No cinema, um romance epistolar indiano que encanta: “The Lunchbox”

27 03 2014

Christine Comyn -- contemplaçãoContemplação

Christine Comyn (Bélgica, 1957)

Aquarela sobre papel

Em 2008 quando terminei a leitura de A Trégua de Mário Benedetti sabia que havia lido um romance que me afetara profundamente. Mas não tinha imaginado que de quando em quando, me lembraria dessa obra pequenina e potente do escritor uruguaio.  Hoje, passados seis anos, sua presença ainda se faz sentir.  Sábado, quando saí do cinema depois de ver o filme indiano The Lunchbox, quase imediatamente me lembrei dos pequeninos capítulos, quase parágrafos únicos, verdadeiras pedras preciosas de sutileza, que compõem  A Trégua, fazendo do romance a joia rara que me encantou.

Há inúmeros paralelos entre o filme indiano e o romance uruguaio. Ambos são brilhantes. São sutis nas emoções que revelam. E tratam de ritos de passagem.  Em geral usamos esse termo para descrever a literatura centrada em um adolescente que por uma determinada aventura se torna adulto, como no livro de J. D. Salinger, O apanhador no campo de centeio. Mas aqui trata-se de homens adultos à beira da aposentadoria, que por motivos diversos se encontram em situações semelhantes, capazes, talvez, de reencontrar o gosto pela vida. Em ambas as obras, mesmo que por diferentes meios, a sutileza dos sentimentos é tocante.

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Em meio a pilhas de papéis nas mesas dos escritórios, vivendo em um estado quase mecânico, em total solidão, os personagens principais do livro e do filme passam pela vida quase desapercebidos, resignados, incapazes de reivindicar uma existência melhor.  Competentes, mas com suas vidas sem brilho.  E eis que por uma pequena intervenção do destino um raio de luz passa por uma porta entreaberta trazendo a possibilidade de outra vida.  Talvez.  A narrativa em ambos os casos é por meio de elipses, no texto são as entradas no diário de Martín Santomé; no filme são os recados deixados por Irrfan Khan no papel de Saajan Fernandez. Irmãos na delicadeza dos sentimentos, na sutileza da narrativa essas duas obras primas dificilmente são esquecidas.

No filme a extraordinária interpretação de Irrfan Khan, que preenche o seu papel com uma simples mudança no olhar precisa ser ressaltada. E a beleza de Nimrat Kaur, um boa atriz com certeza, não pode ser ignorada. Um belíssimo filme,  poesia em imagens.  Se tiver a oportunidade, não perca.





Uma história, duas versões, uma experiência rica e inesquecível

14 03 2014

KAWASE HASUI (1883 - 1957) - RAIN AT SHINAGAWA (Tokyo) , Woodcut, 1931.Chuva no Shinagawa, Tóquio, 1931

Kawase Hasui (Japão, 1883-1957)

Xilogravura policromada

Às vezes o acaso nos traz experiências interessantes. Tudo o que se precisa é ter o bom-senso de abrir as portas ao que acontece.  Há quatro semanas saí de casa para ir ao cinema.  Gosto muito de cinema, mas não me consideraria uma conhecedora profunda.  Nada além de ir regularmente ver a grande tela.  Há semanas que merecem mais de um filme.  Há semanas como a do Carnaval no Rio de Janeiro que merecem seis ou sete filmes!  Pois eu havia lido no jornal uma resenha muito interessante de um filme japonês. Gosto muito dos filmes orientais: japoneses, chineses e indianos. Gosto de me expor a outras estéticas.  Sempre que possível  vou atrás de filmes produzidos em lugares exóticos.  Como sou uma pessoa meio distraída, daquelas que faz uma coisa pensando em outra, que nunca sabe bem onde colocou o telefone celular e tem que telefonar do fixo para o seu próprio celular para achá-lo, saí de casa e fui ver o filme japonês sem prestar muita atenção à lista do jornal.

