O Livro de Orações da Rainha Claude de França

9 04 2017

 

 

7720Pequeníssimo, completamente ilustrado, livro de orações da Rainha Claude, c. 1517, The Morgan Library & Museum, NY.

 

O Livro de Orações da Rainha Claude é uma obra de  c. 1517, ano da coroação dessa Rainha de França.  Ele foi iluminado por um artista desconhecido a que se deu o nome de Mestre de Claude de França, por ter sido ele também o iluminista de outro livro,  o par digamos assim,  o Livro das Horas da Rainha Claude, hoje numa coleção particular francesa. O brasão da rainha aparece três vezes neste livrinho que contém 132 cenas da vida de Cristo, da vida da Virgem Maria e de inúmeros santos.  As bordas são decoradas assim como verso e reverso de cada uma das folhas.

 

Claude abiertoBue

 

A rainha Claude morreu de varíola aos vinte e cinco anos (1499-1524), depois de ter sete filhos, um corpo deformado por escoliose e aparentemente ter um toque de estrabismo.  Casada com François d’Angoulême (1494–1547) que se tornou rei de França em 1515, como parte de um contrato político, Claude, duquesa de Duchy, peça no jogo de xadrez político da Europa,  não tinha atração pela política, nem muito interesse nos filhos. Dedicou-se principalmente aos estudos religiosos.

 

Interior-of-Queen-Claudes-Prayer-BookPágina com o Arcanjo Gabriel Anunciando à Maria.

 

Pouco sabemos sobre o Mestre da Rainha Claude. Trabalhou ativamente na cidade de Tours nas duas primeiras décadas do século XVI (1500-1525).  Seu estilo poderia ser considerado como extremamente elegante, com cores delicadas e aplicadas de tal maneira que não se percebe as pinceladas na pintura.  Só se conhece cerca de uma dúzia de manuscritos desse artista.

Esse livro-joia faz parte da coleção da Morgan Library em NY, presente de um colecionador americano.

 

Cover-of-Queen-Claudes-Prayer-BookCapa

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Palavras para lembrar — São Tomás de Aquino

15 07 2013

Chronique Martinienne. France (Tours) 1475-1500.Thott 430 2º. Parchment, 317 ff.

Luís de Laval (1411- 1489), Senhor de Châtillon, que encomendou a tradução para o francês da “Chronique Martinienne” sentado com o livro traduzido à sua frente.  A seu lado o tradutor Sebastien Mamerot, prior de Luís de Laval.

Crônica Martiniana, 1475-1500

 France (Tours?)

Thott 430 , pintura sobre pergaminho,  317 ff. Fol. 2r

Biblioteca Real da Dinamarca

“Cuidado com o homem de um só livro”.

São Tomás de Aquino





Imagem de leitura — Laurentius de Voltolina

5 07 2013

MedievalClassroomFullSzHenrique da Alemanha dando aula na Universidade de Bologna, c. 1350-60

Laurentius de Voltolina ( Itália, ativo em Bologna na segunda metade do século XIV)

Liber ethicorum de Henricus de Alemannia

pintura sobre pergaminho, 18 x 22 cm

Kupferstichkabinett SMPK,

Staatliche Museum Preussiischer Kulturbesitz, Min. 1233





O livro das horas de Nélida Piñon

17 01 2013

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Iluminura da Cidade das Mulheres, de Catarina de Pisano, século XV

Mestre da Cidade das Mulheres (Ativo em Paris entre 1400-1415)

Pintura sobre pergaminho, 12 x 18 cm

Biblioteca Nacional da França, Paris

Tradicionalmente o Livro de Horas era um pequeno livro, manuscrito, contendo salmos e orações, para a pessoa comum usar como guia dos rituais religiosos. Foram populares na Idade Média, a maioria aparecendo entre os séculos XIV e XVI.  Tinham, por vezes,  divisões das horas canônicas,  para que seus portadores mantivessem as orações necessárias na hora certa. Podiam conter também os meses ou as estações do ano com lembranças das festividades do ano cristão. O Livro de Horas  era composto de pequenos textos pois era  um guia para  reflexão,  para a meditação religiosa.  Era carregado facilmente em bolsas ou bolsos;  poderia ou não ser ilustrado com pinturas à mão, chamadas iluminuras, mais ou menos ricas dependendo da fortuna de seus portadores.  Porque eram  objetos próprios, especificamente feitos para um só dono, diferenciavam-se, cada qual  adaptado  ao gosto de quem o encomendara.

