Revolução de 1932, observações de Ivna Thaumaturgo

9 07 2011

Foto antiga de Itajubá, MG.

Lembranças da Revolução de 1932

A revolução paulista desencadeia na cidade um febre política que contamina toda a população.  Pela situação estratégica, Itajubá passa a ser o ponto central para onde afluem as tropas que vão combater os revoltosos e também por estar próxima ao túnel, onde se instalam as tropas paulistas para impredir o avanço dos legalistas.  Há muitos contingentes aquartelados em toda a cidade.  Até o Grupo Escolar, acabado de construir, da noite para o dia, se transformou em praça de guerra.  As paredes estão cobertas de mapas contendo a zona em que se encontram os revolucionários.  Entramos na sala em que está aquartelado o P.C. da 1ª DI.  O general Trompowsky faz as honras de dono da casa ao receber as senhoras dos oficiais que estão no front.  Manda servir café e depois chama um soldado que é hábil saxofonista e taca o Tico-tico no fubá.  Ouvimos o barulho do motor de um avião e corremos lá fora para ver.  Ele distribui manifestos pela cidade, enquanto o povo mineiro entusiasma-se dando vivas aos paulistas.  Mamãe nos leva para casa, o tiroteio começa, alguma bala desgarrada pode nos atingir.  O avião, cada vez mais alto, sai do campo de ação.  Depois desaparece.

Os boatos fervem o dia todo.  O ex-presidente Wenceslau Braz quer a adesão de Minas à causa paulista.  Os paulistas estão de tal forma empolgados, que venderam todo o ouro que tinham para comprar armas.   Em troca receberam um anel de aço onde está escrito: “Dei ouro para o bem de São Paulo”.  Nossa casa atrai visitantes, políticos, militares, civis.  Muitos, principalmente os políticos, estão empenhados em obter do papai, comandante do 4º B/E, a adesão a São Paulo.  Se isso acontecer, naturalmente os outros estados também hão de aderir.  A meu pai repugna trair o chefe da nação.  A oficialidade se reúne no QG das forças legalistas.  Góis Monteiro, Eurico Dutra, Trompowsky, Horta Barbosa.  Decidem com meu pai permanecer fiéis ao governo de Getúlio Vargas.  O desfecho desagrada ao povo mineiro.  Wenceslau Braz se empenha e consegue a transferência do oficial da arma de Engenharia, Miguel Salazar Mendes de Moraes, de Itajubá para o Rio de Janeiro.

Autora: Ivna Thaumaturgo [ Ivna Thaumaturgo Mendes de Moraes Duvivier]. Nascida em 1915, neta do marechal Gregório Thaumaturgo de Azevedo, primeiro chefe de uma comissão mista Brasil-Bolívia encarregada de demarcar a fronteira entre esses países e neta, por parte de pai, do general Feliciano Mendes de Moraes. A família era toda de militares sendo Ivna filha do futuro marechal Miguel Salazar Mendes de Moraes.

Em: A família de guizos: história e memória, de Ivna Thaumaturgo, Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1997





Uma lembrança de 1932: Dra. Carlota Pereira de Queiroz

9 07 2009

1 Carlota de Queiroz32sp146Dra. Carlota Pereira de Queiroz

 

Comemorando Revolução Constitucionalista de 1932, nada mais natural do que trazer à lembrança a Dra. Carlota Pereira de Queiroz, primeira deputada federal do Brasil, eleita por São Paulo em 1933.    Sua projeção na política paulista surgiu durante a Revolução Constitucionalista de 1932.  Ela organizou um grupo de 700 mulheres e junto com a Cruz Vermelha deu assistência aos feridos nesta guerra civil.    Esse trabalho serviu de semente para uma vida pública, com deputada federal.   

carlota de queiroz

 

Carlota Pereira de Queiroz nasceu em 13 de fevereiro de 1892, em São Paulo.  Veio de uma família abastada de fazendeiros pelo lado do pai e de uma família de políticos do lado da mãe.   Mas não foi a importância de qualquer uma das famílias que mais a caracterizou.  Foi simplesmente o fato de ser uma mulher moderna e que não aceitava as limitações comumente impostas pela sociedade.  Formou-se pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (1926), com a tese ” Estudos sobre o Câncer“. Interna da terceira cadeira de Clínica Médica da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e chefe do Laboratório de Clínica Pediátrica (1928), como assistente do professor Pinheiro Cintra. Foi comissionada pelo governo de São Paulo em 1929 para estudar Dietética Infantil em centros médicos da Europa.  Sempre exerceu sua profissão.

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Dra.  Carlota Pereira de Queiroz, na Câmara dos Deputados, 1934.

 

Além disso, esta médica fez história no Brasil porque foi a primeira mulher a ser deputada. Nas eleições de 3 de maio de 1933, pela primeira vez em nossa história uma mulher foi eleita para uma cadeira na Câmara dos Deputados. Como parlamentar elaborou o primeiro projeto sobre a criação de serviços sociais no país. Em 1934, elegeu-se novamente, mandato que exerceu até o Golpe de Getúlio Vargas que fechou o Congresso Nacional, em novembro de 1937.   Eleita membro da Academia Nacional de Medicina em 1942, fundou, oito anos depois, a Academia Brasileira de Mulheres Médicas, da qual foi presidente durante alguns anos. Dra. Carlota Pereira de Queiroz faleceu em 17 de abril de 1982.





5 livros do romantismo III: Inocência

3 06 2009

joana liberal cunha, josé ferraz de almeida jr, 1892, ost pinacoteca est sp

D. Joana Liberal Cunha, 1892

José Ferraz de Almeida Júnior ( Brasil 1850-1899)

óleo sobre tela

Pinacoteca do Estado de São Paulo

Como postei no dia 3 de maio estou elaborando sobre as excelentes informações do ProfessoVanderlei Vicente  sobre os 5 livros do romantismo necessários para o vestibular, publicado no Portal Terra.  Meu objetivo é ajudar aqueles que precisam destas leituras não só a entenderem  um pouquinho mais do romantismo no Brasil, mas conseguirem se lembrar de alguns detalhes das obras mencionadas. e leitura essencial para quem está para fazer o vestibular.  O artigo original estará sempre em itálico azul.

Inocência (1872), de Visconde de Taunay – “Uma das mais exploradas temáticas do Romantismo é a do amor proibido. Essa é a tônica do romance Inocência, que explora a paixão entre os personagens Cirino, um falso médico que atendia no interior do Brasil; e Inocência, jovem prometida por seu pai a um morador da região, Manecão Doca. Num desfecho trágico, a morte de Cirino impede a consagração do amor e, provavelmente, serve como motivador para a morte da melancólica Inocência”.

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Inocência foi o segundo  romance publicado por Alfredo d’Escragnolle Taunay em 1872 e o terceiro livro.  Antes, ele havia publicado em francês, La Retraite de Lagune, em 1871, que foi mais tarde traduzido para o português por Salvador Mendonça em 1874.  A Retirada da Laguna: ocorrida entre 08 de Maio e 11 de Junho de 1867, durante a Guerra do Paraguai, teve início na fazenda Laguna, no Paraguai, e percorreu uma vasta área compreendida pelos actuais municípios de Bela Vista, Antônio João, Guia Lopes e Nioaque, no território do atual Estado do Mato Grosso do Sul.   Esta “reportagem” histórica por si só já teria garantido um lugar nas história das letras brasileiras ao futuro Visconde de Taunay, não tivesse ele outros e muitos atributos com os quais enriqueceu o panorama intelectual do Brasil.    O romance A Mocidade de Trajano, havia sido publicado em 1871, sob o pseudônimo Sílvio Dinarte, um de muitos pseudônimos que usou durante sua carreira literária.

O romance Inocência é justamente localizado no interior do Brasil, em região conhecida por Taunay nas suas  perambulações como engenheiro militar e oficial do exército na Campanha do Paraguai.  É uma história que se desentola na confluência dos Estados de Mato Grosso, Minas Gerais, Goiás e São Paulo.

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Mapa do Estado do Mato Grosso do Sul.  Em vermelho a localização do atual munícipio de Inocência, que se diz localizado exatamente onde o romance do Visconde de Taunay se desenrola.

Abre-se com esse romance a literatura regionalista, também explorada por outros autores românticos, mas nunca com a riqueza e o detalhe lingüístico encontrados aqui.

A fascinação lingüística que permeou a vida intelectual de Taunay demonstra não só grande cultura literária mas principalmente sua grande contribuição às nossas letras, focando no tipo do sertanejo, com seus costumes, suas crendices, cultura, desconfiança e seu linguajar.    Foi de grande valia a atenção que Taunay deu a diferentes expressões regionais, ao linguajar do povo e até mesmo à invenção de novos termos, um pouco mais timidamente do que Guimarães Rosa, mas igualmente criterioso quanto ao “descobrir” de um novo  vocábulo com um significado bem específico.

tropeiros sertanejo a cavaloIlustração: Guilherme Valpeteris.

Também foi um grande observador da paisagem brasileira.  Provavelmente sua experiência artística — pois era um excelente pintor — muito lhe ajudou em transmitir, nas vívidas descrições das belezas locais, aquilo que via nas diversas regiões do país que visitou. Taunay escreveu sobre o que conhecera.  Aproveitou o interesse que tinha sobre a natureza para introduzir nesse romance a figura do cientista estrangeiro que vem ao Brasil à procura de fauna e flora exóticas.  O naturalista Meyer, alemão,  que serve de contraponto à cultura sertaneja de Pereira – pai de Inocência —  enquanto procura por borboletas exóticas ou desconhecidas dos livros de ciências europeus.  Sua presença no romance coloca em primeiro plano os opostos da vida rural e da vida urbana européia, sem nunca menosprezar os valores sertanejos.   Meyer acaba encontrando uma rara borboleta branca e a nomeia em homenagem a Inocência, jovem cuja beleza e pureza, o europeu aprecia.  Apesar de existirem algumas borboletas brancas na Mata Atlântica e outras nas densas  florestas brasileiras da região amazônica, a borboleta descrita e nomeada pelo naturalista alemão no romance Inocência é pura ficção.

Borboleta branca 2, caroline

Capítulo XXI

–  …………………

         Meyer, que estava sentado na soleira da porta com as compridas pernas encolhidas, ergueu-se precipitadamente  ao avistar Cirino e correu ao seu encontro.

        Trazia o coração no rosto, um coração cheio de alegria e triunfo.  

        — Oh! Sr. Doutor, exclamou todo risonho, venha ver uma preciosidade… uma descoberta… espécie nova… não há em parte alguma… Ouviu?  Coisa assim vale um tesouro… e fui eu que o descobri!… Nem sequer Juque me ajudou… pois estava deitado e dormindo… Não é verdade, Sr. Pereira?

        — Veja, murmurava o mineiro, que barulhada faz ele com o tal aniceto… Ao menos, se fosse um animal grande!

        — É uma espécie… nova… completamente nova!  Mas já tem nome… Batizei-a logo… Vou-lhe mostrar… Espere um instante…

        E entrando na sala, voltou sem demora com uma caixinha quadrada de folha-de-flandres, que trazia com toda reverência e cujo tampo abriu cuidadosamente.

        Da própria garganta saiu um grito de admiração, que Cirino acompanhou, embora com menos entusiasmo.

        Pregada em larga tábua de pita, via-se formosa e grande borboleta, com asas meio abertas, como que dispostas a tomar vôo.  

        Eram essas asas de maravilhoso colorido; as superiores do branco mais puro e  luzidio; as de baixo de um azul metálico de brilho vivíssimo.

        Dir-se-ia a combinação aprimorada dos dois mais belos lepidópteros das matas virgens do Rio de Janeiro, Laertes e Adônis, estes, azuis como cerúleo cantinho do céu, aqueles, alvinitentes como pétalas de magnólia recém-desabrochada.

