José Bonifácio de Andrada e Silva, texto de Gilberto Freyre

6 09 2011

José Bonifácio de Andrada e Silva

Oscar Pereira da Silva ( Brasil, 1867-1939)

Museu do Ipiranga, São Paulo

Ainda a propósito de José Bonifácio

Gilberto Freyre

O Serviço que José Bonifácio prestou ao Brasil, dando à independência da Colônia de Portugal um sentido de todo diferente das independências das colônias da Espanha, foi imenso.  Sua grandeza cresce com o tempo.

Haveria, o Brasil, tal como existe hoje, tão plural e tão uno, se no momento justo não tivesse agido, máscula e decisivamente, sutil, e quase femininamente, juntando a arte dos grandes políticos à firmeza de ânimo dos grandes homens, contra os radicais de sua época, contra os desvairados “nacionalistas” do seu tempo, contra os furiosos antieuropeus dos seus dias, esse brasileiro tão da sua Província, tão do seu burgo sem que tais apegos o impedissem de considerar o futuro nacional, considerando, em seu vasto conjunto, a nova pátria, por ele organizada?

Para assegurar-se a unidade desse conjunto, impunha-se a solução monárquica;  e o sagaz Andrada, mais desdenhoso do que ninguém, de títulos e de comendas, foi a solução porque se bateu.  Soube fugir à tentação das popularidades fáceis, entre os radicais mais ruidosos, que o cercavam: radicais então simplistamente republicanos, sem se aperceberem que o seu simplismo ideológico de imitadores dos vizinhos da já fragmentada América Espanhola, era para o perigo que nos conduzia: o da fragmentação.  O da desunião: brasileiros contra brasileiros.  O do separatismo: em vez de um Brasil só, vários Brasis Estados.  Uma América Portuguesa ainda mais dividida que a Espanhola em repúblicas inimigas umas das outras.

Houvesse educação cívica no Brasil de hoje, e o culto a José Bonifácio seria o maior culto nacional.  Pois deveria haver no Brasil um dia de J. Bonifácio tão civicamente significativo como o dia da Independência ou o dia da Bandeira.  Ou antes: o dia da Comemoração da  Independência deveria ser principalmente no Brasil o dia de José Bonifácio.

Não se compreende que a sua vida não esteja dramatizada num filme que ao valor artístico juntasse o cívico e através do qual crianças, adolescentes, adultos se inteirassem do que houve de mais expressivo nessa vida de autêntico grande homem, tão a serviço do Brasil.  Não se compreende que suas idéias, suas iniciativas, seus projetos inspirados num lúcido amor pela pátria que organizou sem repudiar Portugal, nem aguçar-se em detrator dos portugueses não sejam temas mais freqüentes para composições escolares, teses universitárias, ensaios que as universidades, as academias, os institutos consagrassem com seus melhores lauréis.  Tão pouco se compreende que o Itamarati deixe de projetar no estrangeiro figura tão completa de estadista, salientando-se, em publicações em várias línguas, ter sido o patriarca da Nação brasileira, como só depois dele o da República Chinesa, o da Tchecoslováquia, o da União Indiana, um homem de ciência, um humanista, um sábio, um “scholar”, embora, em dias difíceis, soldado.  Mas como homem público eminentemente civil.  Como homem público, a negação do caudilho.  Também a negação, do politiqueiro, do demagogo, do adulador, quer de ricos, quer de multidões com sacrifício da “sã política”.  Aquela “sã política” que só se sente comprometida com os grandes interesses gerais; nunca com os simplesmente privados ou de facção.

[Texto publicado originalmente no Jornal do Comércio (Recife) em 17/01/1965].

Em:  Pessoas, coisas e animais, Gilberto Freyre,  coletânea de Edson Nery da Fonseca, São Paulo, MPM Proganda: 1979.


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3 responses

30 04 2013
Avatar de Desconhecido JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E SILVA | Escola João Papa Sobrinho

[…] Ainda a propósito de José Bonifácio, de Gilberto Freyre, acesso em 30/04/2013. […]

1 11 2013
Avatar de Fernando Fernando

Realmente é o Pai do Brasil, mui querido…espero que um dia seja reconhecido pelo que foi, infelizmente a degradação moral de nossos dias não vislumbra aquietar.

1 11 2013
Avatar de peregrinacultural peregrinacultural

Vamos manter a chama acesa, quem sabe se melhoramos um pouquinho culturalmente? Obrigada Fernando e um abraço,

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