A descrição acima não se aplica ao livro de Nélida Piñon a não ser na forma e no espírito:  ponderações oportunas, ritmadas.  Meditações variadas.  Seu livro tampouco se mostra afiliado aos poemas de amor divino enunciados no volume poético de Rainer Maria Rilke, titulado Livro das Horas, publicado em 1905.   O que todos têm em comum é o convite à reflexão, a voz introspectiva, o tom meditativo.  Este é um livro pessoal, íntimo, mesmo que essa intimidade seja filtrada e dosada.  Dona de uma das mais fortes vozes narrativas da literatura brasileira, Nélida Piñon pode ser considerada acima de tudo a escritora da palavra certa, mestra  do uso do “mot juste”.

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Engana-se quem imagina perceber nessas reflexões sobre o cotidiano, sobre viagens e leituras,  memórias reveladoras dos pensamentos mais íntimos, das alegrias e tristezas de sua autora.  Muito pelo contrário, vislumbramos sim, uma pessoa carinhosa para com seu cachorrinho de estimação, Gravetinho; uma pessoa  cuja mente associa no perscrutar diário, segmentos de leituras do passado temperadas ao gosto da gastronomia galega.  Mas são passos cuidadosos de revelação, passos que avançam o conhecimento que temos da escritora, mas que simultaneamente nos aguçam a curiosidade sobre suas opiniões, sobre suas ‘verdadeiras’ opiniões.  A aparente facilidade com que Nélida Piñon pode deslizar da leitura da manchete de jornal a considerações  sobre o teatro clássico grego; quando consegue se imaginar dialogando com a boneca Emília do Sítio do Picapau Amarelo,  passear pelo velho centro do Rio de Janeiro e acabar com os olhos pousados nas águas da lagoa Rodrigo de Freitas, só demonstra sua extraordinária habilidade de cinzelar o texto, de abreviar as pausas e mostrar só, unicamente aquilo que se permite revelar.  Mas os véus encobrindo a pessoa continuam a ser tão eficazes quanto a roupa de Salomé antes do espetáculo diante de São João Batista. O que descobrimos  não é a autora, mas sua persona.

Memórias, todos sabemos, são tão grande ficção quanto um bom romance detetivesco.  Lembramo-nos do mundo como o desejaríamos que tivesse sido, às vezes para justificar certas ações, outras para nos apresentarmos pelo melhor ângulo. Recontamos só aquilo a que nos permitimos.  O mesmo se dá nessa publicação, nesse livro de reflexões.   O presente que Nélida Piñon nos entrega, no entanto, nessa coletânea encantadora  de meditações enfileiradas como contas de um rosário, é a habilidade de imaginarmo-nos em sua companhia, em  conversa sem hora para terminar; saltando de um canto ao outro do mundo; peregrinando pela Ibéria com a escritora a nos servir de guia.  O tom é íntimo.  Suave.  Meia-voz.  E com ela escorregamos de um assunto ao outro, às vezes surpresos pelo convívio que revela ter com amigos, por um leve misticismo quase gitano, talvez herdado dos ancestrais espanhóis e alimentado nas raízes brasileiras. O que descobrimos é uma mulher com um interior rico, lúdico e letrado. Só. Imensamente só.

Nélida Piñon, close

Nélida Piñon

A leitura de Livro das Horas é um presente. Deixou-me com curiosidade ainda maior pela autora, que já participava do meu panteão de sacerdotes da nossa literatura.  Percorri a rede à cata de entrevistas, queria ouvir sua voz para finalmente casá-la com os textos que perscrutava. É impossível ler-se essa publicação de uma ou duas sentadas.  Ela exige reflexão e os cinco ou seis parágrafos de cada etapa são suficientes para levar-nos, cheios de ponderações, ao dia seguinte, à noite seguinte.  Sherazade, é quem me vem à memória.  Tal é o encantamento do texto que me fez alongar a leitura por quase um mês, tomando-a a conta gotas, prolongando sua vida ao meu lado, como fez  o rei Sheriar.  Foi um prazer!





Um dia de diletantismo, uma volta pelas hortas medievais…

3 04 2012

Trabalhos agrícolas nos doze meses do ano, 1459

Iluminura, Tratado de agricultura de Pietro de Crezcenzi  [ MS 340 ]

Musée Condé, coleção  em Chantilly

Hoje foi um dia de diletantismo involuntário.  Mas mesmo assim diletantismo.  Estou desenvolvendo uma série de palestras sobre as artes em contexto.  E precisava de uma demonstração das roupas usadas por peões na Idade Média, mais precisamente na época de Carlos Magno.   Eu queria poder ilustrar as descrições do excelente livro Daily life in the World of Charlemagne, de Pierre Riché [Philadelphia, Univesity of Pennsylvania: 1978] sobre esse período na história da França.  É irrelevante sabermos porque eu estava fixada nesse ponto.  Depois do dia de hoje, já não importa.  Mas fato é que não encontrei o que queria, na internet.  Não porque não haja, mas porque me distraí.  E a culpa dessa distração segue abaixo, na deliciosa ilustração de colméias em manuscrito medieval.

Theatrum Sanitatis, c. 1450-1475

de Ububchassym de Baldach

Códice 4182

Biblioteca Casanatense de Roma

Saí à cata de mais colméias, de mais abelhas…  Adoro mel, mas tenho uma facilidade tremenda para a insectofobia, sim,  não gosto de coisinhas que voam, ou não, que tenham muitas patinhas, que adoram subir pelas nossas pernas, braços, voar sem rumo em nossa direção.  Enfim, o que aconteceu foi que também não encontrei muitas abelhas, mas encontrei… hortas.  Sim, representações em iluminuras, da plantação de legumes, ervas, alimentos e me perdi.  Perdi o rumo, perdi a direção, tal qual uma abelha zunindo daqui para lá, pegando o néctar das iluminuras medievais para sabe-se lá fazer o quê com elas além de postá-las aqui e dividí-las com os leitores?  Segue um passeio pelas hortas medievais.  Espero que vocês possam sentir o cheirinho das folhas verdes e a umidade do solo, como eu fiz.

Cebolas, século XV [ 1400-1500]

Tacuinum Sanitatis, (BNF Latin 9333)

Aipo, século XV [ 1400-1500]

Tacuinum Sanitatis, (BNF Latin 9333)

Endro, século XV [ 1400-1500]

Tacuinum Sanitatis, (BNF Latin 9333)

Espinafre, século XV [ 1400-1500]

Tacuinum Sanitatis, (BNF Latin 9333)

Feijões, século XV [ 1400-1500]

Tacuinum Sanitatis, (BNF Latin 9333)

Grão de bico, século XV [ 1400-1500]

Tacuinum Sanitatis, (BNF Latin 9333)

Milho miúdo, século XV [ 1400-1500]

Tacuinum Sanitatis, (BNF Latin 9333)

Panicum, século XV [ 1400-1500]

Tacuinum Sanitatis, (BNF Latin 9333)

Cenouras, século XV [ 1400-1500]

Tacuinum Sanitatis, (BNF Latin 9333)

Plantando o aipo, c. 1370-1400

Tacuinum Sanitatis (ÖNB Codex Vindobonensis, series nova 2644)

Plantando cebolinhas, c. 1370-1400

Tacuinum Sanitatis (ÖNB Codex Vindobonensis, series nova 2644)

Plantando endro, c. 1370-1400

Tacuinum Sanitatis (ÖNB Codex Vindobonensis, series nova 2644)