        Era sem contestação lindíssimo espécime, verdadeiro capricho da esplêndida natureza daqueles paramos.  Também Meyer não tinha mão em si de contente.

        — Este inseto, prelecionou ele como se o ouvissem dois profissionais da matéria, pertence à falange das Helicônias.  Denominei-a logo, Papilo Innocentia, em honra à filha do Sr. Pereira, de quem tenho recebido tão bom tratamento.  Tributo todo o respeito ao grande sábio Linneu – e Meyer levou a mão ao chapéu – mas a sua classificação já está um pouco velha.  A classe é, pois, Diurna; a falange, Helicônia; o gênero, Papilio e a espécie, Innocentia, espécie minha e cuja glória ninguém mais me pode tirar…  Daqui vou hoje mesmo, oficiar ao secretário perpétuo da Sociedade Entomológica de Magdeburgo, participando-lhe fato tão importante para mim e para a sábia Germânia.

–  ………………

Inocência foi um romance que atingiu uma enorme popularidade.  Não só aqui, na sua terra natal.  Mas foi traduzidos para muitas línguas: francês, alemão, italiano, dinamarquês, sueco, polonês, espanhol e japonês.  Foi publicado na maioria dos países como folhetim , em leitura diária de jornais.  Taunay com esse romance atingiu um público universal que seguiu passo a passo a história de amor infeliz, a paisagem exótica, os costumes sertanejos.  Até os dias de hoje Inocência é considerado um dos mais belos romances brasileiros.

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Alfredo Maria Adriano d’Escragnolle Taunay, Visconde com grandeza de Taunay, (Rio de Janeiro, 22 de fevereiro de 1843 — Rio de Janeiro, 25 de janeiro de 1899), nasceu em uma família aristocrática de origem francesa no Rio de Janeiro. Foi professor, engenheiro militar e político, historiador, pintor e romancista. Freqüentou o Colégio Pedro II onde se bacharelou em Letras, em 1858, aos 15 anos de idade.  Logo depois estudou Física e Matemática na Escola Militar, no Rio de Janeiro, tornando-se bacharel em Matemática e Ciências Naturais em 1863.   Em 1862, iniciou o curso de engenharia militar.   Combateu na Guerra do Paraguai como engenheiro militar, de 1864 a 1870. Após seu retorno ao Rio de Janeiro, lecionou no Colégio Militar e iniciou simultaneamente sua carreira como político do Segundo Império. Atingiu o posto de major em 1875. Foi eleito para a Câmara dos Deputados pela província de Goiás em 1872, cargo para o qual seria reeleito em 1875.   Foi presidente da província de Santa Catarina, nomeado em 26 de abril de 1876. Assumiu o cargo de 7 de junho de 1876 a 2 de janeiro de 1877, quando o passou ao vice-presidente Hermínio Francisco do Espírito Santo, que o concluiu em 3 de janeiro de 1877.  Retirou-se da vida política em 1878, inconformado com a queda do Partido Conservador, saindo do país para estudar na Europa, retornando em 1880. Em 1881 foi eleito deputado pelo estado de Santa Catarina, e em 1885 foi nomeado presidente da província do Paraná, exercendo o cargo de 29 de setembro de 1885 a 3 de maio de 1886. Em 1886 torna a ser deputado, novamente pela província de Santa Catarina. Foi feito Visconde de Taunay por D. Pedro II em 6 de setembro de 1889.

Concluiu o monumento aos heróis catarinenses da Guerra do Paraguai, que inaugurou em 1 de janeiro de 1877, no Largo do Palácio, atual Praça Quinze de Novembro.   Foi ainda Deputado Geral por Goiás, de 1876 a 1878, e também por Santa Catarina, de 1882 a 1884. Foi Senador por Santa Catarina, escolhido de uma lista tríplice pelo Imperador em 6 de setembro de 1886, sucedendo Jesuíno Lamego da Costa.

Taunay foi um autor prolífico, produzindo ficção, sociologia, música (compondo e tocando), história e outros assuntos mais. Na ficção é considerado pelos críticos o Inocência como seu melhor livro. Com a proclamação da república em 1889, Taunay deixou a política para sempre. Faleceu diabético no dia 25 de janeiro de 1899.

Obras:

A Campanha da Cordilheira, 1869

La Retraite de Laguna, 1871 (em francês, traduzido como “A retirada da Laguna”)

A Retirada da Laguna

Inocência, romance, 1872

Lágrimas do Coração: manuscrito de uma mulher, romance, 1873

Histórias brasileiras, 1874

Ouro sobre Azul, romance, 1875

Narrativas militares, 1878

Estudos críticos, 2 vols., 1881 e 1883

Céus e terras do Brasil, 1882

Amélia Smith, drama, 1886

No Declínio, romance, 1889

O Encilhamento, romance, 1894

Reminiscências, memórias, 1908 (póstumo)

O romance Inocência encontra-se em domínio público.  Para acessá-lo clique AQUI.





21 de abril, Dia de Tiradentes, pelos olhos de Tibicuera

20 04 2009

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Capa da 4ª edição: 1947

 

 

 

 

 

Continuamos aqui com a narrativa sobre Tiradentes e sua morte, pelos olhos de Tibicuera.

 

 

41

 

A cabeça na ponta do poste

 

 

Um tal Joaquim Silvério dos Reis, coronel dos dragões, tinha denunciado os conspiradores.

 

Para encurtar o caso:  Cláudio Manoel da Costa enforcou-se na prisão.  O poeta Gonzaga foi mandado para a África, para bem longe da Marília dos seus sonhos.  Muitos tiveram a  mesma sorte.  Outros foram condenados à morte.

 

Chegaram-nos notícias de Tiradentes.  Submetido a interrogatórios repetidos, ele insistia em negar a culpabilidade dos amigos.  Dizia-se o único responsável por tudo: o animador, o chefe e principal culpado da tentativa de revolta.