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Era uma vez em Tóquio foi o filme que vi.  Não era o filme que eu imaginava ir ver. Cópia antiga, restaurada. Preto e branco. Tela pequena e uma história fascinante de um Japão pós-guerra, aparecendo ainda  conservador, diferente do Japão que conhecemos hoje, moderno, produzindo bens que nos seduzem. Homens e mulheres  em trajes tradicionais, cenas de natureza bucólica. A história é sensível.  Reflete as mudanças no Novo Japão de pós-guerra.  Filhos que saem de casa, de pequenos vilarejos e vão para Tóquio. Chegando lá transformam-se.  Casam-se, formam famílias e na procura pela sobrevivência nessa nova ordem social, não têm mais tempo para os pais. É um filme belíssimo, de grande sensibilidade na caracterização dos personagens, antiquado mas com uma magnífica fotografia. Dirigido por Yasujiro Osur o filme foi votado como melhor filme de todos os tempos numa pesquisa do British Film Institute com 358 diretores de todo o mundo. Se é ou foi “o melhor filme de todos os tempos”, não posso dizer, porque não tenho conhecimento para isso. Mas fiquei bastante impressionada e feliz de tê-lo conhecido.

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Passados cinco dias me encontro em outra parte da cidade vendo o filme que tinha a intenção de ver originalmente, Era uma vez em Tóquio.  Tenho uma memória visual bastante boa, graças à minha profissão. É assim que historiadores da arte fazem associações entre artistas e suas obras.  Logo na primeira cena eu notei que estava vendo o mesmo filme. [A primeira cena tem uma alusão direta ao filme original no posicionamento da câmera]. Mas dessa vez o filme era a cores e em um Japão moderno.  Chamava-se agora, Uma família em Tóquio. Dirigido por Yôji Yamada, é uma refilmagem do anterior, celebrando o que Yasujiro Ozu fizera em 1953. E foi uma experiência extraordinária.  Foram duas horas encantadoras em que pude apreciar muito mais do que o filme, mais do que sua fotografia, do que o roteiro.  Pude rever a história de novo, perceber as mudanças feitas,os detalhes e relembrar os ângulos de onde as cenas haviam sido filmadas.  Não me lembro de ter tido uma experiência tão rica ou gratificante no cinema anteriormente.

Para quem se interessa em classificar, em ordenar o mundo, vou frustrá-los porque não consigo me decidir sobre a versão de que mais gosto. O filme de 2013 mostra um Japão bem mais descontraído, mais moderno.  No entanto sua paisagem permanece singularmente bucólica e as tradições familiares, ainda que tenham sofrido mudanças, parecem requerer o mesmo grau de sensibilidade no trato.  As situações estão adaptadas, há mudanças em alguns personagens, há outro que aparece, mas não senti nenhuma perda emocional com o que foi engendrado para a versão moderna. Psicologicamente o filme é fiel à primeira versão.  Estou acostumada a ver filmes baseados em romances. Vez por outra vejo refilmagens.  Recentemente vi a refilmagem de Cape Fear (1991), na televisão.  Mas não conhecia a primeira filmagem de 1962. Não me interessou.  Achei teatral demais.  Parte do que me seduziu nessa “experiência japonesa”, foi justamente não conhecer o primeiro filme e depois de cinco dias ver o segundo. Com a facilidade que temos hoje, pela internet, e se você é curioso sobre cinema, recomendo fazer o download desses dois filmes e vê-los em ordem. Acredito que venha a ser uma experiência inesquecível.





O funeral americano: guia para o filme “Álbum de família”

1 02 2014

Charles Sprague Pearce - A Village Funeral in BrittanyUm funeral em aldeia da Bretanha, 1891

Charles Sprague Pearce (EUA, 1851-1914)

óleo sobre tela

Danforth Art Museum, Massachusetts

Quando o pintor americano Charles Sprague Pearce dedicou a tela acima a um funeral em um aldeia francesa no final do século XIX, ele se manteve fiel à pintura de gênero, mostrando, a quem observasse sua tela, a maneira diferente dos franceses na despedida de um ser querido. Rituais de nascimento, morte, casamento, diferem muito de cultura para cultura. E se analisados podem refletir valores culturais que não são vistos pelo turista ou até mesmo o residente estrangeiro inserido naquela cultura, se este não estiver ligado por laços familiares ao local onde vive.

Fui ver recentemente o filme americano Álbum de família [August: Osage County]. Gostei muito, mas essa não é uma postagem sobre o filme. É uma postagem sobre os rituais da morte nos Estados Unidos, porque muitas das pessoas com quem conversei depois do filme mostraram surpresa e acharam o filme anacrônico, quanto aos hábitos do luto, maneiras culturais tão diferentes aqui no Brasil.

