Rio de Janeiro a caminho dos 450 anos!

14 03 2014

Antônio Orleans e Bragança, Jardim Botânico - RJ,2008,46 x 61 cm – AquarelaJardim Botânico, 2008

Antônio de Orléans e Bragança (Brasil, 1950)

Aquarela sobre papel, 46 x 61 cm





Rio de Janeiro a caminho dos 450 anos!

7 03 2014

???????????????????????????????Casa de Smither Perrin, à Rua São Clemente, 1860

Assinatura: A. P.

Aquarela, guache sobre papel,  36 x 55 cm

Museu Imperial, Petrópolis





A Rua do Ouvidor, descrição de Gastão Cruls

1 03 2014

rua do ouvidorRua do Ouvidor, 1844

Eduard Hildebrandt (Alemanha, 1817-1868)

aquarela e lápis sobre papel 36 x 25

Homenagem aos 449 anos da Cidade do Rio de Janeiro

A Rua do Ouvidor

Gastão Cruls

A cada passo, sempre que escrevemos sobre acontecimentos ocorridos no centro urbano, o nome da Rua do Ouvidor pinga-nos da pena. Na verdade, vem de longe o prestígio que essa rua assumiu na vida da cidade e não foi sem razão que ocorreu a Koseritz dizer que o Rio de Janeiro era o Brasil e a Rua do Ouvidor, o Rio de Janeiro.

Todavia, bem poucas artérias terão tido origens tão modestas. A princípio, simples Desvio do Mar, ângulo que fazia a rua Direita, foi por muito tempo apenas uma trilha por onde desciam os carros de bois vindos das freguesias de fora. De 1590 a 1600, chamou-se rua de Aleixo Manuel, um barbeiro português, que também se desdobrava em cirurgião. Assim mesmo, tal designação só pegava o percurso que se fazia da rua Direita à rua da Vala (Uruguaiana). O pequeno trecho que a continuava na parte de baixo, até a praia, era a rua da Cruz, da Santa Cruz ou da Vera Cruz, devido à capela aí inaugurada em 1628, no lugar em que existira um forte e onde está hoje a Igreja Santa Cruz dos Militares. Posteriormente, a partir de 1750, quando nele se inaugurou a Igreja da Lapa dos Mercadores, esse mesmo trecho também foi conhecido por Beco dos Mercadores, Beco da Capela e Beco da Carne Seca.

Vista da Igreja de Santa Cruz dos Militares, Rio de Janeiro RJ. Aquarela de Richard Bates, século 19Vista da Igreja de Santa Cruz dos Militares, RJ, s/d

Richard Bate (Inglaterra, 1775 — 1856)

aquarela

Não tardou, também, que o nome de Aleixo Manuel caísse em esquecimento. É que naquele trato assim designado foi residir um sacerdote, e a rua passou a ser do Padre Homem da Costa. Houve tempo, porém, a partir de 1659, em que a distância entre Quitanda e Ourives foi sucessivamente rua do Gadelha, rua da Quitanda do Pedro da Costa e rua do Barbalho. Concomitantemente, à esquina com a rua Direita cabia denominação especial: Canto de Tomé Dias. Quanto à parte final, que de Uruguaiana vai ao Largo de S. Francisco, só logrou ser batizada depois que, em 1742, foi lançada nesse mesmo largo a pedra fundamental da Igreja da Sé. Era a rua da Sé Nova. E precisamos chegar ao último quartel do século XVIII para que toda a rua, desde o mar até aquele Largo, depois de ter passado por uma toponímia tão variada e fragmentada, se fixasse finalmente no nome que conserva ainda hoje, malgrado uma tentativa frustrada, em 1897, com que se procurou homenagear o Coronel Moreira César, tombado em Canudos. Foi rua do Ouvidor e ficou rua do Ouvidor porque em 1780 nela veio morar o ouvidor Francisco Berquó da Silveira.

Não tornaremos ao comércio de modas e de luxo que poucos anos após a trasladação da corte portuguesa para o Rio e subsequente imigração dos primeiros colonos franceses, pôs logo essa rua em situação de relevância entre as suas vizinhas e dela enxotou, de uma vez para todas, as últimas quitandas que lhe afeiavam o aspecto. Esse comércio de fausto e de elegância, já não só de modas mas dos melhores artigos de todos os gêneros, sempre muito bem valorizados nas suas vitrinas, levou Machado de Assis a chamá-la, muitos anos mais tarde, a “via dolorosa dos maridos pobres”.