 

A pena de morte dos outros foi comutada.  Mas Tiradentes foi levado à forca.  Eu não quis assistir ao seu martírio.  Sei que ele manteve a coragem e a fé até o fim.  Não fraquejou.  Foi levado para o patíbulo num cortejo assustador.  Devia impressionar naquela bata branca que ia ser sua mortalha.  Levava na mão um crucifixo preto, para o qual ele olhou o todo o tempo, murmurando preces.

 

Quando me disseram que o corpo de Tiradentes fora esquartejado, sendo sua cabela espetada na ponta de um poste  — estremeci de raiva e cheguei a chorar de sentimento.  E não sei se por influência dos versos de Gonzaga, começou a dansar em minha cabeça esta frase: “Aquela cabeça na ponta do poste é uma bandeira, a bandeira da nossa liberdade.”

 

Foi assim que terminou a aventura da “Inconfidência Mineira”.  Foi assim que perdi o meu amigo José Joaquim da Silva Xavier, o Tiradentes.  

 

 

 

 

Em: As aventuras de Tibicuera: que são também as aventuras o Brasil, Érico Veríssimo, Porto Alegre, Livraria do Globo: 1947, 4ª edição., ilustrado por Ernst Zeuner.





Prece a Xavier, o Tiradentes — poema de Murilo Araújo pelo 21 de abril

20 04 2009

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Julgamento da Inconfidência, 1921

Eduardo de  Sá ( RJ, 1866 – RJ, 1940)

Óleo sobre tela

Museu Histórico Nacional

 

 

 

 

 

 

 

Prece a Xavier,  o Tiradentes

 

                                               Murilo Araújo

 

 

 

Marchaste, sem tremer, na alva dos condenados.

 

 

Ela voava ao vento,

alva como tua alma.

E galgaste os degraus da tortura

descalço.

 

 

Mas que enormes degraus!  Iam a tal altura

que por eles, chegaste ao céu, ao sol, a Deus,

subindo ao cadafalso.

 

 

Alferes Xavier – é inesperada e estranha

a Luz Providencial!

Envolve num fracasso a maior das vitórias;

faz perder quem mais ganha;

e arroja à morte –

à morte –

o justo que elegeu para ser imortal.

 

 

E assim a insurreição sagrada

que te santificou –

tu, que eras o menor,  foste o maior na glória;

tua lenda dourada

mais do que todas na memória se elevou.

 

 

Tinham todos bons títulos de efeito

os teus irmãos na grande Inconfidência.

 

Tu que não eras doutor, ó guarda do Direito;

não eras sacerdote, ó  mártir da consciência;

nem comandaste – herói – como Freire de Andrade,

um terço de dragões…

Tinhas no cofre da alma a pureza e a verdade

e essa indomável vocação da liberdade

mais poderosa que togas e legiões.

 

 

Ah!  As multidões da terra

exaltam todas, como gênios tutelares,

grandes falcões de guerra

de cujas garras brota o raio e a morte desce…

Mas, ando do Brasil, — tu mereces altares,

porque, invés de matar, foste morrer estóico

por um destino que hoje em luzes resplandece!

 

 

Inabalável, foste a Fé que, decidida,

serenamente,  voluntária, se imolou.

Com a própria vida deste à Pátria vida;

e a oferenda de sangue trouxe ao povo

um prêmio que do Céu, que de Deus lhe alcançou.

 

 

Vinda a hora funesta,

Deus quis que os opressores

cercassem tua morte em rumores de festa,

levassem teu cortejo ao rufo de tambores

e ao grito  do clarim,

e adornassem a rua e as fachadas com flores,

contentes os senhores,

pois morrias enfim…

 

 

Mas  — que pura ironia a desse instante! –

glorificaram, sem saber, a redenção…

porque, com tua morte triunfante,

surgiu formada e indestrutível

a Nação!

 

 

Alferes Xavier, entre os teus, meu patrício,

tu que eras o menor,

cresceste tanto na coragem e sacrifício,

que deixaste no pó todos em derredor.

 

 

Onde estão hoje tantos juízes e fidalgos?

Onde os soldados?  Os esbirros da tortura?

Onde esses nobres de brasão e de arcabuz?

 

 

Ah!  Pisavam tão forte … e pisaram em falso!

Mas na tua hora escura,

subindo, humílimo, os degraus do cadafalso,

Alferes Xavier, chegaste à grande Luz.  

 

 

 

 

Encontrado em:

 

O candelabro eterno: aos moços – este álbum dos avós que criaram o Brasil, publicado pela primeira vez em 1955, parte da  Poemas Completos de Murillo Araújo [Murilo Araújo], 3 volumes, Rio de Janeiro, Irmãos Pongetti:1960

 

 

 

Murilo Araújo – ou Murillo Araújo — (MG 1894 – RJ 1980) jornalista, formado em direito.  Poeta, escritor, teatrólogo, ensaísta.

 

 

 

Obras:

 

Carrilhões (1917) 

A galera (escrito em 1915, mas publicado anos depois)

Árias de muito longe (1921)

A cidade de ouro (1927)

A iluminação da vida (1927)

A estrela azul (1940)

As sete cores do céu (1941)

A escadaria acesa (1941)

O palhacinho quebrado (1952)

A luz perdida (1952)

O candelabro eterno (1955)

 

 

Prosa:

A arte do poeta (1944)

Ontem, ao luar (19510 — uma biografia do compositor Catulo da Paixão Cearense

Aconteceu em nossa terra (pequenos casos de grandes homens)

Quadrantes do Modernismo Brasileiro (1958)

 

 

———————-

 

 

Eduardo de Sá (Rio de Janeiro RJ 1866 – idem 1940). Escultor, pintor e restaurador. Frequenta aulas particulares de escultura com Rodolfo Bernardelli e estuda na Academia Imperial de Belas Artes – Aiba, entre 1883 e 1886, com Victor Meirelles, Zeferino da Costa, José Maria de Medeiros e Pedro Américo. Em 1888, em Paris, estuda na Académie Julian, onde foi aluno de Gustave Boulanger e de Jules Joseph Lefebvre. Um de seus trabalhos mais conhecidos é o restauro do escudo do teto da entrada da capela da Santa Casa de Misericórdia, no Rio de Janeiro.

