Rua Paissandu, no bairro do Flamengo, década de 1930, Rio de Janeiro. Cartão postal.
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Coloco aqui uma das muitas passagens evocativas da época de 1930, encontradas no romance de Ronaldo Wrobel, Traduzindo Hannah.
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“Os bairros do Rio de Janeiro eram tão diferentes uns dos outros que se tinha a impressão de cruzar continentes dentro de um bonde. Do Relógio da Glória para o sul, por exemplo, já não se viam as ruas abarrotadas e barulhentas do centro, com seus prédios encardidos e letreiros comerciais. No centro, a pressa não tinha hora; já no Flamengo, a hora não tinha pressa. O silêncio reinava nas ruas sombreadas por árvores onde senhoras puxavam seus cachorrinhos empertigados. Carrões deslizavam suavemente entre palacetes não raro ocupados por embaixadas e repartições de alto nível enquanto, nas praças, babás uniformizadas tomavam conta de suas crianças promissoras.
Max gostava de contemplar as palmeiras que ladeavam a rua Paissandu desde o Palácio Guanabara até a rua Marquês de Abrantes. Aqueles troncos esguios tinham visto coches com marquesas e barões, broches e tiaras antes que o automóvel infestasse a cidade e a monarquia brasileira se exilasse em museus. Pois as palmeiras da rua Paissandu não tinham se curvado à modernidade: nenhuma república saberia roubar sua altivez ou a nobreza daquelas folhagens que se abriam como asas soberanas. Perto dali ficava o campo do Fluminense com suas torcidas estrondosas. A cada gol os pássaros disparavam dos galhos em revoadas que adentravam a saleta onde Max descansava ao fim do dia, instalado em sua bergère, ao som da risonha criançada que as mães só tiravam da rua depois da Hora do Brasil. Então escolhia um Haydn ou Mozart, deixando a agulha da vitrola surtir seus melodiosos efeitos enquanto comia algo leve na mesa da copa. Puxava a manta depois das dez, lendo até adormecer no quarto de fundos, ninado pelos gatos vadios que, lá fora, se enroscavam na escuridão.
Dois andares, a nova casa de Max era grudada nas vizinhas feito irmã siamesa. Custara uma pechincha porque um velho muito velho estava para morrer e os filhos queriam apressar o negócio, tendo aceitado a oficina da Praça Onze como parte do pagamento. Inacreditável! O resto Max ia pagando mês a mês avalizado por ninguém menos que o Capitão Avelar. Perto da bergère, uma estante de jacarandá compunha com a mesa redonda deixada pelo antigo dono. Max comprou quatro cadeiras de palhinha e uma fruteira de porcelana portuguesa sempre cheia de maçãs, laranjas e bananas. Na cozinha mantinha as provisões de sal e açúcar que os vizinhos vinham-lhe pedir em cordiais incursões, para depois revisitá-lo com fatias de bolo ou pudim. Calçava chinelos para não arranhar o parquê bicolor nem estragar o tapete arraiolo em seu quarto. Agora, sim, Max tinha uma casa decente.”
Traduzindo Hannah, Ronaldo Wrobel, Rio de Janeiro, Record:2010, Pp- 151-2