Plantando repolhos, c. 1370-1400

Tacuinum Sanitatis (ÖNB Codex Vindobonensis, series nova 2644)





Um tesouro, a biblioteca Valmadona, ainda errante e sem destino final

13 05 2011

Dois intelectuais judeus lendo as notícias, 1998

Maher Morcos (Egito, 1952)

Em dezembro de 2010 o patrimônio da Biblioteca Valmadona foi a leilão na Southeby´s de Nova York.  O arrematante, anônimo, pagou bem mais do que os USD $25.000.000,00 – vinte e cinco milhões de dólares de reserva — para adquirir uma das mais espetaculares bibliotecas judaicas.  Intelectuais do mundo inteiro e principalmente aqueles cujas especialidades requerem o conhecimento de textos judaicos incomuns sofreram até hoje por não saber onde foi parar essa coleção assombrosa que havia  tomado as estantes – montadas para este evento – nas paredes dos salões de 220m² da exposição pré-venda da casa de leilões.  Nessas estantes estavam alinhados aproximadamente 13.000 livros e manuscritos colecionados por um só homem: Jack V. Lunzer.  Nascido na Antuérpia em 1924, Lunzer, que hoje vive em Londres, enriqueceu no comércio dos diamantes industriais.  Mas ao longo dos anos foi também colecionando textos escritos e impressos em hebraico.

A coleção que leva o nome de Valmadona – em homenagem à cidade na Itália dos antepassados de Lunzer – é considerada uma mais completas coleções do mundo de textos em hebraico.  Dentre suas curiosidades estão uma Bíblia Hebraica, escrita à mão do ano de 1189 – o único texto inglês em hebraico de antes de 1290, quando o rei Eduardo I expulsou os judeus.  Cabe lembrar que em 1190 os judeus da cidade de York foram massacrados, e seus pertences – entre eles muitos livros, manuscritos – foram roubados e vendidos fora da Inglaterra, onde este texto foi encontrado pelo colecionador.

Exposição pré-venda da Biblioteca Valmadona, Foto: The New York Times.

Outra curiosidade não só pelo volume, mas também pela história de sua aquisição é  uma edição do Talmude da Babilônia, datando de 1519-1523, impresso em Veneza, pelo editor cristão Daniel Bomberg.   O primeiro contato de Lunzer com este volume, foi na Abadia de Westminster, em Londres, onde o achou cheio de poeira, de alguns séculos provavelmente.  Eventualmente veio a adquiri-lo por uma permuta com a abadia, oferecendo em troca uma velha cópia do Registro Original da abadia , um documento com mais de 900 anos de idade.

Surpresas parecem estar escondidas em muitos desses livros.  Quem poderia acreditar, por exemplo, que máximas tais como:  Faça dos seus livros seus companheiros, ou Deixe sua estante de livros ser o seu jardim, já eram conselhos pertinentes no século XII, como está gravado no manuscrito judeu-espanhol do estudioso Judah Ibn Tibbon, em um volume dessa coleção?

Para se ter noção de quão abrangente é a coleção da Biblioteca de Valmadona, talvez valha lembrar, que apesar de a prensa móvel ter sido inventada na Alemanha por Gutenberg, por volta de 1439, e de sua primeira publicação ter sido a Bíblia – hoje chamada a Bíblia de Gutenberg — , judeus  no século XV não podiam ser membros das guildas de imprensa, na Alemanha.  Por causa disso, os livros publicados em hebreu através da prensa móvel apareceram primeiro na Itália, a começar por Roma em 1470.  Depois disso, diversas outras cidades italianas deram licenças para a impressão de livros em hebreu.  Mas essas permissões eram dadas e retiradas com grande facilidade, ao bel-prazer dos dirigentes locais.  Um exemplo disso vem da cidade de Cremona, onde a permissão para a impressão de textos durou só 10 anos, de 1550 a 1560.  Pois cada um dos livros publicados nesse período em hebreu está presente na coleção arrebanhada por Lunzer.

Foto: The New York Times.

