O escritor — José Eduardo Agualusa

22 06 2015

 

 

Stanislaw Debicki (Polônia, 1866-1924)

Retrato de leitora de jornal, c. 1900

Stanislaw Debicki (Polônia, 1866-1924)

Lwowska Galeria Obrazów , Varsóvia

 

 

“Escrever é, na essência, mudar de pele. Um escritor tem de se conseguir colocar, o tempo todo, na pele dos outros.”

 

José Eduardo Agualusa

 

Em: “O embrulho da alma”, José Eduardo Agualusa, O Globo, 22/06/2015, 2º caderno, página 2.





Sobre cartas

18 05 2015

 

Teacher. Yuri Belov (Russia, 1929)A professora

Yuri Belov (Rússia, 1929)

 

 

“Uma carta implica dedicação. Quem escreve uma carta suspende a vertigem do tempo para refletir, para melhor sentir, para pensar no outro. Uma carta de amor é realmente uma carta de amor.”

 

José Eduardo Agualusa

 

Em: “A convulsa solidão dos nossos dias, José Eduardo Agualusa, O Globo, 18/05/2015, 2º caderno, página 2.





Escritores, o público e o marketing

11 05 2015

 

 

Ernest-Hemingway-001O escritor Ernest Hemingway.

 

Hemingway gostava de se fazer fotografar não só em tronco nu, mas em tronco nu e ao lado de mulheres bonitas. Teve muitas. Perdeu para o dramaturgo Arthur Miller, que sem nunca se ter deixado fotografar em tronco nu casou com Marilyn Monroe. Quer Hemingway quer Miller tiveram uma intensa vida mundana e sentimental, mas ficaram ambos atrás, mesmo muito atrás, de Truman Capote. Capote era tão frívolo que inclusive se vangloriava disso.

 

Essa citação vem de uma divertida coluna de José Eduardo Agualusa sobre o que esperamos dos nossos escritores.  Vale a pena os cinco minutos dedicados à leitura:

 

Escritores Pelados, José Eduardo Agualusa, O Globo, 11/05/2015, 2º caderno, página 2.  Clique AQUI





” A língua portuguesa”, José Eduardo Agualusa

31 03 2015

mb_1894_cam2A redenção de Cam, 1895

Modesto Brocos (Espanha/Brasil, 1852-1936)

óleo sobre tela, 199 x 166 cm

MNBA [Museu Nacional de Belas Artes], Rio de Janeiro

“A verdade é que ainda persiste em Portugal uma certa saudade imperial e, sobretudo, uma enorme ignorância no que diz respeito à história do próprio idioma. É sempre bom recordar que antes de Portugal colonizar a África, os africanos colonizaram a Península Ibérica durante oitocentos anos. A língua portuguesa deve muito ao árabe. A partir do século XVI, com a expansão portuguesa, a língua começa a enriquecer-se, incorporando vocábulos bantos e ameríndios, expressões e provérbios dessas línguas, etc.. A minha língua é esta criação coletiva de brasileiros, angolanos, portugueses, moçambicanos, caboverdianos, santomenses, guineenses e timorenses. A minha língua é uma mulata feliz, fértil, generosa, que namorou com o tupi e com o ioruba, e ainda hoje se entrega alegremente ao quimbundo, ao quicongo ou ao ronga, se deixando engravidar por todos esses idiomas.”

Em: “Um brinquedo de criar prodígios“, José Eduardo Agualusa, O Globo, 30/03/2015, 2º caderno, página 2.





Palavras para lembrar — José Eduardo Agualusa

3 03 2015

 

 

 

Jenny Nyström, Dagmar vid bordetDagmar à mesa branca, 1924

Jenny Nyström (Suécia,1854-1946)

óleo sobre tela, 46 x 65 cm

 

“Os bons escritores são aqueles que conseguem colocar os leitores na pele do outro.”

