Este livro me apresentou à literatura cabo-verdiana. E que apresentação! Fez com que eu quisesse ler mais! O Testamento do Senhor Napumoceno [ São Paulo, Editora Companhia das Letras:1996] é narrado com muito humor. É também um livro cheio de surpresas. Napumoceno da Silva Araújo parece ter uma das vidas mais discretas do arquipélago. Mas quando o seu testamento de 387 páginas é finalmente aberto, aprendemos detalhes de sua vida particular que mostram um outro homem. Um homem que demonstra uma tremenda habilidade de escrever, que discorre sobre membros da família, sobre seus superiores, seus empregados e ainda mais detalhadamente sobre suas aventuras amorosas. Tudo é metodicamente descrito e causa tanta surpresa a ponto de ser desacreditado. Principalmente depois que sua fortuna não passa às mãos do sobrinho, como era esperado, mas à filha, desconhecida de todos, fruto de um relacionamento indiscreto no passado. E de revelação em revelação, de requisitos estranhos para a sua própria cerimônia funerária a métodos de negócio questionáveis, ficamos sabendo sobre a vida nas ilhas, nas 10 ilhas deste país de 300.000 pessoas. Um repleto povoado por pequenas cidades, cujas distancias são feitas grandes, muito grandes pelo mar.
O escritor Germano Almeida
Napumoceno representa facilmente Cabo Verde. Sua solidão, sua maneira metódica, sua vida controlada e reclusa contribuem para que ele mesmo se isole da própria cidade onde mora. Mesmo depois de ter se tornado um homem de negócios de sucesso, ele ainda é recusado pelo clube local. Tenho por mim que o sentimento de rejeição sentido por Napumoceno se assemelhe ao sentimento que o país teve em relação a Portugal. O vazio a volta de sua vida é claramente percebido. Mas quando ele morre e seu testamento é lido, detalhes suas aventuras vêm à tona. Só então vizinhos e conhecidos descobrem que sua vida era de fato muito diferente. Rico em emoções e em gosto pela vida, ele viveu exatamente como uma ilha, isolado, rodeado por um grande vácuo.
Numa entrevista dada a Fernando Nunes da ZonaNon: revista de cultura crítica, em 2003, Germano Almeida descreveu a independência de Cabo Verde em 1975, como sendo uma verdadeira revolução causando um crescimento inimaginável de 1975 a 1990 na economia e sociedade do país, resultados que não haviam sido contemplados e que certamente ultrapassaram qualquer expectativa. O país cresceu nesses 15 anos numa razão maior do que havia crescido nos 500 anos de domínio português. A alegria, o entusiasmo de descobrir seu próprio potencial outrora desconhecido, as possibilidades a explorar suas riquezas internas formam um excelente paralelo a vida de Napumoceno. Muito mais rica do que o esperado, passando dos limites e das expectativas que os outros poderiam ter.
Mas este não é um livro político. Tampouco um livro histórico. Este é o retrato de um homem na sua complexidade, alguém como nossos vizinhos, nossos amigos e parentes. Gente que acreditamos conhecer e que, de repente, sem aviso, mostra um lado, uma habilidade, um dom diferente, conhecido exclusivamente por seu portador. E nós, leitores, ficamos tais como os conhecidos de Napumoceno, surpresos e embasbacados. Excelente leitura!