Rua-do-Ouvidor-Centro-RjRua do Ouvidor, 2011

Renato Salles (Brasil, )

www.renatosalles.com

Mas não foi só por esse lado que a rua do Ouvidor se distinguiu. Hotéis, confeitarias, cafés também a preferiram e isso muito lhe aumentou a frequência, tornando-a o ponto obrigatória da melhor sociedade carioca. Vários jornais escolheram-na para a sede das suas redações, a começar pelo velho Jornal do Comércio, o Diário do Rio de Janeiro, órgão dos conservadores, A Reforma, de Silveira da Mota, O País, fundado em 1884, e tendo à frente Rui, Quintino e Joaquim Serra, a Gazeta de Notícias, de Ferreira de Araújo, a Cidade do Rio, de José do Patrocínio, O Combate, de Pardal Mallet, Luís Murat e Manuel da Rocha, O Globo, também de Quintino, o Diário de Notícias, de Rui e Antônio de Azeredo, A Notícia, de Alcindo Guanabara e Glicério, O Século, de Medeiros e Albuquerque, e muitos outros, que fastidioso fora enumerar.

Tudo isso, excelente comércio, redação de jornais, escritórios de médicos, engenheiros e advogados, fez com que a estreita via pública, de manhã à noite, se enchesse de gente. Aliás, por ser assim estreita, e também longa, era um verdadeiro corredor, sempre sombreado, e onde, mesmo nos dias mais quentes, havia sempre algum ar a respirar. Por outro lado, desde 1867, ela gozou do privilégio, não concedido a nenhuma outra, de só ser trafegada por veículos e cavaleiros até as 9 horas da manhã. Daí por diante, era mesmo do povo, do pedestre, que nela podia andar à vontade, desatento, e desembaraçado. Andar, e também parar, para ver o que se apresentava nos mostruários, ou dar dois dedos de prosa com algum amigo ou conhecido, encontrados eventualmente.  Daí, devido aquelas condições, os grupos que se formavam em plena rua, mesmo ao maior empino do sol. Estava-se ali como num salão. Havia senhoras que só se avistavam quando vinham ao cabeleireiro ou iam experimentar um par de sapatos no Fonseca. Outras que iam juntas ao Wallenstein e, depois, à Notre Dame, ou ao Grão Turco, e acabavam tomando sorvete na Deroche, no Castelões ou no Cailteau. Moças que vinham ao dentista e catavam os namorados pela porta das lojas ou dos cafés.

???????????????????????????????Rua Primeiro de Março, 1907

Gustavo Dall’Ara (Itália, 1865 — Brasil, 1923)

óleo sobre tela, 117 x 98 cm

Museu Nacional de Belas Artes, RJ

Já disse alguém que dois ingleses quando se encontram formam um clube. Entre nós, dois brasileiros, quando se juntavam, iam para um café. Falamos no passado, porque os cafés-expressos vão acabando com o hábito da gostosa conversa fiada que se fazia à volta das mesas do Café de Londres, do Java, do Café do Rio ou do Brito, e do Cascata. O Café de Londres era dos mais procurados e nele trocavam ideia Fagundes Varela, Luís Guimarães Júnior, Adelino Fontoura e Lopes Trovão. Conforme os gostos e as profissões, outros grupos eram certos nesse ou naquele ponto. À porta do joalheiro Farani, fornecedor da alta aristocracia rural, dos Breves, dos Roxo, dos Vargem-Alegre, discutiam políticos, entre os quais Abrantes, Paulino e Cotegipe eram dos mais assíduos. Já a Tipografia Leuzinger atraía os intelectuais estrangeiros, os Taunay, Debret, Grandjean e outros apenas de passagem, como o príncipe Maximiliano, Saint-Hilaire, Agassiz, Rochet. Quanto aos literatos, como era natural, pouco a pouco foram-se encaminhando para a Garnier, onde mais tarde, saindo do Ministério e antes de tomar o bonde para Laranjeiras, assinaria ponto Machado de Assis, cercado de José Veríssimo, Graça Aranha, Alberto de Oliveira, Bilac… Quase defronte ficava o Laemmert, menos visitado, mas que , em 1902, teve a honra de lançar Os Sertões, de Euclides da Cunha.

Ceatas depois do teatro, e nem sempre em boa companhia, sobretudo para os que saíam do Alcazar ou do Teatro Lírico Fluminense, que ficavam próximos, realizavam-se no Carceller que, já ao tempo de Pedro I, tinha entre os seus habituados a figura do Chalaça, Francisco Gomes da Silva, o indispensável onze-letras do Primeiro Imperador.

Uma estatística de 1862 informa que na rua do Ouvidor existiam 265 estabelecimentos comerciais, assim distribuídos de acordo com a nacionalidade dos seus donos: 91 franceses, 68 portugueses, 35 brasileiros, 4 suíços, 2 norte-americanos, 2 italianos, 1 alemão, 1 inglês e 1 espanhol.

Mas a rua do Ouvidor foi também rua residencial. Aí moraram José Clemente Pereira, Luís José de Carvalho e Melo, depois Visconde de Cachoeira, Gonçalves Ledo. No sobrado em que, ocupando a loja, desde 1870, está estabelecida a Casa América e China, no início do século morava um português, Francisco Saturnino da Veiga, com um colégio onde deve ter aprendido as primeiras letras seu filho Evaristo Ferreira da Veiga. Nesse mesmo sobradão, quando no seu andar térreo ficava a Confeitaria Carceller, nas dependências superiores moravam as irmãs Paracatu, mineiras que se recomendavam pelos seus deliciosos doces secos e em calda e pelas suas inigualáveis desmamadas.

Sylvio Pinto,Vista do Rio de Janeiro,Parte antiga, 1952,OSM, 38 x 30,1.800Vista do Rio de Janeiro, parte antiga, 1952

Sylvio Pinto (Brasil, 1918-1997)

óleo sobre tela, 38 x 30cm

Não houve também acontecimento público de relevância em que a rua do Ouvidor não tomasse parte ativa, fosse festa ou revolta. Por ela passavam as procissões e as sociedades carnavalescas. Vibrou, em 1870, apinhada de gente, ao desfile da brigada do Coronel Francisco Pinheiro Guimarães, tornando dos campos do Paraguai. Formigou, de ponta a ponta, em apoteose a Osório, o herói do Tuiuti e Avaí, quando em 1877, vinha tomar posse de sua cadeira no Senado.

Mas teve também os seus dias de desalento e indignação, de diz-que-diz, ansioso e boataria alarmante, de motim e chinfrineira.  A “Noite das Garrafadas”, a questão Christie, o “Imposto do Vintém”, certos malogros em Canudos, a revolta de Custódio…

Nela,na redação dos jornais, quer pelas suas colunas, quer nos discursos que se faziam das suas sacadas, antes de todos por Patrocínio, na Cidade do Rio, foi que se robusteceu, em grande parte, a campanha abolicionista. Nela, ainda nesses mesmos jornais, ou nas conversas de rua ou de café, encontrou bom eco a campanha republicana.

Em: Aparência do Rio de Janeiro (Notícia histórica e descritiva da cidade), Gastão Cruls, Rio de Janeiro, José Olympio: 1949, 2º volume, pp 420-425. Prefácio de Gilberto Freyre, Desenhos de Luís Jardim.





Manhã na roça, texto de Virgílio Várzea

22 02 2013

EDGAR WALTER (1917-1994)Paisagem com casa de fazenda e animais no interior de Minas,ost,65 X 82. Assinado e datado (1969)Paisagem com casa de fazenda e animais, interior de MG, 1969

Edgar Walter (Brasil, 1917-1994)

óleo sobre tela, 65 x 82 cm

Manhã na Roça

Virgílio Várzea

Uma tênue mancha de claridade argêntea recorta em laca a linha ondulada das colinas verdes. Pouco a pouco, uma poeira de ocre transparente, que se esbate para o alto, cobre todo o horizonte e o sol aponta, deslumbradoramente, como uma gema de ovo flamante. Vapores diáfanos diluem-se lentamente, em meio dos listrões vivos que purpureiam o nascente. Fundem-se no ar tons delicados de azul e rosa; e eleva-se da floresta uma orquestração triunfal. Despertam de súbito, ao alagamento tépido da luz, as culturas adormecidas. Abrem-se as casas. Pelos terreiros, úmidos da serenada da noite, homens de cócoras, em camisa de canjirão na mão, brancos de frio, ordenham as grossas tetas das pacientes e mugidoras vacas, que criam amarradas aos finos paus das parreiras, e que, expelindo fumaça  no ar frígido, ruminam ainda restos de grama numa mansidão ingênua de animal digno. Mulheres de xale pela cabeça chamam as galinhas, com um ruído seco de beiço tremido, fazendo burr e sacodindo-lhes mãos cheias de milho e pirão esfarelado.  Um carro atopetado de mandioca, arrancadas de fresco, empoeiradas de areia, compridas, tortas, com o aspecto e a cor esquisita das plantas que se avolumam e vegetalizam enterradas, chia monotonamente, em direção ao engenho, solavancado pela aspereza do  caminho… E pela compridão majestosa e verde dos alagados e das pastagens, o colorido movimentoso e variado das reses.

 

[Exemplo de vistas movimentadas]

Em: Flor do Lácio,[antologia]  Cleófano Lopes de Oliveira, São Paulo, Saraiva: 1964; 7ª edição. (Explicação de textos e Guia de Composição Literária para uso dos cursos normais e secundário), páginas 59-60.

virgilio varzea1

Virgílio dos Reis Várzea (Brasil,1863 – 1941) escritor, jornalista e político brasileiro. Nasceu em Florianópolis, mas radicou-se no Rio de Janeiro a partir de 1896.  A maioria de suas obras é ambientada em Santa Catarina.  Com Cruz e Sousa publicou o livro Tropos e Fantasias (1885).

Obras:

Traços Azuis, 1884

Tropos e Fantasias,1885, com Cruz e Sousa

Mares e Campos, 1895

Rose Castle, 1895

Santa Catarina: A Ilha, 1900

George Marcial, 1901

O Brigue Flibusteiro, 1904

Nas Ondas





O labirinto em Serena, de Ian McEwan

4 10 2012

Relatividade, 1953

M. C. Escher (Holanda, 1898-1972)

Litografia

Inicialmente pensei que a imagem mais apropriada para ilustrar o livro Serena de Ian McEwan fosse uma das paisagens de Estaque do pintor francês e fundador do cubismo, Georges Braque, tal como Viaduto de Estaque ilustrado abaixo.   Nesta tela vemos uma paisagem com algumas casas rodeadas de vegetação e um viaduto romano ao fundo.  Nós compreendemos a cena, e ainda a vemos mais completa, porque somos instruídos — através da criativa maneira de pintar desenvolvida pelos cubistas, inspirados por Cézanne —  sobre as demais facetas da paisagem que revela diversos elementos vistos por diferentes ângulos, que não estariam dentro das nossas possibilidades entrever.  Com o  uso de múltiplas perspectivas Georges Braque neste caso permite que  conheçamos “o outro lado da lua”, ou seja: os dois lados de um telhado que nossa visão não permitiria perceber, ou a fachada de uma casa,  que ele levanta  ligeiramente,  por cima das casas na frente, para que vejamos a série de janelas paralelas corridas.  Essa visão compreensiva, giroscópica,  do tema, dos objetos ou pessoas retratadas, explorada pelos cubistas constitui em grande parte a maneira narrativa de Ian McEwan.

Viaduto de Estaque, 1908

Georges Braque (França, 1882-1963)

óleo sobre tela, 72 x 59 cm

Museu de Arte Moderna, Centro Pompidou, Paris

Mas à medida que o texto avançou e certamente depois que cheguei ao fim do romance,  a visão cubista, ainda que interessante,  não me satisfez.  Porque é um texto que se renova, que se reencontra e que recomeça.  É um labirinto com alguns becos, algumas passagens em múltiplos níveis, com algumas realidades paralelas, como se estivéssemos num jogo digital e uma vez ou outra achássemos a porta que nos leva direto até o próximo nível, sem termos que lutar com o dragão ou algum inimigo inesperado.  Esta é uma história que vai e volta e se aprofunda em diversos níveis sem que saibamos por que estamos sendo levados por aquele caminho e de repente, parecemos voltar ao ponto inicial como em um rondó musical ou em uma fita de Möebius.  E foi pensando nela que acabei selecionando uma das muitas gravuras de M. C. Escher para dar o tom visual do que acontece com o leitor de Serena.  Escolhi a gravura Relatividade, uma litografia cuja primeira tiragem foi feita em 1953, porque esse artista holandês é quem, nas artes plásticas, de meu conhecimento, melhor exemplifica a minha experiência ao terminar esse texto.

É a habilidade narrativa de McEwan que permite que se chegue ao final da trama capaz de entender os diversos níveis em que ela se desenvolve. E ser surpreendido.  Totalmente surpreendido.  Este é um romance, um thriller, que aparenta tratar de espionagem na década de 60 do século passado. Espionagem envolvendo o fabuloso serviço inglês MI5 já bastante caracterizado na literatura, no cinema e em programas televisivos pela sua invencibilidade.   Não há nenhum James Bond, mesmo em se tratando de Londres, cidade onde Serena,  que acabou de terminar o curso superior numa excelente universidade inglesa, arranja seu primeiro emprego.  A jovem é a nossa porta de entrada para esta aventura literária que insiste em parecer simples e direta.  Até que, em certo momento, temos a sensação de que talvez não estejamos lendo coma atenção necessária.  No meu caso foi lá pela página 140, quando parei e voltei ao início.  Mas tive relatos de outros leitores, talvez mais sensíveis, mais perceptíveis, que o fizeram umas 50 páginas antes.  De qualquer modo, o leitor sente que  há algo no ar mas não sabe onde, nem o quê, nem o porquê. E assim se desenrola a narrativa.

Ian McEwan

Mais do que um thriller, Serena é um livro sobre ficção.  Sobre diversos níveis de ficção. Sobre a ficção que encontramos no dia a dia, na fabricação de quem somos, no contar e recontar de nossos movimentos de nossas ações.  Temos a ficção de espiões e a ficção de quem escreve ficção.  Este é um   romance baseado no ato de simular, na habilidade do fingimento.  Ian McEwan explora aqui  a tênua linha que define realidade.  Este romance é uma ode à imaginação.  À nossa habilidade, à capacidade humana de iludir e de aceitar ser iludida.  A narrativa é um quebra-cabeça, um Cubo de Rubik com faces de espelhos, onde tudo se encaixa, a qualquer momento em qualquer hora,  porque tudo, absolutamente tudo não passa de ficção.  Uma narrativa brilhante.

Minha objeção está na personagem que achei o menos crível dos elementos.  Mas como acreditar em um personagem que nos ajuda a construir o ficcional?  Como julgar aquele que nos faz crer e que nos ajuda a descrer. Este é o impasse a que chegamos.  E a mensagem é simples: não creia, não acredite.  Tudo não passa de ficção.  Nem mesmo eu, nem você que me lê, nem Serena.





Romance das matas no Rio de Janeiro, poema de Celina Ferreira

11 07 2012

Morro do Borel, Rio de Janeiro, 1971

Armando Vianna ( Brasil, 1897-1992)

óleo sobre tela, 81 x 65 cm

Romance das matas no Rio de Janeiro

Celina Ferreira

Navios vão-se atracando,

chegam noturnos mineiros,

andarilhos vêm andando

e em cavalos, cavaleiros

trocando o sul e os cavalos,

as colheitas e o dinheiro

por uma braça de um rio

de inexistente janeiro.

As casas vertiniginosas

na floresta de cimento

sobem doidas, caprichosas,

arranhando o firmamento.

As ruas crescem, comprimem

o corpo azul do gigante

que se levanta irrascível,

touro raivoso e espumante.

Medrosos troncos se abraçam

na floresta verdadeira.

Cipós covardes se enlaçam

pelo corpo das palmeiras.

Tudo debalde. O homem lança

um olhar de certeira flecha,

dardo de fogo que alcança

o coração da floresta.

Ai soluço ressequido,

pranto escuro de carvão!

Ai fundo e negro suspiro

que se eleva na amplidão!

Línguas de um fogo faminto

estralam gula e paixão.

Ai! Das matas sobe um grito,

descem lavas de um vulcão.

Os homens plantam sementes

de fogo e míseras casas,

crivam duros alfinetes

na renda verde das matas.

Nas grimpas nuas, as chagas,

ontem, rubras de clarão,

hoje são tendas plantadas

entre reboco e carvão.

E a miséria fecundada

no gineceu das taperas

rebenta nas densas matas

uma estranha primavera.

Em: Poesia Cúmplice, Celina Ferreira, Rio de Janeiro, Livraria São José Ed.: 1959

Celina Ferreira — nasceu em Cataguases, Minas Gerais, em 1928. Jornalista, dedicou-se também à literatura infantil.

Obras:

A princesa Flor-de-Lótus , 1958

Papagaio gaio: poeminhas, 1998

Obra poética:

Poesia de ninguém, 1954

Poesia cúmplice, 1959

Hoje poemas, 1967

Espelho convexo, 1973





Almoço de época no Rio de Janeiro: Confeitaria Manon

28 04 2012

Confeitaria Manon, na Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro.

Hoje visitei o centro do Rio de Janeiro e voltei um pouco à minha infância.  Quando eu era criança meu dentista ficava na rua do Ouvidor, no Centro do Rio de Janeiro, a uns poucos metros da Confeitaria Manon.  O prêmio de ir ao dentista era um sorvete nessa confeitaria, depois do “sacrifício”.  Nem sei quantas vezes fui a esse templo do Alto Art Deco do Rio de Janeiro.   Naquela época minha única apreciação era o delicioso sorvete que serviam no local.

Salão ao fundo da Confeitaria Manon.

Eu não sabia, então, que se tratava de um verdadeiro templo da arquitetura e decoração da década de 40 do século passado.  Hoje, com conhecimentos de história da arte e de história da arquitetura, fico felicíssima cada vez que entro nessa confeitaria, que comemora este ano 70 anos de existência.  Fico feliz porque ainda estão lá as paredes arredondadas, preferidas na época, assim como a iluminação indireta dando um tom sensual e dourado ao ambiente.  Os tetos ecoam as linhas sinuosas das paredes e o corte circular, com rebaixamento à sua volta, enfatiza a modernidade do estilo.

Detalhe do teto do salão da Confeitaria Manon.

As colunas de sustentação foram sabiamente incorporadas ao estilo arquitetônico dando ainda maior requinte ao ambiente.  É um verdadeiro templo do Art Deco brasileiro, um local que — em outra cidade, digamos Miami, nos Estados Unidos  — seria considerado visita obrigatória para turistas locais ou estrageiros.  Até mesmo as cadeiras da Manon completam o estilo, vejam na foto abaixo.

Cadeira da Confeitaria Manon.

Às vezes eu me pergunto: o que os brasileiros veem tanto na arquitetura Art Deco de Miami, quando temos aqui no Rio de Janeiro e certamente em São Paulo, exemplos espetaculares como esse que mostro hoje?  É só porque os americanos valorizam o que têm e nós não?  Pois passemos a valorizar… Eu garanto que há poucos lugares nas grandes cidades do mundo com esse encanto, com essa pureza de estilo.

Chão de mármore na Confeitaria Manon.

Dinheiro não faltou na construção original da Confeitaria Manon.  O detalhe como o chão de mármore de diversas cores, fazendo desenho quadriculado, não é barato hoje, nem foi barato na época.  Essa atenção aos pormenores dá requinte ao ambiente e mesmo hoje, tendo já perdido algo de sua glória, porque o centro da cidade precisa de maior investimento e de renovação, ainda temos, ao entrar no local, a sensação de elegância que o material rico e o bom acabamento sempre trazem.

Painel pintado ao fundo do salão na Confeitaria Manon.

De particular interesse, para mim, foi  o painel pintado com uma cena tropical — arbustos e arara  de encontro ao céu azul — que me lembrou imediatamente de filmes americanos da mesma década, quando retratavam o Rio de Janeiro.  Parece, de fato, algo que apareceria desde Flying down to Rio, [década de 30], aos  filmes estrelados por Carmen Miranda.

Confeitaria Manon.

Hoje a Confeitaria Manon tornou-se um estabelecimento de comida a quilo — um sinal decisivo do empobrecimento do centro da cidade — e as toalhas de linho sobrepostas a outras adamascadas se foram.  Ainda temos toalhas — agradeçamos a Deus pelos pequenos milagres! — mas há uma cobertura muito limpa, muito bem cortada de plástico branco sobre as mesas.  Os garçons também perderam a elegância no servir  e o lustro dos uniformes, particularidades que me lembro serem notadas anos atrás.  Mas a confeitaria sobrevive, com seu estilo de anos 40, impecável.

Mesa de mosaico na sala da frente da Confeitaria Manon.

Na sala da frente, aquela que dá diretamente para a rua, a Confeitaria Manon comemora os seus 70 anos, mostrando com orgulho — como deveria ter mesmo — a data de abertura — 1942 — em mesas de mosaico.  Este sempre foi o local para um café, para um salgadinho, para algo rápido a ser consumido ali mesmo, sem grande fanfarra, e também o local para se comprar doces, salgados, um, dez, vinte, cinquenta para levar para casa.

A minha esperança é que com toda a renovação do centro da cidade, com os eventos que teremos a partir do próximo mês com a Rio + 20,  com a modernização que está chegando ao Rio de Janeiro, que lugares como este possam ainda voltar a  seduzir pelo requinte como um dia o fizeram.  Não é impossível.  Conheço exemplos semelhantes em outras cidades  Nova York, Londres e Madri vêm à mente, onde alguns antigos cafés ou confeitarias voltaram a ter o charme e  a boa clientela que merecem.  Que a gente saiba fazer o mesmo aqui no Rio de Janeiro.

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SERVIÇO:

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http://www.confeitariamanon.com.br/

Rua do Ouvidor, 187, Centro, Rio de Janeiro – RJ

(21) 2221-0245

Seg a Sex, das 7h às 20h30m; Sáb, das 7h às 15horas





Rio de Janeiro, parabéns! 447 anos!

1 03 2012

Hoje recebi um email de uma amiga que continha essa jóia.  Um filme do Carnaval do Rio de Janeiro em 1954. E só foi lançado em 1955. É americano.  As imagens são de excelente qualidade.  E o comentarista se mostra incrédulo com a alegria das festividades dos três dias de folia.  Posto aqui o vídeo para que fique registrado um pouquinho do espírito carioca,






O carnaval carioca, texto de Gastão Cruls

18 02 2012

Carruagens perfiladas na Batalha de Confete do Carnaval de 1907,  organizada pelo jornal Gazeta de Notícias, na  Avenida Beira-Mar, Rio de Janeiro.  Foto sem indicação de autor, Revista Kósmos, fevereiro de 1907.