Primeiro é preciso levar em conta duas coisas que esquecemos com facilidade. Os Estados Unidos não são Nova York, Miami e Los Angeles.  Esse é um país de pequenas e médias cidades.  A população não tem a nossa ambição de morar em grandes centros.  A maioria dos americanos está muito feliz em morar longe das grandes metrópoles.  E não deseja a mudança.  Grandes cidades no país são tão estrangeiras para a maioria dos americanos quanto elas parecem a nós brasileiros que visitamos o país. Se colocarmos em números poderemos apreciar melhor.  O país tem hoje cerca de 315.000.000 – trezentos e quinze milhões de habitantes. Somando-se a população das três cidades que mencionei acima, as mais visitadas por nós, brasileiros, teremos: Nova York, em 2013, 8.333.000; Miami em 2010, 400,000; Los Angeles, em 2013, 3.862.000 – Total: 12. 595.000 – vamos então adicionar mais 25% para contabilizar subúrbios e outras áreas que contam como área urbana: 15. 744.000 (arredondando). Isso não chega a 5 % da população americana. 5% na minha matemática ainda é minoria.  Então qualquer experiência fora do ordinário nos hábitos culturais nesses locais não deve ser acolhida como a “verdade” americana.  Com essa barreira fora do caminho, voltemos ao processo funerário nos EUA.

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Funeral na aldeia, 1872

Frank Holl (Inglaterra, 1845-1888)

óleo sobre tela

Leeds City Art Gallery, Inglaterra

As ondas de imigrantes europeus aportando nos Estados Unidos durante o século XIX e início do século XX trouxeram homens e mulheres com uma grande preocupação — ter aquilo que lhes era negado ou difícil de obter em seus países de origem: um pedaço de terra onde pudessem plantar, colher e criar uma família, sem fome e sem pobreza.O país foi colonizado com esse sonho e por isso mesmo desde o início do assentamento, famílias foram se espalhando pelo país, pelas planícies e planaltos centrais, até chegarem à costa oeste no final do século XIX. As famílias extensas, ou seja, irmãos, tios, primos, todos os que para lá emigraram poderiam até no início permanecer no mesmo povoamento, mas à medida que oportunidades se abriam em outros lugares, pequenos núcleos familiares se mudavam cada vez para lugares mais distantes em busca do seu sustento digno. Como a entrega de cartas e pacotes já funcionava bem desde o século XVII, as famílias se mantinham em contato por cartas. Um país protestante leva vantagem quanto a alfabetização de sua população, já que a própria igreja incentiva o aprendizado, por achar imprescindível a leitura da Bíblia. Assim todos se comunicavam e sabiam dos nascimentos, dos casamentos, das mortes. Quando as estradas melhoraram, fortaleceram-se também os laços familiares. E os parentes começaram a se visitar pelo menos uma vez por ano.

Quando as povoações no meio do país, distante de tudo e todos viraram pequenos centros urbanos, já no início do século XX, cresceu também a ideia da reunião familiar para o enterro de um ente querido.  Fomentada pela indústria funerária que popularizou a arte de embalsamar como uma das maneiras de se manter o defunto em boa preservação por alguns dias, a prática tornou-se padrão em solo americano.  O ato de embalsamar, ainda que dispendioso, foi aceito pela maioria americana por fornecer a solução para um problema: como reunir a família para um enterro se seus membros moram em partes distantes de um país de tamanho colossal?   Ganharam todos: a indústria funerária por poder vender um serviço caro; e as famílias por poderem se reunir no momento de dor e fragilidade emocional. Mas isso acarreta outros problemas: como acomodar tantos parentes?  Como alimentar tanta gente? Como membros da família que não se falam se comportarão naquela ocasião de estresse emocional para todos?

Como é comum nos EUA, a solução veio com a comunidade.  Vizinhos se aprumam e recebem em suas casas qualquer excedente dos parentes da família em luto.  Preparam os pratos da culinária americana diária e os levam à casa do falecido.  Muitas vezes se a família tem laços com a igreja ou o templo local, algumas dessas tarefas são exercidas pela comunidade religiosa. Não é para uma festa, como já ouvi muitos interpretarem, a reunião familiar com comes e bebes.  É uma ocasião séria com comidas que aliviam a família e seus membros de terem que se preocupar com as tarefas do dia a dia, entre elas,  a alimentação de todos: crianças, adultos, idosos, que se deslocaram para participar do enterro. Tive algumas experiências pessoais e posso afirmar que o sistema funciona.