Quando se fala dessa coleção espetacular temos também que lembrar das vicissitudes que circundaram os textos hebraicos.  No artigo do The New York Times, A Lifetime’s Collection of Texts in Hebrew, at Sotheby’s Edward Rothstein, nota que só o Talmude, por exemplo, foi objeto de grandes perseguições; esses textos legais, foram confiscados em Paris em 1240, na Alemanha em 1509, e queimados por decreto papal na Itália em 1553.  Que ainda haja cópias intactas e que uma pertença a uma coleção de judaica é uma demonstração não só da persistência que Lunzer demonstrou ao coletar esses textos, mas também da raridade de alguns exemplares da produção intelectual de um povo.

Lunzer  não se interessou nunca pelas publicações em hebreu das Américas.  Sua atenção estava voltada para a documentação das várias comunidades judias no mundo, efêmeras, publicações de séculos passados, de comunidades que produziram textos em hebraico. Como ele mesmo lembra, no artigo mencionado acima, cada um desses volumes só foi impresso quando alguém deu  permissão para ser impresso.  “Cada um deles chora sua própria história.”  Mas hoje, aos 86 anos, Lunzer quer ter certeza de que sua busca, compra e a arrecadação desses textos, servirá para futuras gerações de estudiosos.  Esse será um de seus legados.

Foto: The New York Times.

Grande ansiedade tomou conta dos estudiosos  desde a conclusão do leilão da Biblioteca Valmadona, pela Southeby’s em dezembro de 2010.  O que todos se perguntavam até recentemente era: onde foram parar esses livros, esses documentos da nossa herança cultural?  O arrematante continuava anônimo e uma grande dúvida pairava no ar, até que neste início de maio, através de um artigo de Paul Berger, no The Jewish Daily Forward, Treasured Judaica Library, Feared Lost, Is Back On the Market, ficou-se sabendo que a compra não foi efetuada.  Na verdade, a coleção inteira, todos os seus 13.000 volumes, ainda estão na casa de leilões em Nova York.  Aparentemente o comprador não conseguiu provar para satisfação da Fundação da Biblioteca Valmadona, que as condições de compra iriam ser cumpridas.

E quais são essas condições?

A coleção precisa ser mantida junta, sem venda de qualquer texto, por mais insignificante que pudesse ser considerado.  Essas condições foram claramente enunciadas antes do leilão, e foi justamente para proteger esse patrimônio que a Fundação da Biblioteca Valmadona foi criada. No entanto, após o leilão, o comprador se viu forçado a retirar seu lance, uma vez que não pode demonstrar satisfatoriamente para os interessados que tinha interesse, poder e o compromisso de manter as condições estipuladas pré-venda.

Jack V. Lunzer, foto: The New York Times.

Todo mundo sabe que a coleção Valmadona oferece uma oportunidade sem igual de se adquirir uma das grandes bibliotecas judaicas privadas”, admite Sharon Lieberman Mintz, curadora de arte judaica da Biblioteca Teológica Judaica de Nova York e que também é consultora-sênior de arte judaica da Southeby’s.  A julgar pelo número de visitantes da exposição pré-venda, mais de 4.000 pessoas por dia, formando filas em volta do quarteirão, Sharon Lieberman Mintz  mostra que está certa, o grande público já se conscientizou do valor do trabalho de aquisição a que Lunzer se dedicou nos últimos 50 anos.  E não é por falta de interesse que bibliotecas do mundo inteiro continuam tentando levantar fundos para adquirir este tesouro.  A Biblioteca do Congresso nos Estados Unidos ofereceu, em 2002,  USD 20.000.000 – vinte milhões de dólares, para a biblioteca que estava avaliada na época em USD 30.000.000.  Apesar de negociações dos dois lados, o acordo de compra não foi validado.  Há ainda muitas outras instituições interessadas,. Entre elas conta-se  a Biblioteca Nacional de Israel, os departamentos de Estudos Judaicos tanto da Universidade de Columbia em Nova York assim como seus equivalentes da Universidade de Pensilvânia, Universidade de Nova York, entre outras.