Carnaval

Gastão Cruls

Embora o entrudo seja da mais remota tradição portuguesa, o carnaval com mascarada de rosto encoberto ou fantasias grotescas ou vistosas, só o tivemos aqui em meados do século passado. [século XIX] O entrudo teria sido trazido dos Açores e outras ilhas, onde essa brincadeira era de hábito, e certamente fora presenciada pelos navegantes que demandavam às Índias.  Apesar de tudo, ainda que tolerado, não era abertamente permitido, e uma vez ou outra lá apareciam alvarás e avisos, condenando-o. Não obstante, praticou-se sempre, a baldes d’água e esguichos, com limões de cera e bisnagas de estanho, e até os nossos imperadores dele gostavam muito.  D. Pedro II, na meninice, jogou-o bastante na Quinta, entre as irmãs e pessoas amigas.

Contra o carnaval, porém, com máscaras e disfarces, muito mais rigorosas eram as autoridades. Ordenações frequentes culminavam castigos severos e multas pesadas aos infratores das suas disposições. Em 1685, o governador Duarte Teixeira Chaves publicava um bando contra os que fossem encontrados emascarados e pela qual se ameaçavam os brancos de degredo na nova colônia do Sacramento e os pretos e mulatos de surra pública de chicote.

Carnaval na Avenida Central, hoje Avenida Rio Branco no centro da cidade do Rio de Janeiro, 1907.  Sem autoria, em: Kósmos, revista artística, científica e literária, Ano IV, número 2, Fevereiro de 1907, Rio de Janeiro.

Mas o desenvolvimento da metrópole e os hábitos europeus para aqui transplantados no Oitocentos, foram amainando, pouco a pouco, os dispositivos draconianos a esse respeito.   Assim, em 1846, por iniciativa da atriz Clara del Mastro, pode realizar-se, no Teatro S. Januário,  o primeiro baile à fantasia. Sucederam-se outros, como aqueles promovidos pela colônia francesa e por algumas sociedades privadas. Houve também um que inaugurou o Teatro Provisório, em 1852.  Incitando essas festas, alguns anos depois o Alcazar Lyric instituía um valioso prêmio para a modista que fizesse a fantasia mais bonita e original.  E nesse gênero de confecções muito se distinguiu a francesa a Mme Nioby, estabelecida à rua do Ouvidor.

Mais ou menos pelo mesmo tempo, apareceram os primeiros préstitos carnavalescos. Sociedades já existentes, mas que até ali se divertiam de portas pra dentro, resolveram, nos dias consagrados a Momo, trazer para a rua a sua alegria, organizando passeatas com guarda de honra e carros enfeitados. Iniciou-as a que se chamava Sumidades Carnavalescas, que, aliás, reunia a melhor gente. Em 1855, a convite de José de Alencar, Pinheiro Guimarães, Manuel Antônio de Almeida, e outros que dela participavam, D. Pedro II desceu especialmente de S. Cristóvão para assistir-lhe a passagem, das janelas do paço da cidade.  O triunfo alcançado pelas sumidades fomentou novas ambições e sucessivamente foram surgindo e também morrendo, a União Veneziana, os Zuavos, o Congresso das Damas e a Boêmia, precursores das nossas Democráticos, Fenianos e Tenentes do Diabo.

Ilustração, Revista Kosmos, 1907, sem indicação de autor.

Edouard Manet, o grande pintor francês, mas então um modesto rapazinho que em curso de marinhagem em 1849, a bordo do navio escola Hâvre e Guadaloupe, passou algumas semanas entre nós, em carta à mãe, transmite as suas impressões do carnaval no Rio.  Fala nas brasileiras que se postavam à porta ou à janela de suas casas para atirarem nos transeuntes “bombas de cera de todas cores, cheias d’água, e que aqui chamam limons”.  Ele mesmo tomou parte na brincadeira.  Vítima de vários ataques, viu-se na obrigação de revidá-los e, ao fim da tarde, também distribuía limões para um lado e outro. Participou ainda de um baile à fantasia, que lhe lembrou os da Ópera, de Paris.

O carnaval, festa tão de gosto do carioca e durante a qual tanto se expandia a alma coletiva da cidade – falo no passado porque, de uns anos para cá, por uma série de motivos, é patente o seu declínio, pelo menos como manifestação popular –, o carnaval dizemos nós, também sofre os caprichos da moda.  Das fantasia que fizeram época e que pululavam nas nossas ruas durante os três dias de folia, hoje ninguém mais fala.  É verdade que algumas foram condenadas pela polícia.  Outras, porém, morreram de morte natural.  Se temos os diabinhos, os burros-doutores, o Pai-João, o Velho, o Morcego, a Morte, o Princês, o Mandarim e o Rajá.  Os dominós, já não tinham razão de ser, depois que foi vedado o uso das máscaras.  Índios também rarearam, pelo menos aqueles de apito à boca e penas de espanador à cintura, que faziam letras na frente dos cordões. Em compensação a cidade encheu-se de apaches e gigoletes, pierrôs e colombinas, de malandros e de baianas, e muito homem se meteu em saias e muita mulher enfiou calça.