800px-Erik_Werenskiold_(1855-1938)2O funeral do camponês, 1885

Erik Werenskiold (Noruega, 1855-1938)

óleo sobre tela.

Meu pai morreu em minha casa nos Estados Unidos, dois dias depois do Natal, enquanto me visitava: ataque cardíaco. Minha mãe não falava inglês. A série de tarefas burocráticas para trazer o corpo para o Brasil e enterrá-lo no Rio de Janeiro era grande  – muitas resolvidas  pela casa funerária.  Mas levou tempo.  Minha mãe insistia em ir a uma missa.  Eu não morava numa cidade conhecida por ter uma população católica significativa.  Contra a vontade de mamãe, que não podia fazer nada, esperamos dois dias para podermos ir a uma missa em espanhol.  Frustração ainda maior para minha mãe. A igreja não parecia uma igreja católica, não tinha santos.  Tensão entre mãe e filha bem alta.  Ela não aceitava a realidade e eu não podia fazer as coisas diferentes. Nesse meio tempo, seguindo os hábitos americanos de praxe, meus sogros que já eram bem idosos e moravam a duas horas de viagem, vindos do leste chegaram para nos confortar.  Meu cunhado e sua esposa, vindos de outra cidade a duas horas de viagem a oeste, também vieram. Ninguém falava português a não ser eu e minha mãe. A tradução simultânea de condolências e de perguntas e respostas está entre as muitas situações de estresse desse momento. Eu não era religiosa, nem meu marido. O apoio dos membros da igreja, tradicional nessas horas, não existia. Mas… eu tinha duas grandes amigas americanas, que saíram de suas cidades, uma a cinco horas de viagem, a outra a três horas e passaram os quatro dias seguintes ao falecimento de meu pai, comigo.  Dormiram em sacos de dormir no chão da minha sala e cozinharam, limparam a casa, fizeram café da manhã, almoço, jantar… Sem M.E. e Nancy, amigas de longa data, colegas de pós graduação, mestrado, de viagens e de bagunça, sem elas, minha situação teria sido muito, mas muito mais extenuante.  Quando eu, meu marido e minha mãe embarcamos para o Rio de Janeiro, 4 dias depois, eu só estava inteira por conta delas. Esta solidariedade americana sempre me impressionou.

Quando meu sogro faleceu seis anos depois, tive contato mais próximo com os hábitos americanos. Ele era muito conhecido onde morava. Não só era membro ativo da Igreja Presbiteriana, como havia sido Superintendente das Escolas do governo, primárias e secundárias, no condado.  Quando o conheci era um senhor de bastante idade, meu marido sendo o caçula da família.  Meu sogro vivia às voltas com livros e manuscritos em sua vasta biblioteca particular.  Com um mestrado em história, fazia jus à vocação publicando e escrevendo livros da história local. Por isso mesmo era muito conhecido e conectado. Quando faleceu, meu marido e eu éramos os membros da família fisicamente mais próximos e cobrimos as duas horas de viagem de carro num relâmpago,  para tomarmos as rédeas da situação.  Meus cunhados moravam mais longe e quando chegaram já havíamos resolvido a maioria do que seria necessário resolver – e diga-se de passagem, minha sogra muito colaborou para isso, apoiada nas inúmeras amizades do bairro em que morava e da igreja onde era ativa participante.  Meu sogro tinha 7 irmãos. Minha sogra era uma de 6 irmãos. Mesmo eliminando os irmãos que já haviam falecido são famílias grandes. O enterro foi marcado para o sábado seguinte. Não me lembro do dia da semana em que ele faleceu, mas foi no início da semana: possivelmente uma terça-feira.  E a família começou a chegar. Todos os irmãos com 70- 80 ou mais anos, suas esposas, seus filhos, seus netos. Vinham de outras cidades no mesmo estado, de cidades nos estados vizinhos e de estados mais distantes.  A casa de dois andares espaçosa não conseguia abrigar a todos.  Todos ficaram em hotéis.  E a comida começou a chegar. Pratos e pratos de sanduíches, de galinha assada, de salada de repolho, frutas, pães, bolinhos, [cupcakes (da tradição americana, não essas imitações elucubradas da culinária da moda)] frutas, frutas e frutas, leite, caixas de cereais para a refeição matinal.  Duas senhoras vizinhas vieram ajudar a organizar, uma diarista que não sei quem contratou limpou a casa, trocou os  lençóis das camas…  Todas as mulheres entravam e saíam da cozinha de minha sogra com desenvoltura, lavando um prato, servindo suco, oferecendo um café, um chá gelado, algo para saciar a sede. Tudo o que poderíamos imaginar para o conforto dos enlutados chegou como que por milagre às mesas da cozinha, da copa e da sala de jantar. Meu papel nessa ocasião foi a de organizadora da logística. Conheci muitos parentes de meu marido que não havia tido a oportunidade de conhecer antes. E é inevitável: com dois, três ou quatro dias de convivência começam as pequenas fofocas, as grandes reconciliações, os eventos que mudarão o cenário da família daí por diante.  Porque a própria morte de um dos patriarcas, nesse caso, já traz consigo, impregnada, as mudanças na família.  Quando  sexta-feira chegou, e havia a visita oficial ao falecido na casa funerária, marcada para ter início às 17 horas, estávamos todos lá.  Sim, de luto, de preto, os homens de terno e gravata escuros, camisas brancas, também os adolescentes vestidos assim; as mulheres com roupas sóbrias, tailleurs. Meias finas qualquer que seja o calor lá fora. Sem chapéu.  Chapéu só para eventos até o por do sol, à noitinha, nunca.  Conversa-se muito nessa ocasião, sobriamente, aos sussurros. Com respeito. Nenhuma gargalhada, ou piada. O corpo está presente. Ninguém fica muito tempo. Mas há um livro para assinaturas que a família levará para casa como lembrança daqueles que se preocuparam em ir. É triste, circunspecto e solene.

Leon Frederic-633758A ceia após o funeral, 1886

Léon Frederic (Bélgica, 1856-1940)

óleo sobre tela

O filme Álbum de família se concentra no período após o enterro, que no caso de meu sogro foi na manhã seguinte.  A esta altura todos os participantes já estão no local.  Em qualquer cidade de tamanho médio ou menor os cemitérios costumam estar localizados fora do perímetro urbano e uma caravana de carros uns atrás dos outros, com seus faróis acesos, sai da igreja onde o serviço religioso foi presenciado por toda a família e pelas pessoas que irão ao cemitério.  A tradição dos carros irem com seus faróis acesos para que ninguém interrompa a caravana, em geral encabeçada e finalizada por carros de polícia foi norma em todos os estados em que morei, mas não posso confirmar que seja costume no país inteiro. Tem muito a ver com o trânsito.  Mas onde morei chega a fazer parte das perguntas na prova escrita para a carteira de motorista.  Você não deve interromper uma dessas caravanas encabeçadas pelo carro fúnebre, liderado pela polícia, que segue em direção ao cemitério.  Depois da breve cerimônia do enterro, ainda com todos os presentes vestidos de negro, homens de paletó e gravata, mulheres em luto com ou sem chapéu, todos saem em direção à casa da família enlutada. E aí participam da última ceia que farão juntos.  Todos ainda com seus ternos escuros que não tiram nem para aliviar o calor.  No cinema com uma amiga carioca ouvi sua surpresa quando no filme Meryl Streep pede aos homens presentes que coloquem de volta seus paletós parar sentar à mesa e rezar antes da refeição.  Tal pedido teria sido apropriado à minha sogra, caso tivesse havido na família alguém com coragem de desafiar as regras do jogo. Mas como ninguém queria aborrecê-la, não houve a ocasião retratada no filme. Este talvez seja o momento de maior tensão no funeral americano. Todos já estão prontos para sair, para voltar às suas vidas normais, longe dali. Minha sogra, sabendo que provavelmente muito tempo passaria antes de voltar a ver a sobrinha que mora em outro estado, o irmão que está com a saúde fraca, e assim por diante, prolonga o almoço e começa a distribuir algumas lembranças do falecido.  “Fulano, você sempre gostou dessa cadeira de balanço, aproveite que está de carro e ponha-a na mala, E.,  gostaria que você a tivesse”;  “Sicrano, olha só,  a coleção de livros “Harvard Classics” leve para casa, seus filhos podem usá-la”… e assim segue.  É o lado prático que vem à tona.  A família não sabe quando se encontrará de novo assim com todos os membros, e é preciso aproveitar a presença de todos.  Até porque, é preciso que todos entendam o que foi dado a quem e quando.  Diversos dias já se passaram desde a morte. Já houve tempo para os laços familiares se reafirmarem, quem gosta de quem e de quem não se gosta.  É hora de selar as preferências.  Não sei se todas as famílias são assim, mas algo semelhante certamente ocorre. Há um acerto familiar.  E é justamente nestes dias pós-morte que a tensão do filme se desenrola.  Há muito tempo não vejo um filme tão realista sobre a vida americana.  Vale lembrar no entanto que esta é uma família com sérios problemas emocionais que não se repetem na maioria das famílias americanas.  Álbum de família mostra como, talvez pela própria tensão, este momento pode trazer uma grande catarse para aqueles a quem a morte tocou de perto.