O custo parece ser até agora o obstáculo mais mencionado. Talvez seja um símbolo dos interesses de nossa época, se levarmos em consideração que ontem, dia 12 de maio de 2011, um único quadro do artista Andy Wharol, LIZ NUMBER 5  [um retrato da artista Elizabeth Taylor] vendeu em leilão na Phillips de Nova York, por USD $ 27.000.000 – vinte e sete milhões de dólares.  É uma pena que uma coleção com 13.000 manuscritos históricos não consiga levantar o mínimo de USD$ 25.000.000 – vinte e cinco milhões de dólares necessários para sua aquisição.

Mas a esperança de que essa coleção ainda vá ser comprada por uma instituição pública não morreu. Desde que a notícia circulou pelos meios intelectuais sobre a venda frustrada, e sobre a volta ao mercado dessa coleção, o interesse na Biblioteca Valmadona parece ter re-acendido.  Seria uma grande aquisição para qualquer biblioteca do mundo, em qualquer lugar.  Porque a história dos judeus está tecida na história do mundo ocidental de maneira inescapável, e uma biblioteca como essa certamente tornará qualquer cidade, em que a coleção se estabeleça, num grande centro de pesquisa internacionalmente aclamado.





Os pergaminhos do Mar Morto na internet

21 10 2010

Rabino lendo, s/d

Alfred Lakos (República Checa 1870-1961)

Óleo sobre madeira, 17,5 x 24, 5 cm

Os manuscritos do Mar Morto, documentos com mais de 2000 anos de idade e os mais antigos manuscritos conhecidos em língua hebraica, poderão ser vistos em um arquivo online graças a uma nova iniciativa revelada pela Autoridade de Antiguidades de Israel e pelo Google. O projeto vai dar aos usuários da internet a oportunidade de visualizar os pergaminhos, digitalizados em alta definição.

Encontrados por acaso por um pastor beduíno em 1947 nas cavernas localizadas em Qumran, próximas ao Mar Morto, os textos dos pergaminhos contêm fragmentos de todos os livros do Antigo Testamento, exceto Ester, e de vários livros apócrifos e escrituras das seitas.  Esta coleção de textos bíblicos foi um dos achados arqueológicos mais importantes do século XX e é composta por 30 mil fragmentos que juntos formam 900 manuscritos.   A importância desses manuscritos para a história da humanidade é tão grande que eles são mantidos, fortemente policiados,  em Jerusalém, em um prédio do Museu de Israel que é também um abrigo nuclear. O pergaminho e papiros estão escritos em hebraico, aramaico e grego, e incluem vários dos mais antigos dos textos conhecidos da Bíblia, incluindo a cópia mais antiga – que se conhece — dos Dez Mandamentos.

As imagens de alta resolução serão disponibilizadas gratuitamente na forma original e com as traduções. “Este projeto vai enriquecer e preservar uma parte importante e significativa do patrimônio mundial, tornando-o acessível a todos na Internet“, disse o professor Yossi Matias, do Google-Israel.  “Vamos continuar com este esforço histórico para fazer todo o conhecimento existente em arquivos e estoques disponíveis a todos.”

Até agora, apenas uma pequena parte dos fragmentos maiores foi apresentada ao público,  para minimizar os danos.  Quando não estão à mostra, esses fragmentos são mantidos em armazenagem sem luz e climatizada.

Nesse projeto, os fragmentos serão fotografados e digitalizados usando vários comprimentos de onda diferentes. Espera-se que as imagens em infravermelho possam vir a expor caracteres atualmente invisíveis a olho nu.  As imagens serão, então, enviadas para um banco de dados e poderão ser objeto de pesquisa on-line, permitindo que estudiosos de todo o mundo a se debrucem sobre os seus detalhes.   “Estamos estabelecendo um marco significativo entre o progresso e o passado para preservar esta herança cultural, este patrimônio único, para as gerações vindouras”, disse Shuka Dorfman, atual chefe do IAA. “O público com um clique do mouse será capaz de acessar livremente a história em toda a sua glamorosa totalidade.

