Imagem de leitura — Edson Campos

14 09 2011

Um belo dia [One fine day], s/d

Edson Campos ( Brasil, 1955)

www.edsoncampos.com

Edson Campos nasceu no Rio de Janeiro em 1955.  Autodidata, desenha e pinta desde criança.  Em 1978 mudou-se para os Estados Unidos, onde se estabeleceu como pintor desde então, e onde reside até hoje.  Tendo viajado extensivamente pela Europa, hoje é portador de inúmeros prêmios nos EUA e na Europa.  Para ver mais de seus trabalhos: www.edsoncampos.com





A solução de Rosa Montero: consideração para com o nosso semelhante, em Instruções para salvar o mundo

14 09 2011

A bebedora de absinto, 1901

Pablo Picasso (Espanha, 1881-1973)

Óleo sobre tela,

Hermitage, São Petersburgo, Rússia

Meu primeiro contato com Rosa Montero foi através do fantástico História do rei transparente [Ediouro: 2006], que devorei em dois dias.  Amei!  Mais tarde, vim a ler A louca da casa, [Ediouro: 2004],  Histórias de mulheres [Agir: 2008], A filha do canibal [Ediouro:2007] e agora, este mês, Instruções para salvar o mundo [Record: 2010].  O que surpreende nessa escritora espanhola é o camaleonismo, ou melhor, como cada um de seus livros parece ter um estilo diverso, um narrador diferente, um tema inesperado.  O que os une, a todos, é uma voz narrativa que carrega o leitor por tortuosos e imaginativos caminhos.  Essa também é a característica de Instruções para salvar o mundo.

Quatro personagens principais preenchem o espaço desse romance.   Três são o centro do drama:  Matias, um taxista viúvo, que agoniza diariamente pela perda de sua esposa para o câncer;  Daniel um médico frustrado,  mais ambicioso do que sua capacidade de  dedicação profissional e com a satisfação na vida pessoal inexistente  e Fatma,  natural de Serra Leone, belíssima mulher e prostituta.   Eles parecem ter pouco em comum, mas invadem o nosso mundo imaginário quando suas vidas se mostram interligadas, apesar de extremamente solitárias.  Em contraponto, quase que preenchendo o papel que seria do coro numa tragédia grega, temos Cérebro, cognome de uma ex-professora universitária, uma cientista, cuja linha de pensamento nos mostra o caminho de Rosa Montero.  Cérebro não só é minha personagem favorita pela clareza de seu raciocínio, como é também quem dá a dimensão da tragédia que testemunhamos.  Aos poucos, e graças à força narrativa da autora, esses dois homens e duas mulheres nos envolvem e participamos silenciosamente da absoluta solidão em que vivem,  presenciamos o desespero calado que os corrói.   A falta de perspectiva de uma vida melhor parece inviável para cada um.  E sufoca.

Os personagens vivem num caos emocional que praticamente os deixa anestesiados para a vida cotidiana.  Ou, porque não conseguem perceber nada além do vazio interno que os preenche,  ou porque se dopam, ou se retiram do momento atual, do presente,  para algum lugar  íntimo, interior, onde podem sobreviver as penas de um cotidiano irreparável, como acontece com Fatma.  O mundo externo, fora dessas emoções contidas e reprimidas, está também presente no caos das mudanças climáticas que os rodeiam, refletido no calor fora de época da cidade.  Todos quatro são cidadãos de uma gigante metrópole, igual a dezenas de outras, parecidas com aquelas em que vivemos.  E, como muitos desses cidadãos, como habitantes dessas zonas urbanas, eles passam a vida paralisados nas suas angústias, entorpecidos nas suas emoções.

Rosa Montero

A solução de Rosa Montero para saciar esse desespero interno de cada um é a bondade.  A bondade com o nosso semelhante, o desprendimento.  Talvez uma solução por demais ingênua e idealista para essa leitora.  Algo de irreal, de conto de fadas nessa solução me dá pausa.  Sinto-me crítica.  Talvez eu mesma já esteja, como os personagens da trama, cáustica, amarga, incrédula para considerar tal sugestão com o peso que uma autora como Rosa Montero merece.   Este é o grande senão que tenho com o romance.   As questões sobre o que está acontecendo com a humanidade, o que está acontecendo com o lugar em que vivemos que inevitavelmente temos que levar em conta ao longo da leitura de Instruções para salvar o mundo não só são difíceis de responder, mas também impossíveis de serem solucionadas por ato tão simples e pequeno, quanto esse romance.    Mas fica aqui a minha admiração por quem tem a coragem de levantar essas questões.

Aqui, uma entrevista da autora em espanhol, legendada: