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Charles Hawes ( EUA, 1909)
aquarela
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Estou lendo Tchick, de Wolfgang Herrndorf, e me divertindo muito com o nosso adolescente narrador. Perspicaz e intrépido ele tem observações muito boas e frequentemente hilárias. Posto hoje uma passagem em que ele observa alguns turistas numa pequena cidade da Alemanha. Ele está na companhia de seu amigo Tchick. É verão e eles se aventuram por pequeninas estradas à procura do que der e vier…
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A cada meia hora, um ônibus com turistas aparecia na praça do mercado. Em algum lugar alto da cidade havia um pequeno castelo. Tchick estava sentado de costas para o ponto de ônibus, mas eu ficava o tempo todo olhando para os aposentados que saíam aos borbotões do ônibus. Pois eram exclusivamente aposentados. Todos eles usavam roupas marrons ou beges e um chapeuzinho ridículo, e quando passavam pela gente, onde havia uma pequena subida, eles bufavam com se tivessem corrido uma maratona.
Eu ainda não conseguia me convencer de que algum dia eu mesmo seria um aposentado bege. Mas todos os homens velhos que eu conhecia eram aposentados beges. E todo as aposentadas eram assim também. Todos beges. Era incrivelmente difícil imaginar que essas mulheres velhas algum dia foram, necessariamente, jovens. Que tiveram a idade da Tatjana e que à noite se arrumavam e que freqüentavam salões de dança, onde é provável que tenham sido chamadas de belezinhas ou algo parecido, há cinqüenta ou cem anos. Não todas, claro. Algumas delas também deviam ser insípidas e feias já naquela época. Mas também as insípidas e feias provavelmente tinham objetivos, elas com certeza fizeram planos para o futuro. E as bem normais também tinham planos para o futuro, e era garantido que nesses planos não havia nada se tornarem aposentadas beges. Quanto mais eu pensava sobre esses aposentados que desciam dos ônibus, mais me deprimia. E o que mais me deprimia era pensar que entre essas aposentadas devia haver algumas que não tinham sido insípidas e chatas na juventude. Que tinham sido bonitas, as mais bonitas do seu tempo, aquelas pelas quais todos tinham se apaixonado, e havia setenta anos, alguém sentado em sua torre de índio, ficou ansioso apenas vendo a luz do quarto delas se acender. Essas garotas agora eram aposentadas beges também, mas não dava mais para distingui-las das outras aposentadas bege. Todas tinham a mesma pele cinza, orelhas e narizes oleosos, e isso me deixava tão deprimido a ponto de eu quase passar mal.
Em: Tchick, de Wolfgang Herrndorf, tradução de Cláudia Abeling, São Paulo, Tordesilhas:2011, p. 110.






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