Rio de Janeiro, parabéns! 447 anos!

1 03 2012

Hoje recebi um email de uma amiga que continha essa jóia.  Um filme do Carnaval do Rio de Janeiro em 1954. E só foi lançado em 1955. É americano.  As imagens são de excelente qualidade.  E o comentarista se mostra incrédulo com a alegria das festividades dos três dias de folia.  Posto aqui o vídeo para que fique registrado um pouquinho do espírito carioca,






Um senhor documentário: A FAMÍLIA BRAZ

21 07 2011

Tempo de férias.   Ainda bem que fazemos coisas diferentes e fora do hábito comum.  Neste período de julho, estou curtindo férias na minha cidade, dando uma chance de me recarregar saindo quase todos os dias para fazer coisas de que gosto nos horários mais diversos.  Estou com a agenda cheia.  Muito mais cheia do que esperava.  Há muito que fazer, que ver, que compartilhar.  E os amigos, sabendo dessa abertura, estão telefonando, batendo à porta.  Um prazer!  Será que me acostumo a rotina de sempre, mais tarde?

Entre as surpresas dessa temporada o está o maravilhoso documentário A Família Braz: dois tempos, de Arthur Fontes e Dorrit Harazin,  eleito o Melhor Filme no festival de cinema É Tudo Verdade.  O filme retrata uma família que mora em Brasilândia, na periferia de São Paulo.  Um casal e seus quatro filhos.  Esse retrato é feito em 2 épocas diferentes com 10 anos de intervalo.  Por causa disso criamos uma afinidade com cada um dos retratados, já que somos apresentados aos seus sonhos e desejos do passado e a realidade em 2010.   Poderia ter sido uma experiência desastrosa…  Mas, ao contrário, é uma experiência maravilhosa, ver como cada um deles conseguiu ir muito além do que esperava…

A família, que poderia se considerar de classe média baixa, com o pai trabalhando sem carteira assinada como bombeiro hidráulico e a mãe dona de casa, é composta de 4 filhos, que no primeiro retrato estavam entre 14 e 24 anos.  Hoje, bem estabelecida na classe média paulistana, está a caminho de sonhos muito maiores do que aqueles imaginados em 2000.  As conquistas – de todos – são o resultado de muito esforço, de muito estudo e trabalho.  Mas são evidentes.  E é um prazer acompanhá-los.

Sem cunho político – o que é um alívio – o documentário mostra o Brasil que queremos ter.  Se você está precisando daquela força para acreditar que tudo vai dar certo.  Se a sua confiança no futuro desse país está num momento de fragilidade – e todos nós temos isso, porque não faltam razões – vá assistir a esse documentário.  Tenho certeza de que você voltará para casa com as suas energias renovadas.





Precisa financiar o seu projeto artístico? Veja!

22 02 2011

Multidão from MULTIDAO on Vimeo.





Um filme, um sonho holográfico…

11 01 2011



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Há alguns dias falei aqui do progresso da holografia — postagem sobre o´símbolo das Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro. Acho próprio que se mantenha o tópico bem vivo. Acredito que vocês vão gostar desse vídeo.





Uma viagem por 1905: veja como era a vida cem anos atrás!

8 01 2011



Coloco aqui, hoje,  a título de ilustração,  o vídeo feito de um filme em 1905, na Market Street, em São Francisco, no estado da Califórnia, nos Estados Unidos.  Mais de dois milhões de pessoas já o viram.  Uma  câmera  estava  presa ao bonde. Este vai a uma baixa velocidade mas  não para.  Muito do que é  visto nestes minutos de filmagem foi destruído no ano seguinte, com o grande terremoto de 1906.  É excelente documento da vida nos primeiros anos do século XX.  Cem anos já se passaram desde a tomada dessas cenas.  No entanto, o comportamento das pessoas parece semelhante ao que vemos hoje em muitos lugares.  Há os que “desafiam” o bonde, os que se arriscam.  Provavelmente, nem havia Leis de Trânsito, que era caótico com a convivência, não tão harmoniosa, entre pedestres, bicicletas, charretes, automóveis, cable car, bondes, etc.  Pouquíssimas mulheres são vistas.  É surpreendente a quantidade de automóveis que já existia àquela época e quantas imprudências se cometia. Observem que os bondes que cruzam a rua já possuem tração elétrica!   No final da rua, existe um prédio que está lá até hoje, pois trata-se do terminal de passageiros da Baía de San Francisco. 

