada a esse tipo de ato“, declarou Malalai. “É um ato cultural, isso não pode ser aceito“, acrescentou.

 

NOTA: O filme O caçador de pipas é baseado no romance de Khaled Hosseini do mesmo nome.

 

 

Ilustração de Mariângela Haddad

Ilustração de Mariângela Haddad