Veneza do século XIII: os primórdios do capitalismo e da globalização

9 01 2014

Marco Polo sailing from Venice in 1271, detail from an illuminated manuscript, c. 15th century; in the collection of the Bodleian Library, Oxford, Eng.Marco Polo saindo em navio de Veneza, em 1271.  Detalhe de iluminura de um manuscrito do século XV, na Biblioteca Bodleian, na Universidade de Oxford.

QUASE TODOS em Veneza dedicavam-se ao comércio. As viúvas investiam em atividades mercantis e qualquer jovem desprovido de meios podia intitular-se “mercador” simplesmente aventurando-se no negócio. Apesar dos riscos enormes, riquezas inimagináveis atraíam os mais arrojados, os empreendedores e os bobos. Fortunas surgiam e evaporavam da noite para o dia, e muitas fortunas familiares venezianas provinham do êxito de uma única expedição comercial a Constantinopla.

Os mercadores venezianos desenvolveram todo tipo de estratagema para lidar com mudanças bruscas em seu meio de vida, o comércio mundial. Na ausência de padrões para o câmbio, as diversas moedas em uso eram um pesadelo na hora da conversão. O Império Bizantino tinha os seus besantes, as terras árabes seus dracmas, Florença seus florins. Confiando na proporção entre ouro e prata numa moeda para determinar o seu valor, Veneza tentava acomodar todas. Mercadores como os Polo evitavam o difícil sistema monetário, com sua inevitável confusão e depreciação e negociavam, com gemas tais como rubis, safiras e pérolas.

Para resolver suas necessidades financeiras sofisticadas e exóticas a cidade desenvolveu o sistema bancário mais avançado na Europa Ocidental. Bancos de depósito do continente são originários de Veneza. Em 1156, a República de Veneza tornou-se o primeiro estado desde a Antiguidade a obter um empréstimo público. Ela também emitiu as primeiras leis bancárias da Europa, com o fim de regulamentar a nascente indústria bancária. Como resultado dessas inovações, Veneza dispunha das mais avançadas práticas de negócios da Europa.

Veneza adaptou os contratos romanos às necessidades dos mercadores que negociavam com o Oriente. Sofisticados contratos marítimos de empréstimo ou de troca estipulavam as obrigações entre armadores e mercadores inclusive faziam seguro – obrigatório em Veneza a partir de 1253. O tipo de acordo mais comum entre os mercadores era o comenda ou, no dialeto veneziano, collegantia, um contrato baseado em modelos antigos. Numa tradução aproximada, o termo significava “negócio de risco” e, mais que um conjunto de princípios legais consistentes, era um reflexo dos costumes prevalecentes no comércio. Apesar de esses contratos do século XII e XIII pareceram antiquados suas exigências de precisão contável são surpreendentemente modernas. Eles exprimiram e respaldaram uma forma rudimentar de capitalismo muito antes do surgimento do conceito.

Para os venezianos, o mundo era assombrosamente moderno de outra maneira: ele era “plano”, isto é, mundialmente ligado para além das fronteiras e dos limites, fossem estes naturais ou artificiais. Eles viam o mundo como uma rede de rotas comerciais e oportunidades constantemente em mutação que se estendiam por terra e mar. Por barco ou em caravanas, os mercadores venezianos viajavam aos quatro cantos do mundo em busca de especiarias, gemas e tecidos valiosos. Graças à sua iniciativa, minerais, sal, cera, remédios, cânfora, goma-arábica, mirra, sândalo, canela, noz-moscada, uvas, figos, romãs, tecidos (especialmente seda), peles, armas, marfim, lã, penas de avestruz e papagaio, pérolas, ferro, cobre, pó de ouro, barras de ouro,  barras de prata e escravos asiáticos chegavam à Veneza, provenientes da África, do Oriente Médio e da Europa Ocidental, por meio de complexas rotas comerciais.

Itens ainda mais exóticos chegavam à cidade a bordo de galés estrangeiras. Imensas colunas de mármores, pedestais, painéis e blocos, arrancados de templos ou edifícios em ruínas em Constantinopla ou alguma cidade grega ou egípcia, amontoavam-se no cais. Esses restos da antiguidade, lápides de civilizações mortas ou moribundas, terminavam em uma esquina qualquer da Piazza San Marco, ou na fachada de um palazzo ostentoso habitado por algum duque ou rico mercador.

A diversidade de mercadorias levou Shakespeare a comentar por meio da personagem Antônio em O Mercador de Veneza, que “o lucro e o comércio da cidade/dependem de todas as nações”. O comércio veneziano era sinônimo de globalização – outro conceito embrionário da época. Para estender seu alcance, os venezianos formavam parcerias com governos e mercadores distantes que desconsideravam as divisões raciais e religiosas. Árabes, judeus, turcos, gregos e, mais tarde, mongóis faziam parcerias comerciais com Veneza, mesmo quando pareciam ser seus inimigos políticos…

Em: Marco Polo: de Veneza a Xanadu, Laurence Bergreen, tradução Cristina Cavalcanti, Rio de Janeiro, Objetiva: 2009, pp 28-30.