 

José Eduardo Agualusa





Traído pela memória, Agualusa com o seu O Vendedor de Passados

3 01 2010

Início de ano prolongado…  Estou aproveitando o tempo para limpar o escritório e colocar coisas em ordem.  Assim, antes de descartar algumas resenhas que foram feitas para outros fins, que não o blog, venho aqui postá-las para não perder de todo o controle do que li, e das minhas reações a certas leituras.

Traído pela memória

No futuro quando a transição entre os séculos XX e XXI for estudada, talvez encontrem vestígios de que a perda de memória era uma preocupação constante da época.  Isso porque o assunto de construir ou re-construir memórias, refrescar as nossas memórias, revistas das décadas dos anos 50,60 70, 80, tudo isso parece confirmar alguma preocupação com o assunto.  Parece o tema do momento, uma constante cultural  pipocando no mundo inteiro.  Algumas dessas preocupações vêm da generação pós-guerra, dos baby-boomers, que chegam aos sessenta anos. A medida que eles envelhecem o medo da demência senil, de doenças que acabam com a memória como Alzheimer, parece mais forte.  Filmes de Holywood retratando situações em que há problemas de memória também têm sido constantes favoritos do público: “Amnésia”, 2001; “A identidade Bourne”, 2002; “Como se fosse a primeira vez”, 2004; “Brilho eterno de uma mente sem lembranças”, 2004; são uns poucos que me vêm à cabeça.

 

Diferentes aspectos da memória são revistos com bastante humor no livro de José Eduardo Agualusa,  O vendedor de passados.  O título se refere à ocupação de Felix Ventura, o personagem principal da história, que ganha a vida construindo passados os mais detalhados possíveis, para seus clientes.  Essa elocubração fantástica inclui ancestrais, local de nascimento, profissão dos pais, avós, bisavós,  país de origem, antes da imigração para Angola – e pode até incluir, se bem que nem sempre faz parte do pacote – anedotas familiares e árvore genealógica – tudo com documentação que dê apoio a nova vida do cliente.

Alguns vão querer argumentar que a prosa de Agualusa deveria ser definida como “realismo mágico”.  É a moda, hoje em dia, atribuir realismo mágico a escritores cujas línguas nativas vêm do Latim, como é o caso do português.  Sou contra essa definição, porque a acho redutiva.   É verdade que a vida mostrada neste romance não existe, pelo que conhecemos.  Mas, por outro lado, o inseto de Kafka na “Metamorfose”, deveria colocá-lo na categoria de “realismo mágico”.  A verdade é que a imaginação de Agualusa está enraizada numa cultura animista, crente em fantasmas e em almas do outro mundo, em profecias e conversas com espíritos.  O que pode parecer realismo mágico para uns é o cotidiano na vida de Angola.

Esse livro é narrado, com muito humor, por uma lagartixa, que se lembra de sua vida anterior, e que conversa com Félix Ventura através dos sonhos deste.   Félix Ventura cujo nome, lembremos, quer dizer 2 vezes feliz é capaz de se lembrar tão bem desses sonhos quanto seus clientes acabam se lembrando de todos os detalhes, uma mistura de fatos com realidade,  dos passados por ele construído para suas vidas.  A arte de Ventura está na promiscuidade com que envolve fato e ficção, na construção de um mito que jamais existiu.

José Eduardo Agualusa

 

Através do livro somos lembrados que memória é identidade.  Que memória é ficção.  Que memória é relativa.  Que memória é imprecisa.  Que memória pode ser arquivada no inconsciente de maneiras que não entendemos e que ela pode nos trair.  Que a memória,  sendo única, é uma fábula individual.  Ela é para ser questionada.  Ela existe para ser embelezada.   E que os detalhes que a fazem são representativos do espírito da época. 

Este é um livro sensacional, que deve ser lido.  Rápido na narrativa e com muito humor.   E melhor que tudo, nos faz pensar.  É para se guardar, porque tenho certeza que merece ser lido mais de uma vez.

06/12/2007

Uma outra versão desta mesma resenha foi publicada na época e também aparece em inglês na Amazon.