 

 

 

 

Outros poemas de Murillo Araújo (Murilo Araújo neste blog):

 

Dois tesouros na pátria

Romance dos Dois Pedros

Dia de festa

Com as estrelas natais





Tibicuera acompanha Tiradentes!

19 04 2009

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Tibicuera, 1937

Ernst Zeuner, (1895-1967)

Ilustração: As aventuras de Tibicuera

 

 

 

 

 

Neste Dia do Índio, tão próximo do Dia de Tiradentes, nada melhor do que nos lembramos do mártir da independência através dos olhos de Tibicuera.  Para quem não sabe quem é Tibicuera, posso adiantar que ele é um indiozinho, criação do grande escritor gaúcho, Érico Veríssimo.  Tibicuera nasceu no século XV e presenciou a chegada dos portugueses.  Como seu amigo Pajé lhe ensinou um segredo, Tibicuera viveu muito tempo, sendo capaz de acompanhar a história do Brasil de seu descobrimento até 1940.   Assim, foi testemunha grande parte da nossa história.  

 

Aqui está o que ele testemunhou da Inconfidência Mineira.

 

 

 

 

40

 

A CONSPIRAÇÃO

 

 Uma noite os conspiradores se reuniram na casa de Tiradentes.  Tive o prazer de lhes fazer um bom café.  Enquanto eles discutiam, fiquei junto da porta, indo de quando em quando passear pelo corredor e espiar pela fresta da janela, a ver se se aproximava algum vulto suspeito.

 

As pessoas que lá estavam eram Joaquim José da Silva Xavier, o meu querido chefe; Alvarenga Peixoto, o tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, José Álvares Maciel, o padre Carlos Correa de Toledo e Melo, o coronel Domingos de Abreu…  e não me lembro mais de nenhum outro nome.

 

O plano era simples.  Quando o governo fizesse a cobrança dos impostos – a “derrama” – explodiria o movimento.  A senha era esta:  Hoje faço o meu batizado.

 

O povo se revoltava, conseguia a adesão dos dragões, que seriam influenciados por Tiradentes e pelo seu comandante Paula Freire de Andrada.  Prenderiam as autoridades portuguesas.  Libertariam os escravos.  Instalariam muitas fábricas importantes – todas as fábricas que um decreto recente de Portugal proibira de funcionar no Brasil. E a nova nação teria uma bandeira com este dístico: Libertas quæ sera tamen. Quando os incofidentes falaram nisto, não gostei.  Eu não entendia.  Fiquei sabendo depois que era uma frase latina do poeta Virgílio.  Queria dizer: Liberdade, ainda que tarde.

 

O padre Toledo junto com Alvarenga Peixoto conseguiu convencer o desembargador Tomás Antônio Gonzaga e o dr. Cláudio Manuel da Costa a aderirem ao movimento.  Gonzaga era poeta.  Estava apaixonado por uma moça, Dorotéia.  Fazia versos em que lhe dava o nome de Marília.  Sempre impliquei com este costume que os poetas têm de não darem o  nome verdadeiro às coisas.  Mas eu gostava de Gonzaga, que era um homem melancólico de ar sonhador.  Muita vez levei recados seus à noiva.  Foi um romance bonito mas que não teve aquele final dos romances antigos: Casaram-se e foram muito felizes.

 

A idéia marchava.  Tiradentes resolveu ir até o Rio a serviço da revolução. Acompanhei-o montado num burro emprestado.  Foi uma viagem dura.  Chegamos à capital do Brasil e uma tarde percebi que estávamos sendo seguidos.  Disse de minhas desconfianças a Tiradentes.  Ele sorriu e troçou:

 

— Tibicuera está vendo fantasmas…

 

Mas eu sentia a nosso redor a sombra de espiões.  Passei a andar inquieto e de olho alerta.

 

Tiradentes parava na casa de um amigo na rua dos Latoeiros, que hoje se chama Gonçalves Dias.  Um dia ouvimos barulho de passos na rua.  Devia ser uma patrulha, a julgar pela cadência das batidas no calçamento.  O dono da casa foi à janela e empalideceu.  Voltou-se para o hóspede e não teve voz para lhe dizer que a casa estava cercada.  Tiradentes compreendeu tudo num relance.  Gritou:

 

— Foge, Tibicuera!

 

E precipitou-se para a porta dos fundos.  Era tarde.  Prenderam-no cinco soldados.  Mais dois caminhavam para mim.  Dei um salto de tigre e desandei a correr pelo corredor…  Derrubei o primeiro homem que encontrei pela frente.  Escalei-o com a agilidade de um … de um homem perseguido.  Poucos segundos depois eu entrava na varanda de uma casa desconhecida onde duas mulheres se puseram a gritar.   Ganhei o pátio dessa casa, saltei por cima de novo muro e me vi noutra rua.   Comecei a andar com naturalidade.  Caminhei durante meia hora.  Estava fora de perigo.  Mas um pensamento tomara conta de mim:  Era preciso avisar os inconfidentes de Vila Rica.  Com as economias que tinha comprei um burro e me pus a caminho.  Quando, dias depois, cheguei a Vila Rica foi para saber que todos os inconfidentes estavam presos.  

 

 

 

 

Ernst Zeuner (1895 — 1967) foi um pintor, desenhista e ilustrador alemão, radicado no Brasil.  Zeuner estudou na Academia de Artes Gráficas de Leipzig e veio para o Brasil em 1922, mais especificamente, para Porto Alegre, onde realizou um trabalho de orientação e formação de muitos artistas gráficos gaúchos. Notabilizou-se pela contribuição dada à Revista do Globo, onde atuou como ilustrador.