Imagem de leitura — Laurentius de Voltolina

5 07 2013

MedievalClassroomFullSzHenrique da Alemanha dando aula na Universidade de Bologna, c. 1350-60

Laurentius de Voltolina ( Itália, ativo em Bologna na segunda metade do século XIV)

Liber ethicorum de Henricus de Alemannia

pintura sobre pergaminho, 18 x 22 cm

Kupferstichkabinett SMPK,

Staatliche Museum Preussiischer Kulturbesitz, Min. 1233





Imagem de leitura — Iluminura do Evangelho Lorsch

25 03 2012

Iluminura, Evangelho Lorsch, ( 780-820)

Período de Carlos Magno

Pintura em pergaminho

Biblioteca do Vaticano

O Codex Aureus de Lorsch ou O Evangelho de Lorsch (Biblioteca Apostolica Vaticana, Pal. lat. 50, and Alba Iulia, Biblioteca Documenta Batthyaneum, s.n.) é um manuscrito com  iluminuras, com o evangelho, escrito entre 778 e 820, o que o coloca aproximadamente no peródo do reinado de Carlos Magno, Imperador dos francos, unificador do território francês.  Foi provavelmente escrito na abadia de Lorsch na atual Alemanha, pela qual foi nomeado, aparecendo no ano de 830 na listagem de manuscritos dessa abadia, que nos séculos X e XI — ou seja dos anos 900 a 1100 — foi considerada uma das melhores bibliotecas do mundo.  Em meados do século XVI, próximo a 1550,  esse manuscrito foi levado para Heidelberg, para a então nova Biblioteca Palatina.  Foi roubado de lá durante a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648).  Para ser vendido, o manuscrito foi dividido em 2  partes e suas capas removidas.  A primeira metade foi para a Biblioteca Migazzi e mais tarde vendida para o Bispo Ignac Batthany.  Hoje essa parte se encontra em Alba lulia na Rumênia e pertence à Biblioteca Batthyaneum.  A outra metade está na Biblioteca do Vaticano e a capa da frente, ricamente ornada em relevos de marfim se encontra nos Museus do Vaticano.

NOTA:  A águia acima da cabeça do evangelista revela que se trata de São João Evangelista, retratado aqui.  Os quatro evangelistas que compõem o Novo Testamento são: São João Evangelista, também representado por uma águia; São Lucas também representado por um touro (pode ser ou não alado, dependendo da época em que foi representado); São Mateus também representado por um anjo e São Marcos também representado por um leão (pode ou não ser alado, dependendo da época em que foi representado).





Imagem de leitura — Fereshteh Azarbani

16 02 2011

Solidão, s/d

[Baseado no poema de Sohrab Sepehri, Deixe-me dizer quão grande é a minha solidão…

Fereshteh Azarbani ( Irã, contemporânea)

aquarela

49 x 41 cm

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Fereshteh Azarbani, nasceu em 1964 em Shahr- kord no Irã. É uma pintora de iluminuras, contemporânea.  Logo depois de seu nascimento seus pais se mudaram para Isfahan, mas Fereshteh fez todos os seus estudos até a hora da entrada na universidade em  Kerman.  Começou a pintar inspirada por uma miniatura que havia na casa de seus pais do famoso pintor M. Farschian. Em 1982 entrou para a Universidade de Al-Zahra no Teerã onde completou  estudos nas artes plásticas e aplicadas.  Vive no Irã.

Fereshteh Azabani





Imagem de leitura — Iluminura, autor desconhecido

26 01 2011

Diógenes [no barril] e Crates de Tebas — Ilustrando como a pobreza é agradável

Livro dos Bons Costumes de Jacques Legrand, c. 1490

Autor Desconhecido

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NOTA: essa ilustração mostra Crates de Tebas que renunciou à riqueza para manter-se virtuoso.  Crates de Tebas (c. 368- 365  —  288-185 a. C.) foi um filósofo helenistico, que pertenceu à escola cínica de filosofia.  Foi discípulo de Diógenes de Sínope.





NATAL — poema de Mauro Mota

21 12 2008

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Grandes Horas de Ana da Bretanha

Bibliothèque nationale de France

Cota: Lat. 9474

Data: c. 1503-1508

Tamanho: 305 x 200 mm

476 páginas iluminadas com 49 miniaturas a toda página

337 iluminuras marginais com plantas, insectos e pequenos mamíferos

Pintor: Jean Bourdichon

Lugar de origem: Tours

Escrito em Latim

 

 

Natal

 

                               Mauro Mota

 

 

Natal antes e agora

imutável.  Feliz

noite branca sem hora

no pátio da Matriz.

 

 

Natal: os mesmos sinos

de repiques iguais.

Brinquedos e meninos,

Natal de outros natais.

 

 

A Banda, vozes, passos

da multidão fiel.

Tudo nos seus espaços,

o mundo e o carrossel.

 

 

Tudo, menos o andejo

homem que se conclui.

Olho-me e não me vejo,

não sei para onde fui.