Os internautas poderão participar do que a autoridade de Antiguidades descreveu como “o jogo final de quebra-cabeças”, já que terão a oportunidade de recompor os pergaminhos, juntando peças e até descobrindo novas formas de ler os textos em hebraico antigo, corroídos e descoloridos com o passar dos anos.

As primeiras imagens entrarão na rede nos próximos meses.

FONTES: TerraBBC





Antigos manuscritos gregos na internet

2 10 2010
Salmo Theodoro

A Biblioteca Britânica que está na vanguarda dos esforços de digitalização de manuscritos,  digitalizou e colocou na internet mais de um quarto dos seus manuscritos gregos, totalizando 280 volumes.  Foi mais um passo rumo à digitalização completa desses importantes documentos antigos.  Ela possui uma das maiores coleções do mundo de manuscritos gregos: mais de 1000 manuscritos, mais de 3.000 papiros.  A digitalização cuidadosa dos mais antigos textos do Novo Testamento, o famoso Codex Sinaiticus é um dos projetos que a biblioteca tem em conjunto com a Biblioteca Universitária de Leipzig, a Biblioteca Nacional da Rússia em São Petersburgo, e com o Mosteiro de Santa Catarina, no Monte Sinai.

Os manuscritos, disponibilizados mais recentemente,  e gratuitamente podem ser encontrados no portal www.bl.uk/manuscripts  e são parte de uma das mais importantes coleções localizadas fora da Grécia para o estudo de mais de 2 mil anos de cultura helênica.   As informações ali presentes interessam a acadêmicos que trabalham com literatura, história, ciência, religião, filosofia e arte do Mediterrâneo Oriental durante os períodos clássico e bizantino.

 “Isso é exatamente o que todos esperávamos da nova tecnologia, mas raramente tínhamos”, disse Mary Beard, professora de cultura clássica da Universidade de Cambridge.Isso abre um recurso precioso para qualquer um ¿ do especialista ao curioso ¿ em qualquer lugar do mundo, gratuitamente.”

Entre os destaques do acervo digitalizado estão os Salmos de Theodoro, altamente ilustrados, produzidos em Constantinopla em 1066, e as Fábulas de Babrius, descobertas em 1842 no monte Atos, que contêm 123 fábulas de Esopo corrigidas pelo grande acadêmico bizantino Demetrius Triclinius.  Também foram colocados à disposição do público na rede Os Diálogos de Luciano, manuscrito do século X.  Luciano ficou famoso por seus diálogos satíricos.

A digitalização de manuscritos raros ou outros documentos primários tem, obviamente, uma série de vantagens: facilidade de acesso aos dados já que os interessados. Além disso, um documento digital não é exposto a muitas pessoas  e, portanto, o original é salvo de danos devido ao manuseio e exposição à luz. 

Fonte:   Greek Manuscripts Online at the British Library





Correspondência de Fernando Pessoa vai ser leiloada

17 07 2008

 

Num artigo publicado ontem, 15/7/2008, no New York Times, por Michael Kimmelman, soube da gritaria, da confusão lusitana ao redor da venda da correspondência de Fernando Pessoa ao escritor britânico Aleister Crowley.  Esta correspondência do poeta português com o místico escritor britânico foi iniciada em 1930.  Sua venda, negociada pelos herdeiros de Fernando Pessoa, está marcada para o período de alta visibilidade na Europa, o outono, que é a estação de abertura dos eventos culturais do ano e será feita em leilão público.  A confusão é gerada pela reclamação de alguns da saída do país de documentos de tal importância.

 

Mas, é justamente de vendas como esta, que a Biblioteca Nacional de Portugal pode se beneficiar, como já o fez no ano passado quando arrematou, para seu acervo, cadernos de notas de Fernando Pessoa.  Como Kimmelman em seu artigo lembra, a maior parte da obra de Pessoa está em manuscritos, nunca tendo sido publicada — diz-se que chegam aos 30.000, ainda guardados em baús na última moradia do escritor. 