 

 

Para outro trabalho de Ernst Zeuner, clique abaixo:

 

Imigrantes





Tarefa no Dia do Índio: Ler Santa Rita Durão

18 04 2009

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Jovem índia, sd

Elón Brasil (Niterói, RJ, 1957)

Técnica mista

Foto de uma exposição na França

 

 

 

 

 

Quem já se preparou para um exame de vestibular em letras no Brasil deve se lembrar que uma das leituras obrigatórias, ou melhor, uma das leituras que podem ser discutidas nessas provas é o poema-livro de Santa Rita Durão:  Caramuru.  Publicado em 1781, é considerado a primeira criação literária de um brasileiro com tema indígena.  E apesar de ser uma obra enquadrada nas linhas do neoclassicismo, por sua temática é freqüentemente considerada como “ponte” para o romantismo,  apesar de ser também fortemente influenciado pelo poema-épico de Camões, Os Lusíadas.  Caramuru está em domínio público e foi do texto oferecido pela Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro – online – que copiei aqui, a passagem sobre a morte de Moema, que é sem sombra de dúvida, uma das mais belas horas da literatura brasileira.  Faz parte do CANTO VI.

 

 

 

XXXIV

 

Dizendo assim, com calma vê lutando

Formosa nau de Gálica bandeira,

Que a terra ao parecer vinha buscando,

E a proa mete sobre a própria esteira:

Vem seguindo a canoa, e sinais dando,

Até que aborda a embarcação veleira;

E de paz dando a mostra conhecida,

As praias de Bahia a nau convida.

 

XXXV

 

A Gupeva entretanto, e Taparica

Dava o último abraço, e à forte Esposa

A intenção de levá-la significa,

A ver de Europa a Região famosa:

Suspensa entre alvoroço, e pena fica

Paraguaçu contente, mas saudosa;

E quando o pranto na sentida fuga

Começava a saudade, amor lho enxuga.

 

 

XXXVI

 

 

É fama então que a multidão formosa

Das Damas, que Diogo pretendiam,

Vendo avançar-se a nau na via undosa,

E que a esperança de o alcançar perdiam:

Entre as ondas com ânsia furiosa

Nadando o Esposo pelo mar seguiam,

E nem tanta água que flutua vaga

O ardor que o peito tem, banhando apaga.

 

 

XXXVII

 

 

Copiosa multidão da nau Francesa

Corre a ver o espetáculo assombrada;

E ignorando a ocasião da estranha empresa,

Pasma da turba feminil, que nada:

Uma, que às mais precede em gentileza,

Não vinha menos bela, do que irada:

Era Moema, que de inveja geme,

E já vizinha à nau se apega ao leme.

 

 

XXXVIII

 

 

Bárbaro (a bela diz) Tigre, e não homem…

Porém o Tigre por cruel que brame,

Acha forças amor, que enfim o domem;

Só a ti não domou, por mais que eu te ame:

Fúrias, raios, coriscos, que o ar consomem,

Como não consumis aquele infame?

Mas pagar tanto amor com tédio, e asco…

Ah que o corisco és tu… raio… penhasco.

 

 

XXXIX

 

 

Bem puderas, cruel, ter sido esquivo,

Quando eu a fé rendia ao teu engano;

Nem me ofenderas a escutar-me altivo,

Que é favor, dado a tempo, um desengano:

Porém deixando o coração cativo

Com fazer-te a meus rogos sempre humano,

Fugiste-me, traidor, e desta sorte

Paga meu fino amor tão crua morte?

 

XL

 

Tão dura ingratidão menos sentira,

E esse fado cruel doce me fora,

Se a meu despeito triunfar não vira

Essa indigna, essa infame, essa traidora:

Por serva, por escrava te seguira,

Se não temera de chamar Senhora

A vil Paraguaçu, que sem que o creia,

Sobre ser-me inferior, é néscia, e feia.

 

 

 

XLI

Enfim, tens coração de ver-me aflita,

Flutuar moribunda entre estas ondas;

Nem o passado amor teu peito incita

A um ai somente, com que aos meus respondas:

Bárbaro, se esta fé teu peito irrita,

(Disse, vendo-o fugir) ah não te escondas;

Dispara sobre mim teu cruel raio…

E indo a dizer o mais, cai num desmaio.

 

 

 

XLII

 

Perde o lume dos olhos, pasma, e treme,

Pálida a cor, o aspecto moribundo,

Com mão já sem vigor, soltando o leme,

Entre as falsas escumas desce ao fundo:

Mas na onda do mar, que irado freme,

Tornando a aparecer desde o profundo;

Ah Diogo cruel! disse com mágoa,

E sem mais vista ser, sorveu-se n’água.

 

 

XLIII

 

 

Choraram da Bahia as Ninfas belas,

Que nadando a Moema acompanhavam;

E vendo que sem dor navegam delas,

À branca praia com furor tornavam:

Nem pode o claro Herói sem pena vê-las,

Com tantas provas, que de amor lhe davam;

Nem mais lhe lembra o nome de Moema,

Sem que ou amante a chore, ou grato gema.

 

 

MINSTÉRIO DA CULTURA

Fundação Biblioteca Nacional

Departamento Nacional do Livro

CARAMURU: POEMA ÉPICO

Santa Rita Durão

 

 

 

 

 

Frei José de Santa Rita Durão, poeta brasileiro da fase neoclássica (Cata Preta, MG, 1720 – Lisboa, Portugal, 1784). Escreveu o poema épico Caramuru (1781), primeira obra literária a usar como tema o índio brasileiro, suas lendas e seus costumes, e heróis nacionais. Nascido no Brasil, Durão partiu para a Europa em 1731, radicando-se em Portugal, onde teve marcante participação política. Foi um grande orador.

 





Dia do Índio: o amor de Moema

18 04 2009

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Moema, 1866

Victor Meirelles (Brasil, SC 1832- RJ 1903)

Óleo sobre tela, 129 x 199 cm

MASP – Museu de Arte de São Paulo

 

 

 

 

 

Entre as muitas histórias brasileiras, verdadeiras ou não, em que índios têm um papel importante, como guerreiros, aliados, conhecedores da mata, personagens de literatura, há grandes histórias de amor.  Dentre elas, uma em particular se firmou na nossa paisagem cultural: Moema. 