A música de fundo é a primeira faixa do Air’s Moon Safari.  O filme original, tinha aquela rapidez dos filmes antigos.  Foi retardado para retratar um ritmo mais realista. 

 Boa Viagem!





A ficção cientifica no cinema

17 10 2010
Cascão lê notícias no jornal sobre discos voadores, ilustração Maurício de Sousa.

Li hoje m artigo interessante no Booksblog, do jornal inglês The Guardian, que  me levou a pensar sobre os melhores filmes de ficção científica de Hollywood.  A postagem, na verdade, se refere à incapacidade das companhias cinematográficas baseadas em Hollywood de fazerem um filme de ficção científica cuja qualidade possamos considerar perene.   

A premissa é de que a ficção científica é um gênero baseado em idéias.  E que se um filme tem sucesso é porque seu argumento foi capaz de preservar o essencial de cada elemento do gênero. O autor menciona só dois filmes com as qualidades necessárias:  2001 Odisséia no espaço, de Stanley Kubrick  lançado em 19  e Blade Runner: o caçador de andróides, de Ridley Scott, de 1982.

Assim, 2001 teria trazido para a tela algo que pressentimos ser verdade, ao retratar a evolução da existência humana do tempo em que éramos um pouco mais do que grandes macacos até nosso destino intergaláctico retratado no final.  Nosso momento atual é o próprio período de transição.  Por isso o filme nos cala, porque sentimos que nele há algo de verdadeiro.

Por outro lado, em Blade Runner,mostra uma outra realidade que nos toca como intrinsecamente verdadeira  e é projetada na habilidade que nós humanos temos de desumanizar nossos semelhantes quando nos convém.  Sabemos que isso é verdadeiro, temos exemplos todos os dias ao nosso redor que comprovam essa ser uma característica nossa, de seres humanos.

Foto, Contatos Imediatos de Terceiro Grau.

Além dessas observações, concordo com muitos dos outros pontos do argumento.  Gosto particularmente da lembrança de que a ficção científica é um gênero de idéias.  Como tal é um gênero bastante abstrato e quando projetado em imagens pode facilmente parecer pobre em contraste com as nossas imaginações; limitado aos recursos de época, a não ser que sua linha principal repercuta no nosso âmago mais recôndito, como verdades nossas de seres humanos.  É justamente aí que a agulha da balança pesa para um lado ou para o outro quando julgamos filmes de ficção científica que fossem significativos em qualquer época para qualquer geração. E é muito difícil esta balança pesar mais para o lado universal dos nossos sentimentos e daquilo que sabemos ser verdadeiro, quando nos encontramos face a face com uma realidade desconhecida de todos nós, como é mundo sci-fi.

Mas eu gostaria de adicionar um outro  filme que acredito ter os requisitos para se perpetuar:  Contatos Imediatos de Terceiro Grau, de Steven Spielberg , lançado em 1977.  Por quê?  Porque também me parece trazer aquelas características que consideramos perenes:  a nossa curiosidade – sem ela não teríamos chegado ao nivel que chegamos na nossa evolução.  E também, o conhecimento intrínseco  que temos, lá nas profundezas de nossos seres, que as chances de sermos o único lugar com vida no universo são pequenas, muito pequenas. Quase inexistentes.  Sabemos, também, que iremos de alguma forma, algum dia,  nos comunicar com estes outros seres, quer de maneira inteligível, quer através de uma comunicação à base de trocas de celulas ou de DNA.  A genialidade do argumeto de Spielberg foi associar essa comunicação a um nivel de grande abstração como o  som, a música. Impossível de ser limitado e de ser descrito de alguma outra forma. 

Então, para ter longa vida a ficção científica no cinema tem que mostrar uma verdade intrínseca nossa, de seres humanos, que repercuta nas nossas almas, e mais ainda, que sua representação não limite a  nossa imaginação, mas ao contrário que nos faça expandi-las.