 

A decisão dos herdeiros de venderem pelo maior e melhor preço estes documentos é volátil.  Recentemente o ministro da cultura de Portugal, José Antonio Pinto Ribeiro, lembrou, numa conferência aberta ao público na Casa Fernando Pessoa, que o estado português tem o poder de manter dentro de seu território qualquer objeto (e os manuscritos se enquadram aqui) que achar ser necessário para o patrimônio nacional.  A mensagem, bem entendida por Manuela Nogueira, a sobrinha de Fernando Pessoa, que se encontrava na audiência, era de que ela não se sentisse muito confiante, porque a qualquer momento o governo poderia decidir que tais documentos eram do interesse cultural do país e não só proibir sua venda, como também tombar tais documentos, e nada dar aos herdeiros em troca. 

 

Manuela Nogueira já estava preparada para a luta.  Já havia fotografado tudo que pretendia vender de modo que cópias estarão sempre abertas para estudiosos, não importando o destino final dos originais.  Além do que, um contrato já havia sido assinado por ela e pela casa de leilões.

 

O artigo de Michael Kimmelman continua então com considerações sobre Pessoa e sobre a alma portuguesa, inclusive opiniões sobre a última, com uma breve entrevista sublinhando as opiniões de Inês Pedrosa, a escritora que esteve recentemente aqui em Paraty, na FLIP [Feira Literária Internacional de Paraty] deste ano.  O artigo revela também algumas opiniões de Jerônimo Pizarro diretor da Casa Fernando Pessoa, em Lisboa.  Mas, o assunto pelo qual tenho interesse aqui é diferente daquele enfatizado pelo New York Times, que se mostrou mais interessado em mostrar a forma peculiar, culturalmente falando, de pensar dos portugueses – um artigo até bastante irônico. O que me interessa é ponderar sobre os diversos direitos envolvidos neste caso, para que possamos, no futuro, pensar em como resolver situações semelhantes que certamente ocorrerão na tentativa de preservação de uma cultura brasileira:

 

1° – Tanto no Brasil como em Portugal seria necessário tornar mais claras as regras estabelecidas para dar prioridade ao que deve ou não ser preservado dentro do país.

 

2° – Acredito que os herdeiros têm todo o direito de vender os documentos.  Muitos autores, com herdeiros, fazem projetos de vida contando com esta possibilidade de renda para as gerações futuras, assim como os grandes donos de terras o fazem.

 

3° – Também acredito que o governo tem todo o direito de comprar os documentos.  Se são de tamanha importância como se diz, tenho certeza que qualquer governo acharia os meios de comprá-los no leilão, ou seja ao valor estabelecido pelo mercado.

 

4° – Onde há vontade há um meio.  O governo pode se juntar a diversas ONGs culturais para comprar os documentos e mantê-los na Biblioteca Nacional ou em alguma outra instituição pública de acesso livre aos estudiosos.

 

5° – Nada impede que um grupo de intelectuais e outros interessados, que hoje choram e gritam lamentando a perda física dos documentos, não se cotizem para comprá-los e depois doá-los ao país.  Acho que as pessoas têm que aprender a colocar o dinheiro onde insistem ser um bom investimento, quer seja cultural ou econômico.

 

6° – Não há nada mais injusto do que o governo proibir alguém de vender algum objeto ou documento por o haver declarado Patrimônio Nacional, tombá-lo e não indenizar o atual dono do patrimônio ao preço de mercado.

 

7° – Se nenhuma destas possibilidades aparecerem, por que os documentos não podem sair do país e serem velados por uma outra instituição de responsabilidade social como seria o caso de uma biblioteca especializada em manuscritos de grandes autores?

 

8° – Último, estive vendo, no outro dia que a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro é a 7ª maior biblioteca do mundo.  ALÔ !!!!  Diretores da BN, está na hora de aumentarmos o nosso patrimônio!  Tenho certeza de que Portugal preferiria que nós  brasileiros – da mesma pátria, porque afinal nossa língua é nossa pátria – fossemos os guardiões destes documentos.  Melhor do que qualquer outro país que se interessar possa, não é mesmo?