Foto: www.muraldenoticias.com.br

Desapareceram os cri-cris e as línguas-de-sogra substituídos pelo reco-reco e a cuíca. O jorro frouxo da bisnaga de cheiro recuou diante do jato fino do lança-perfume, — aquele lança-perfume que no dizer rebuscado de Alberto Faria, o das Aérides, é “etérea língua de Áspide Aromal, a por subtâneos arrepios no colo de sedutoras Cleópatras ou de castas Lindóias”.

O Zé-Pereira já não azucrina mais ou ouvidos de ninguém.  Abafaram-no as marchinhas e os sambas.  Segundo Vieira Fazenda, que ainda o conheceu, quem primeiro trouxe para a rua, em grande algazarra, o zabumba dos bombos e o rufo dos tambores, foi um sapateiro português, que tinha oficina na rua S. José e era um folião de marca.

O nome Zé-Pereira explicar-se-ia de dois modos: ou porque o bombo assim designassem em Portugal; ou porque houvessem alterado de Nogueira para Pereira um dos nomes do inventor.  O homem chamava-se José Nogueira de Azevedo.

Ângelo Agostini, O entrudo, rua do Ouvidor, 1884 [DETALHE]

Até os préstitos das sociedades carnavalescas também muito perderam do seu prestígio. Onde aquelas tardes triunfais de terça-feira gorda em que o sonido ainda apagado dos clarins ou um vago clarão de fogos de bengala ao longe anunciavam a entrada na rua do Ouvidor ou na rua Uruguaiana da fantasmagoria ofuscante que era a passagem dos Democráticos ou dos Tenentes? Sumiram-se, por completo, os carros de crítica.  Provavelmente porque governos perfeitos demais, já não dão motivo a censuras.  Até os carros alegóricos perderam aquele fascínio antigo, quando aos olhos do populacho eram como páramos encantados e jardins edênicos. Templos gregos e pagodes chineses. Divindades olímpicas e sereias do reino de Anfitrite.  Árvore vergando ao peso de mulheres quase nuas.  Rosas que se abriam para mostrar borboletas de peito farto e coxas roliças.  Ninfas bem afrescata que fugiam ao abraço de algum fauno. Bacantes de carnadura provocante equilibradas na borda de uma taça…  Para todas essas criaturas, tiradas quase sempre ao meretrício barato, esse dia do desfile era um dia de glória, o dia da consagração definitiva.  E havia razão para isto.  Ao Zé-povinho que se extasiava à beira das calçadas, dando-lhes palmas em troca dos beijos que elas distribuíam para um lado e outro, todas se afigurariam beldades alucinantes ou huris de um paraíso inaccessível.

Não suponha o leitor que, elogiando esses préstitos de antanho, lhes emprestemos qualquer qualidade artística ou mera manifestação de bom gosto. Longe disso.  Oxalá pudéssemos ter tido aqui alguns carnavais da Florença dos Médicis, quando o próprio Lourenço o Magnífico trabalhava o verso das canções populares e artistas como Andrea del Sarto e Cronaca se encarregavam de planejar os arcos triunfais e modelar a máscara dos foliões. A passeata das nossas Sociedades perdeu muito do seu esplendor fictício – mas ainda assim esplendor – porque outra é a cidade de ruas largas e claras, à noite sob a fulguração dos anúncios a gás neon, e outra é a mentalidade de sua população, agora de olhos permanentemente abertos para o grande mundo, através das visões cinematográficas.

Em: A aparência do Rio de Janeiro, Gastão Cruls, Rio de Janeiro, José Olympio: 1949 [Coleção Documentos Brasileiros], volume 2.pp. 405-410.





12 de outubro — aniversário do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro

12 10 2011

O morro do Corcovado com a estátua do Cristo Redentor — que hoje faz 80 anos — é uma recordação onipresente na memória carioca!

Cristo Redentor, visto da Gávea, 2011.

Cristo Redentor, visto da Enseada de Botafogo, com a praia de Botafogo na linha do horizonte, 2007.

Cristo Redentor, vist0 da praia do Leme, 2006.

Cristo Redentor visto do Jardim de Alá, foto de 2006.

Cristo Redentor, visto da Praia Vermelha, 2007.

 

Parabéns Rio de Janeiro por abrigar uma das 7 maravilhas do mundo moderno!