E você, o que pensa?





FERIADÃO: hora de ver Gesto Obsceno

6 09 2009

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Não sou dada a filmes violentos.  Em geral nem me atrevo a ir ver algum filme que tenha fama de violento.  Gesto Obsceno, que trata da violência, é um filme que assisti com muito prazer, sem ficar arrepiada.  É um filme muito, muito bom, em que a violência mostrada, não é nem maior nem menor do que a que sofremos no dia a dia de qualquer grande cidade, considerando as diferenças culturais de cada país.

Esta é uma história sobre a violência, sobre o ser humano.  É um thriller, que me deixou na beira da poltrona, tensa, e desejosa de vingança.  Talvez, este filme tenha sido até mais potente na sua mensagem sobre a violência a que nós todos nos acostumamos, porque retrata pessoas como a audiência, pessoas comuns.  Se não é um retrato de nossa família, são certamente pessoas parecidíssimas com as que conhecemos.  Gente que trabalha, frustrada com o trabalho, com a vida, limitada por dinheiro e por espaço para viver, com seus pequenos rituais de prazer e grandes frustrações familiares e burocráticas. 

 

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O enredo é extremamente simples: um casal arrumando algumas compras no carro, congestiona o trânsito.  Atrás, um outro carro espera. Impaciente, o motorista reclama e buzina muito.  A mulher perde a paciência com o motorista reclamão e faz um gesto obsceno.  Furioso ele avança, quase a atropela e arranca a porta do carro, que estava aberta, para o meio da rua. Daí por diante começa o pesadelo de Michael Klienhouse (Gal Zaid), o marido. Ele, que havia deixado de trabalhar para escrever um livro, que vivia uma pacata, desesperada, frustrante vida, tem então que procurar o dono do carro infrator para que seu seguro pague pelo estrago.  

Inesperadamente, Michael se vê num emaranhado burocrático da polícia.  Que por seu turno é semelhante ao emaranhado burocrático em que sua mãe se encontra sobre o espólio do marido.  O mundo não faz o menor sentido para ele, nem para sua esposa.  Esse homem comum, que até então só armazenava frustrações, começa a tomar decisões que o levam a solucionar problemas por suas próprias mãos.  

Há diversos níveis de violência na vida desses cidadãos.  Desde a briga entre meninos na escola, até as notícias de ataques suicidas pela televisão, passando é claro – tratando-se de Israel – pelos alarmes de defesa civil, que pontuam a semana em que o Holocausto é lembrado.  

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A identificação da platéia com Michael cresce à medida que se entende que, por trás dessa aparência de bobão, há um homem muito esperto e capaz.  Há também um homem correto, honesto.  Um homem que ama seu filho.  E também, um homem que, apesar das tentações, mantém-se fiel ao casamento.  Enfim, um homem de família, que obedece aos costumes, as tradições.  Um tipo que, por aqui, conhecemos bem: o cara que para no sinal vermelho, que paga suas contas, que vive dentro de suas possibilidades e por isso mesmo precisa ser respeitado.  

É bom frisar que em nenhum momento há uma apologia da violência, nem um comentário contra a violência.  Este é um filme de  constatação.  E mostra como alguns podem vir a reagir quando submetidos ao seu terror.

E como um bom thriller, o final é catártico.  Vale a pena!  Não é à toa que este filme ganhou alguns prêmios. Gesto Obsceno levou a Menção Especial e Prêmio da Crítica Festival de Miami 2008, ganhou o prêmio de Melhor Filme Israelense Festival de Haifa 2006 e foi indicado a 5 Prêmios pela Academia de Cinema de Israel, incluindo: Melhor Direção, Ator (Gal Zaid), Atriz (Keren Mor) e Ator Coadjuvante (Asher Tzarfati).

 

Recomendadíssimo!

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FICHA TÉCNICA

 

Diretor: Tzahi Grad

Elenco: Ya’ackov Ayali, Ania Bukstein, Tal Grushka, Rivka Michaeli, Keren Mor, Asher Tzarfati, Gal Zaid.

Produção: David Cohen, Tzahi Grad, Ijo Shani, Isaac Shani, Gal Zaid

Roteiro: Gal Zaid, Ya’ackov Ayali

Fotografia: Shai Goldman

Duração: 95 min.

Ano: 2006

País: Israel

Gênero: Comédia

Cor: Colorido

Distribuidora: Moviemobz

Classificação: 14 anos