 

 

Aqui está a história de Moema mais detalhada que encontrei.  É parte da descrição de Arilda Ines Miranda Ribeiro, para sua tese de mestrado, intitulada: Mulheres educação no Brasil Colônia: histórias entrecruzadas.

 

 

 

No Brasil, no início da colonização dos portugueses, vivia na Bahia, na cidade que seria chamada mais tarde de São Salvador, Diogo Álvares Correa. Ele era um “galaico-minhoto” (região da Galícia), que naufragou nas águas do mar tenebroso, próximo à Bahia de Todos os Santos, nos baixos de Maiririquiig (Maraquita). Salvou-se matando dois pássaros com um arcabuze, sendo reverenciado pelos indígenas como amássununga, que quer dizer entre outros: O Trovão, Caramuru, a grande moréia, o dragão que surgiu do mar, homem de fogo. 

 

Foi assim que em 1509 Diogo Álvares Correia, o Caramuru tornou-se uma grande liderança entre os tupinambás, e como presente do cacique, podia se deitar com as mais belas mulheres. Dentre elas, escolheu Moema, concebendo os primeiros mestiços, que seriam mais tarde denominados de “Brasileiros”. Alvares Correira transformou-se em um grande negociante de pau-de-tinta, talvez o primeiro comerciante brasileiro. Comercializava com os franceses, porque Portugal abandonara o Brasil, nessa época, tendo olhos apenas para o comércio africano. O forasteiro passava muitas horas com Moema e também se afeiçoou a ela. Aprendeu-lhe a fala, o dialeto tupi, e confidenciou-lhe os segredos do seu mundo, um lugar chamado Portugal. Dizia “Na terra de onde vim, em última partida da localidade de Lisboa, não há aldeias e sim cidades com muitas casas feitas de tijolos e pedras, com portas e janelas, trancas de ferro e outros objetos, inclusive um tipo de tocha que clareia as noites. “O local se chama Viana do Castelo e sou uma pessoa distinta e de destaque na cidade, assim com são aqui na Aldeia os guerreiros Piatã e Itapuã.”

 

Dessa forma, aos poucos, Diogo, entre beijos ardentes, muito amor, ensinou Moema, sua língua estrangeira. Diogo era muito paciente com Moema e contou-lhe toda a sua história de sua vida.

 

Tendo demorado a aprender o tupi, a decifrar os códigos da linguagem tupinambá, ele despendeu longos períodos para explicar-lhe como e quando ocorrera o seu nascimento em Viana do Castelo, como se processara sua formação cultural desde pequeno, suas idas e vindas aos colégios e como aprendera a ler e escrever pois, em sua terra, havia tinta e papel para elaborar documentos e livros. Moema foi aprendendo com Caramuru.

 

Moema ficava encantada com as palavras de Diogo, principalmente com a “cidade”. Como seria isso?

 

O amor entre o vienense a indígena ia muito bem. Entretanto, um dia a história mudou. Diogo, que ajudava a proteger os seus indígenas amigos de outros mais ferozes, foi chamado às pressas para auxiliar o Cacique Taparica da guerra com outros indígenas. Com seus arcabuzes e sua astúcia bélica, saíram-se vencedores.

 

A noite, para comemorar, o cacique dessa tribo, chamado Taparica, fez-lhe um festa na Aldeia e lá pelas tantas, apresentou ao Caramuru a sua filha mais bonita, a linda Paraguaçu. Ela lhe disse: “Meu nome é Quaydim-Paraguaçu” e ele embasbacado: “Sou Diogo Álvares Correia”.

 

Os dois ficaram enebriados e imediatamente se casaram dentro da tribo. Depois da Lua de Mel, Caramuru voltou à aldeia de Piatã e levou consigo Paraguaçu, consciente de haver encontrado a mulher dos seus sonhos nas terras dos brasilíndios.

 

Quando chegou a aldeia, Moema, sua primeira grande companheira, viu a nativa bela e ficou muito triste. Percebeu que tinha perdido o seu amado. Diogo então, não deu a menor atenção a Moema e nem as suas amantes. Só tinha olhos para Paraguaçu.

 

Diogo e Paraguaçu fizeram amor a noite toda e no dia seguinte ele anunciou que daquele dia em diante ela seria a única mulher da vida dele, consciente dos muitos “pecados” que havia cometido com outras tupinambás.O tempo foi passando, e Paraguaçu foi conhecendo as outras mulheres da tribo, de linhagem mais nobre, ente elas Indaiá e Inaciara. Fez muitas amizades.

 

Moema ainda tinha esperanças de recuperar o amado. Certo dia foi em uma pajelança e o xamã assegurou-lhe que a alma de Paraguaçu seria levada para o mundo do Bem, e se distanciaria do português.

 

Diogo resolveu levar Paraguaçu para a Europa, em 1528, para conhecer seus costumes. Seguiram viagem no navio de um francês, Jacques Cartier, amigo de Diogo e que lhe recomendou que não tivesse mais do que uma mulher. Esse navio foi pilotado por Pierre Du Plesis de Savoières.

 

No momento em que o navio partiu rumo ao oceano, Moema, sem dizer nada, lançou-se desesperada na água e nadou com fortes braçadas perseguindo a embarcação, gritando o nome de Caramuru, até que as velas sumissem no horizonte. O mesmo aconteceu com a tupinambá, que seguiu seu destino para o fundo do mar, morrendo por amor.

 

 

 

 

 

Victor Meirelles de Lima, nasceu em Nossa Senhora do Desterro, hoje Florianópolis, em 18 de agosto de 1832, um menino pobre, filho de imigrantes portugueses, que ainda na infância ocupava seu tempo desenhando bonecos e paisagens.  Foi estimulado por seus pais.  Aos quatorze anos ele ganhava uma bolsa para frequentar a Academia Imperial de Belas Artes, no Rio de Janeiro, e aos vinte anos, com a tela “São João Batista no Cárcere” , 1852, conquistava o Prêmio Especial de Viagem à Europa. De volta ao Brasil foi agraciado com o título de Cavaleiro da Ordem da Rosa e nomeado professor de pintura da Academia.