Portugueses, europeus?

28 06 2008

 

 

Laurentino Gomes

                Laurentino Gomes

 

Acabo de ler esta passagem que transcrevo: 

 

Os portugueses, europeus? — Riu-se com mansidão.

— Nunca foram.  Não o eram antes e não o são hoje.  Quando conseguirem que Portugal se transforme sinceramente numa nação européia o país deixará de existir.  Repare:  os portugueses construíram a sua identidade por oposição à Europa, ao Reino de Castela, e como estavam encurralados lançaram-se ao mar e vieram ter aqui, fundaram o Brasil, colonizaram a África.  Ou seja, escolheram não ser europeus.  

 

[Um estranho em Goa, José Eduardo Agualusa, Gryphus: 2001, Rio de Janeiro, p. 46]

 

 E me lembrei de ter aprendido, agora com as comemorações dos 200 anos da chegada da corte portuguesa ao Rio de Janeiro, que um plano de fuga, para a corte, de Lisboa para o Brasil, já existia há muitos anos.   Laurentino Gomes, no seu brilhante livro 1808, mostra que tal plano já existia desde 1736, quando o então embaixador português em Paris, Luiz da Cunha, escrevia num memorando secreto a D. João V que Portugal não passava de “uma orelha de terra”, onde o rei “jamais poderia dormir em paz e em segurança”.  A solução sugerida por Cunha era mudar a corte para o Brasil, onde D. João V assumiria o título de “Imperador do Ocidente” e indicaria um vice-rei para governar Portugal. 

 

[1808, Laurentino Gomes, Planeta: 2007, São Paulo, p. 47]

 

 Aliás será interessante lembrar que o ensaista e historiador acabou de ser agraciado com o prêmio Prêmio da Academia Brasileira de Letras na categoria ensaio por este livro que narra a vinda da família real para o Brasil em 1808.   Um prêmio muito merecido.

 

 

 





Albinos, osgas no mundo encantado de Agualusa

19 06 2008

Hoje terminei de ler o delicioso livro Manual Prático de Levitação do escritor angolano José Eduardo Agualusa. Este é o segundo livro de sua autoria que leio. Fiquei muito satisfeita em perceber que todo o encanto de linguagem e de temática que haviam me conquistado da primeira vez nas páginas de O vendedor de passados, permaneceu, vingou e cresceu, para minha total gratificação. Gosto de sua prosa, de seu humor, de sua imaginação e da delicadeza com que consegue abordar temas especialmente difíceis entre eles a guerra e suas infinitas e variadas conseqüências.

Diferente do anterior, este é um livro de contos, alguns pequeninos, tamanho bolso, mas que dão conta do recado com grande encanto. Estes contos nos oferecem uma breve viagem por Angola, Brasil e Outros Lugares de Errância. Esta é uma edição para o Brasil, uma coletânea de contos outrora publicados em Portugal e Angola. A eles só foram adicionados três contos inéditos: Os cachorros, O ciclista e Manual Prático de Levitação que dá o nome ao livro. A capa nesta edição da editora Gryphus já é sedutora o suficiente para mim. Trata-se de uma livre adaptação de um quadro do pintor belga René Magritte, cujos trabalhos fizeram parte não só do meu mestrado como do meu curso de doutoramento em história da arte. Nesta criação de Tite Zobaran e Mariane Esberard sobre o quadro Le chef d’oeuvre , duas silhuetas do homem com o chapéu coco se desdobram como se olhassem cada qual para um continente, mas são tão etéreas quanto o céu azul, levemente nublado que as preenche. Os autores foram muito felizes neste arranjo porque não só traz à tona a dualidade dos contos através de Angola e do Brasil como também o espírito onírico de grande parte da prosa Agualusa.

Este é um livro leve, de contos, retratos falados, quase-crônicas que devem ser lidas e apreciadas por todo tipo de leitor. São meras 150 páginas de encantamento. Vale a leitura!