Borba Gato e os diamantes, poema de Cassiano Ricardo

7 08 2008
Charles Landseer (Inglaterra 1799-1879) Tropeiro Paulista, 1827, ost,

Charles Landseer (Inglaterra 1799-1879) Tropeiro Paulista, 1827, ost

 

Borba gato e os Diamantes

 

“Eu vou buscar diamantes”.

Foi quanto disse e já montou no rio

pôs mantimentos na garupa

levou o bugre pela frente

atrás do bugre o mameluco.

 

Montou no rio, então o rio

Logo desceu da cabeceira…

foi resmungando mas desenrolando

o corpo azul numa porção de voltas

mato a dentro à semelhança de uma

cobra muito grande que roncasse

e que passasse sacudindo

o rabo da cachoeira.

 

E levou na cacunda

em redemoinhos de água barafunda

uma porção de gente

armada de trabuco.

Formaram-se de pronto

alas de jacarés abrindo

a todo instante

a bocarra vermelha

no escurão do tijuco.

“Eu vou buscar diamantes”.

E armou seu barracão de couro

a quatrocentas léguas da partida.

 

Tudo correu, tudo saiu gritando!

Só porque um homem

chamado Borba Gato

armado de trabuco

entrou no mato…

 

 

Cassiano Ricardo

 

 

Do livro:  Terra Bandeirante: a história, as lendas e as tradições do Estado de São Paulo, para a 3ª série do curso primário, de Theobaldo Miranda Santos, Rio de Janeiro, Agir:1954

 

 

Cassiano Ricardo Leite (SP 1895 – RJ 1974), jornalista, poeta e ensaísta;

 

Obras

 

 

Dentro da noite (1915)

A flauta de Pã (1917)

Jardim das Hespérides (1920)

A mentirosa de olhos verdes (1924)

Vamos caçar papagaios (1926)

Borrões de verde e amarelo (1927)

Martim Cererê (1928 )

Deixa estar, jacaré (1931)

Canções da minha ternura (1930)

Marcha para Oeste (1940)

O sangue das horas (1943)

Um dia depois do outro (1947)

Poemas murais (1950)

A face perdida (1950)

O arranha-céu de vidro (1956)

João Torto e a fábula (1956)

Poesias completas (1957)

Montanha russa (1960)

A difícil manhã (1960)

Jeremias sem-chorar (1964)

Os sobrebiventes (1971)





Uma volta no sertão com Aleilton Fonseca: Nhô Guimarães

7 08 2008
José Ferraz de Almeida Júnior, (Brasil 1850-1899), Caipira picando fumo, 1893, ost, Pinacoteca do Estado de São Paulo

José Ferraz de Almeida Júnior, (Brasil 1850-1899), Caipira picando fumo, 1893, ost, Pinacoteca do Estado de São Paulo

 

Foi com imenso prazer que passei os dois últimos dias às voltas com o romance Nhô Guimarães, de Aleilton Fonseca, publicado em 2006, pela Editora Bertrand Brasil.  O romance leva o subtítulo Romance: homenagem a Guimarães Rosa.  Confesso que este foi o meu primeiro contato com o escritor.  Uma amiga recomendou calorosamente o livro.  E fiquei feliz de tê-lo feito porque quem saiu lucrando fui eu!

 

A primeira vista eu não teria por minha espontânea vontade selecionado este livro para ler.  Simplesmente porque não acredito em homenagens do gênero.  Em geral as obras feitas com esta intenção não passam de imitações de estilo que parecem bastante pedestres para até mesmo o leitor menos sofisticado.  E quando feitas para homenagear  um escritor cujo estilo foi único, responsável por uma marca indelével na literatura brasileira do século passado, o perigo, a tentação da pura imitação parecem ainda mais sedutores.  Mas confesso que Aleilton Fonseca me surpreendeu.  Seu romance Nhô Guimarães consegue se situar sozinho e ganhar um lugar de destaque na produção literária da virada do século, sem qualquer traço de imitação.

 

Acredito que deva ter sido difícil para o autor decidir se valeria à pena ou não colocar o subtítulo.  Se não o colocasse, muitos teriam simplesmente ignorado o livro com a rápida leitura do estilo dizendo: Mas quem que ele pensa que é?  Um Guimarães Rosa? Por outro lado, colocando o subtítulo há sempre a tentação, para quem lê o livro, de dizer: o autor recriou o grande autor Guimarães Rosa, como se de repente, por alguma clonagem pudéssemos esperar um texto de Guimarães Rosa.  Esse romance não merece nenhuma das duas ponderações.

 

 Aleilton Fonseca tem um estilo próprio.  Possui uma maneira de narrar elegante e sedutora.  Sua linguagem tem muito do espírito de Guimarães Rosa, mas não o imita.  O que ambas têm em comum é a grande naturalidade, a sensação de que as palavras vem da alma brasileira.  Só assim podemos explicar porque palavras não encontradas no nosso dia a dia parecem ter sempre existido, são imediatamente compreendidas como se refletissem um mundo que nós temos em comum; quase que uma meta-linguagem radicada no nosso inconsciente coletivo.

 

Este é quase um livro de contos.  Aleilton Fonseca trabalha numa das tradições mais antigas da narrativa, que é a aparência de transcrição de uma narrativa oral interligando diversos causos.  Não difere do que encontramos nas Mil e Uma Noites, no Decameron e em muitas outras obras clássicas. 

 

Há dois personagens centrais:  Nhô Guimarães e Manu que trocam histórias, causos do sertão, das gentes do interior, de suas maneiras, modos, vinganças e paixões.  Tudo com muita aceitação da natureza humana.  Estes são interlocutores convictos de que cada ser humano tem  seu destino e  sua maneira de ser.  Não há julgamentos necessariamente, simplesmente uma constatação da inevitabilidade das voltas que o mundo dá.  Manu é uma excelente contadora de histórias, sozinha, ela nos conta como o narrador precisa render com o assunto: quem proseia precisa imaginar, palavrear, distrair o parceiro.  Isto é o certo, as novidades boas e compridas.  A verdade é só um começo.  O melhor mesmo da história é o capricho da prosa [p.40].

 

Aleiton Fonseca certamente regeu com mestria a prosa cantada do sertão.  Com ele é um grande prazer nos enveredarmos nos caminhos do interior; nos detalhes das vidas contadas e cantadas e nos embrenharmos nas tramas ora trágicas, ora cômicas, mas acima de tudo humanas, que revelam a riqueza das experiências sertanejas.  Nota dez para este livro!  Vá, compre-o.  Você não vai se arrepender.

O escritor Aleilton Fonseca

O escritor Aleilton Fonseca