 

A partir de então, seu nome se transformaria numa das maiores expressões das Artes Plásticas no Brasil, no século XIX.  Autor da mais conhecida das telas brasileiras – “A Primeira Missa no Brasil” – reproduzida em cadernos escolares, selos, cédulas monetárias, livros de arte, catálogos e revistas, Victor Meirelles deixou um extraordinário acervo, minuciosos esboços, estudos em papel e óleo sobre tela.  Faleceu no Rio de Janeiro a 22 de fevereiro de 1903.





Uma lenda de Araribóia

17 04 2009

indio

Índio, ilustração de Maurício de Sousa.

 

 

 

 

 

 

 

Lenda de Araribóia

 

 

Conta-se que, estando presente no Rio de Janeiro o governador Antônio Salema, o índio Araribóia foi visitá-lo.  Ofereceram-lhe, então, uma cadeira, e ele trançou as pernas como era seu costume.  Alguém lhe disse nessa ocasião, que sua atitude não era cortês, estando presente o governador.  O índio respondeu com altivez:

 

— Se tu soubesses como estão cansadas as minhas pernas das guerras em que servi ao Rei, não repararias neste pequeno descanso agora.  Mas já que achas que não tenho cortesia, vou para a minha aldeia, onde não cuidamos dessas coisas.

 

 

 

Em: Vamos estudar?  Theobaldo Miranda Santos, 3ª série primária, [edição especial para o estado do Rio de Janeiro]  RJ, editora Agir: 1957

 

 

 

 

 

Antônio Salema  (Alcacer do Sal, Portugal)  Jurista, formado pela Universidade de Coimbra, nomeado professor em 14 de dezembro de 1565 para a missão no Brasil, Antonio de Salema recebeu a autoridade de Desembargador da Casa de Suplicação por Carta Régia de 2 de março de 1570.

Sua missão no Brasil, inicialmente seria a de jurista/juiz e não capitão ou governador.  Saiu de Lisboa em 6 de junho de 1570, junto com Dom Luís de Vasconcelos; sua frota foi atacada pelos franceses Jacques Sória e Capdeville, causando à morte do Governador nomeado (Dom Luís de Vasconcelos) e de 40 jesuítas que o acompanhavam; a morte do governador antes de chegar no Brasil, levou Antonio de Salema a ser nomeado mais tarde Governador das Terras do Sul. Salema conseguiu chegar a Bahia e desempenhou seu cargo entre 1571 e 1573, sendo então nomeado Governador das Terras do Sul em 1572. Em janeiro de 1574 seguiu para o Rio de Janeiro.  





Pelo Dia do Índio: Araribóia

17 04 2009

arariboia

Araribóia, 1965

Dante Croce (Niterói 1937)

Praça Martim Afonso, Niterói

Estado do Rio de Janeiro

 

 

 

 

 

 

Arariboia ou Ararigbóia (em tupi, “cobra feroz” ou “cobra da tempestade”) foi cacique da tribo dos Temiminós, do grupo indígena Tupi, em meados do século XVI.  Nesta época os franceses, com o apoio dos índios Tamoios, tomaram o controle da Guanabara, na então Capitania do Rio de Janeiro, em 1555.  Índio corajoso e leal, Araribóia muito ajudou os portugueses na luta contra os franceses.  Praticou muitos atos de heroísmo.  Entre eles conta-se que atravessou a nado uma grande extensão de águas na baía de Guanabara para liderar o assalto ao Forte Coligny e incendiar o depósito de pólvora da fortaleza que os franceses ali haviam construído em 1556 logo em seguida à tomada da ilha na baía de Guanabara.  Com o auxílio de Araribóia os portugueses conseguiram vencer decididamente a luta contra os invasores liderados por Nicolau Durand de Villegainon.  Villegainon havia se associado aos índios Tamoios que lhe deram apoio de 70 mil homens.   

 

 

 

 Mas os Tamoios eram há tempos inimigos dos Temiminós.  Este aspecto em muito facilitou o fervor da luta dos dois lados e a associação dos portugueses com Araribóia, que fortaleceu o lado português com  oito mil homens, indígenas conhecedores do território e inimigos dos Tamoios, foi de grande valia para o desfecho da luta. 

 

Os serviços prestados por Araribóia foram tão preciosos para Portugal que, em recompensa, o rei lhe concedeu o título de comendador da Ordem de Cristo e lhe ofereceu uma extensa porção de terra que incluia a  Praia Grande, na baía de Guanabara.  O chefe índio foi residir com sua gente nas terras que lhe foram doadas, instalando-se na encosta do morro São Lourenço, em 22 de novembro de 1573.    Convertido ao catolicismo pelos Jesuitas, Arariboia escolheu o nome de batismo de  Martim Afonso, em homenagem a Martim Afonso de Sousa.   Como recompensa pelos seus feitos, Arariboia recebeu também da Coroa Portuguesa a sesmaria de Niterói (em língua tupi, “água escondida”).   

 

 

 

 

 

ilha-do-gato-terra-dos-temiminos-mapa-rj-de-joao-teixeira-albernaz-1624 

Ilha do Gato

Terra dos Temiminós

Mapa da baía da Guanabara

João Teixeira Albernaz, 1624

 

 

 

 

 

O arraial de Praia Grande, fundado por Araribóia, desenvolveu-se rapidamente.  Em 10 de maio de 1819 foi elevado a vila.  Em 1834 foi a vila real da Praia Grande escolhida para servir de sede à assembléia legislativa provincial, tornando-se então capital da provincia do Rio de Janeiro, em 1835.  No ano seguinte foi-lhe conferido o título de cidade com o nome de Niterói. 

 

 

 

Curiosamente, Arariboia morreu afogado nas proximidades da ilha de Mocanguê-mirim, ainda em 1574.

 

 

 

É considerado o fundador da cidade de Niterói, e uma estátua sua pode ser vista no centro da cidade, fronteira à estação das barcas, com os olhos voltados para a baía de Guanabara e a cidade do Niterói sob sua proteção.