Nova York, lembrança dos dez anos do ataque ao World Trade Center.
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Nos últimos anos, muitos amigos perguntaram a mim e a meu marido porque resolvemos de fato vir morar no Brasil. A minha volta — a vinda dele — já estava mais ou menos no ar, um sonho para o futuro, parte de uma vida confortável de dois profissionais bem sucedidos que imaginavam uma aposentaria, anos e anos à frente, numa vida carioca mais ou menos idílica. Vínhamos ao Brasil todos os anos às vezes por um a dois meses. Houve anos em que viemos mais do que uma vez. Meu marido gostou do Brasil desde sua primeira visita. Gostou do Rio de Janeiro e da minha família. E a cada visita de volta sempre sonhávamos em nos estabelecer no Rio de Janeiro. Mas, tínhamos uma vida confortável, calma, cheia de projetos e o futuro parecia algo meio longínquo. Nossas vidas familiar, social e profissional estavam nos Estados Unidos, e apesar de sonharmos em vir para o Brasil, íamos ficando, ficando, porque tudo estava bem. Até vivermos o 11 de setembro de 2001.
Fomos avisados do que acontecia em Nova York por minha mãe, que nos telefonou daqui do Rio de Janeiro, pedindo que ligássemos a televisão. Minha mãe estava sempre conectada aos mais diversos acontecimentos, acompanhava os noticiários com atenção e soube junto com os primeiros jornalistas, pela CNN, do ataque à primeira torre do World Trade Center. Meu marido e eu estávamos nos aprontando para ir trabalhar. Ele, como diretor dos cursos de pós-graduação/mestrado da universidade onde ensinava e eu como dona de uma galeria de arte-antiguidades. Não morávamos em Nova York. Na verdade cabiam e ainda sobravam uma Espanha e um Portugal inteiros entre nossa casa e Manhattan. Mas o tempo parou para nós. Foi o único dia, que não abri a galeria sem dar explicações. Fechamos na verdade por dois dias, até podermos entender o que acontecia. Meu marido foi à universidade, mas voltou logo e plantados em frente à televisão por horas e horas tentávamos compreender a enormidade do ataque que o país havia sofrido.
Não perdemos nem amigos, nem familiares no WTC. Nem no Pentágono. Nem no vôo 93.
No entanto o mundo mudou à nossa volta, ou melhor, a nossa percepção do mundo mudou assim como a realidade à nossa volta. Setembro de 2001 foi o primeiro mês em 12 anos que a galeria não teve vendas que cobrissem todas as suas despesas. O comércio caiu. Desapareceu. As ruas ficaram praticamente desertas por pelo menos uma semana. Já havíamos sobrevivido a um enorme furacão que havia devastado a cidade alguns anos antes. Mas dessa vez era pior. Faltava o som das serra elétricas cortando as árvores nas ruas, que anteriormente haviam dado impressão de progresso para a normalidade. Faltava a solidariedade dos vizinhos, que no caos pós-furacão ficou evidente. Havíamos também sobrevivido à uma tremenda borrasca, com neve acumulada bem alta e as ruas completamente fechadas, nessa cidade hospitaleira. Dessa vez, ninguém podia ajudar a ninguém, não se sabia o que fazer. Não era uma calamidade normal.
Não é que precisássemos dar um litro de leite, um pacote de biscoitos para as crianças do vizinho, que não podiam sair de casa… Não é que alguém conseguisse chegar até o supermercado e se oferecesse para comprar alguma coisa para você durante uma borrasca de neve que havia paralisado a cidade. Era diferente. Houve uma quietude total, todos passaram uma semana, mais ou menos trancafiados, sem saber para onde se virar. O perigo poderia estar em qualquer lugar. De repente, um continente, um país gigantesco, havia sido atacado da maneira mais covarde do mundo e nós, os inocentes moradores, não sabíamos nem porque éramos ou poderíamos ser os alvos de tanta fúria. E na minha cidade, todos se sentiram vulneráveis, sem saber de onde nos proteger. E o comércio parou, os compradores desapareceram. Principalmente aqueles que mantinham o comércio de luxo, como era o meu, pinturas, esculturas, contemporâneas, modernas e antigas, móveis de 200 a 300 anos: tudo que ninguém precisa para sobreviver. E depois veio outubro, uma repetição precisa de setembro. Um ar de irrealidade a toda volta. É claro que depois de 12 anos no mundo dos negócios aprende-se que há momentos ruins. E a minha galeria poderia sobreviver por ainda seis meses ou mais sem vendas… Experiência já havia me ensinado a manter tudo sob controle financeiro estrito. Não foi isso que me levou a fechar a galeria em dezembro de 2001. Mas ajudou.
Meu marido, que já flertava com uma aposentadoria antecipada, por si só chegou à conclusão de que iria deixar a universidade e um dia, no final de outubro, decidiu se aposentar. Estava no ar, nas nossas preocupações, no nosso dia a dia a brevidade da vida, a certeza de que precisávamos colocar ordem nas nossas prioridades. Era o momento de mudar de vida. De correr atrás dos sonhos. Estava na hora de fazermos o que queríamos, de dar corda aos nossos desejos, ainda que eles pudessem parecer tolos aos olhos dos outros. Estava na hora de virmos para o Brasil. Em dezembro, fechei a galeria e em março seguinte, chegávamos ao Rio de Janeiro à procura de um lugar para morar. A vinda, de verdade, sem compromissos deixados para trás, só aconteceu em dezembro de 2002. Mas o ponto de partida, o momento propulsor da mudança, foi sem dúvida o dia 11 de setembro de 2001. Fazem hoje dez anos!
©Ladyce West, 2011