 

 

 

 

Em: Antologia Poética, Mauro Mota, Editora Leitura: 1968, Rio de Janeiro

 

 

 

Mauro Ramos da Mota e Albuquerque (Nazaré da Mata, 16 de agosto de 1911 — Recife, 22 de novembro de 1984) foi um jornalista, professor, poeta, cronista, ensaísta e memorialista brasileiro.

 

Obras:

 

Elegias (1952)

A tecelã (1956)

Os epitáfios (1959)

Capitão de Fandango (1960, crônica)

O galo e o cata-vento, (1962)

Canto ao meio (1964)

O Pátio vermelho: crônica de uma pensão de estudantes (1968, crônica)

Poemas inéditos (1970)

Itinerário (1975)

Pernambucânia ou cantos da comarca e da memória (1979)

Pernambucânia dois (1980)

Mauro Mota, poesia (2001)

Antologia poética, 1968

Antologia em verso e prosa, 1982.

 

 





As línguas estão acabando!

20 11 2008

torres-de-babel

Construção da Torre de Babel , 1424-25

Mestre do Duque de Bedford, (França, circa 1405-1435)

Iluminura.

 

 

Um artigo recente da revista O Economista, fala com pesar sobre os milhares de línguas humanas em processo de extinção.  Apesar de ser interessante sabermos a maneira como seres humanos pensam e de como desenvolveram maneiras de pensar, parece inevitável que num mundo de comunicações instantâneas algumas línguas deixem de existir.  

 

As projeções são de que a maioria das 7000 línguas do mundo não serão mais faladas até o final deste século; 200 línguas africanas morreram no último século e 300 mais correm sério risco de desaparecerem.  No Sudeste da Ásia 145 línguas estão prestes a desaparecer, entre elas a língua Manchu falada na China, a Hua falada em Botswana, e a Gwich’in falada no Alasca.

 

Parece-me inexorável o desaparecimento destas línguas.  Principalmente quando a comunicação entre povos tornou-se comum e diária.  Num mundo em que pelo simples ligar de um aparelho de televisão uma pessoa é exposta a uma dúzia de línguas, essas, que ouvimos, parecem ser de maior importância para a própria sobrevivência do ser humano; sem se falar nas linguas usadas nas comunicações virtuais.  Este é um desenvolvimento natural.  Se nos lembrarmos bem, outras tantas línguas  já desapareceram através dos milênios tais como a língua Acadiana, Etrusca, Tangut, Chibcha e muitas, muitas outras,  algumas até de que não se tem noção.   

 

Algumas línguas, hoje, mesmo usadas por um grupo significativo de pessoas, estão sendo aos poucos trocadas por línguas que possam trazer maior sucesso econômico e conseqüentemente  melhor nível de sobrevivência para aqueles que as falam.   Assim, aos poucos, a pluralidade lingüística da Rússia está desaparecendo à medida que a juventude descobre ser indispensável o uso do Russo no cotidiano.  O mesmo acontece com habitantes da China e do Tibete que sentem necessidade de trocar suas respectivas línguas natais pelo Mandarim, a língua de franco acesso no território chinês.

 

Assim como há aqueles que querem salvar as espécies de animais em perigo de extinção, há muita gente querendo salvar, preservar se possível, línguas que tem poucos habitantes usando-as como no exemplo citado pela revista O Economista de Peter Austin, um lingüista Australiano.  Ele menciona:  Njerep, uma das 31 línguas em extinção tem no momento só 4 pessoas que a falam e todas acima de 60 anos de idade.   

 

Mas línguas são difíceis de serem preservadas, pois uma língua só faz sentido quando é falada e entendida.  Se não tem mais essa função entre os seres humanos, deixou de ter razão para a sua sobrevivência, porque deixou de produzir  aquilo a que se propõe: comunicação.

 

Este é um aspecto muito diferente dos apresentados pelos animais em extinção, que muitas vezes se acham nestas condições,  porque há muito mais demanda para suas virtudes ou suas qualidades do que esses animais têm em capacidade de reprodução.  Assim me parece ser o caso do marfim dos elefantes, das peles de jacarés, da carne de baleia, da carne do urso polar.  Por outro lado, uma língua não desaparece porque muitos querem falá-la.  Ao contrário, ela desaparece porque já não comporta a realidade em que precisa ser acionada.  

 

Saber lidar com a mudança de uma realidade para outra foi o que fez com que os seres humanos sobrevivessem.  A perda voluntária de uma língua como está acontecendo nas culturas mencionadas faz parte deste processo de sobrevivência humana.  E da seleção natural entre os seres vivos. 

 

 

 

Para ler o artigo da revista O Economista.

 

Mestre do Duque de Bedford: Pintor de iluminuras.  Échamado de Mestre do Duke de Bedford por não se saber seu nome original.  Leva então o nome pela comissão que recebeu de John, Duque de Bedford, entre os anos de 1422 e 1435.  Quando a serviço do duque deve ter recebido o título de Assistente Mestre do Duque de Bedford, por causa da importância das obras a ele requisitadas.  Seu estilo em iluminuras é identificado pela maneira de modelar o corpo humano, pela restrição cromática de sua palheta e pelo pouquíssimo uso da folha de ouro como embelezamento.