Minutos de sabedoria: Pedro Abelardo

5 04 2017

 

 

A leitora, Anônimo francês, ost,Vincent Wapler Paris – França, 37, 5 x 48 cm

A leitora

Anônimo francês

óleo sobre tela,  37 x 48 cm

 

 

“Questionamento constante e frequente é a primeira chave para a sabedoria… Através do duvidar somos levados a inquirir, e pelo inquérito percebemos a verdade.”

 

 

 

abelard-soloPedro Abelardo (França, 1079- 1142)

 





Ano bissexto, leva a pensar na astronomia…

29 02 2016

 

 

c8485ee478337513c93c826379a65f0aCriação do mundo, c. 1250

Iluminura

Bíblia moralisada (Codex Vindobonensis 2554), 344 x 260 mm

Österreichische Nationalbibliothek, Viena

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Às vezes é complicado explicar como cheguei a certos textos, nem vale a pena. Há uma palavra em inglês que é o meu motto: Serendipity. A tradução é inexata: ao acaso, por sorte, gosto de pensar que é por um flanar através de tópicos e ideias que chego ao que me importa. Taí, uma boa descrição. Aqui estão alguns dados interessantes sobre a evolução da astronomia.

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“Os astrônomos da Europa ocidental antes do final do século X estavam bastante incapacitados em seu trabalho por falta de instrumentos apropriados à observação dos astros. Até então seus principais instrumentos eram a esfera armilar e o relógio de sol. Para calcular as datas da Páscoa e de outras festas móveis e o tamanho dos anos, meses e dias eles dependiam dos ciclos orientais ou tabulas, que eram baseados em outros, feitos anteriormente pelos alexandrinos. Ainda que por bastante tempo antes do século X eles soubessem que seus cálculos não estavam corretos, eles eram incapazes de melhorar sua medições porque ainda não tinham recebido dos árabes melhores instrumentos e teorias astronômicas.

Só ao final do século X o conhecimento do astrolábio árabe começou a penetrar no ocidente latino.”

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[tradução minha]

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Em: Early Medieval Society, ed. Sylvia L. Thrupp, New York:1967, artigo, Lotharingia as a Center of Arabic and Scientific Influence in the 11th century, de Mary Catherine Welborn, p.237





Nomes de mulheres…

25 02 2016

 

 

A queen, a monk, and a fabulous bag . Harley MS 4399, f. 22rUm monge, uma rainha, um tesouro

Iluminura em manuscrito

Harley MS 4399, f. 22r

 

 

Meu nome não é comum.  É um nome inglês, usado principalmente no final do século XIX e início do século XX.  Não é uma invenção de minha mãe como muitos imaginam.  Talvez por ter sido agraciada com um nome fora do comum, sempre prestei atenção a nomes.  O povo brasileiro é muito criativo quando se trata de prenomes para seus filhos.  Uma vez encontrei uma família em que todos os onze filhos tinham nomes que começavam com a letra Z.  Na falta, pegaram nomes comuns e substituíram algumas consoantes por Z.  Assim havia uma Zandra (Sandra) e uma Zezina (Regina).

Desde que fui seduzida pela história medieval coleciono nomes de mulheres.  Porque aos nossos ouvidos, os nomes das princesas e rainhas medievais soam muitas vezes tão esdrúxulos quanto os nomes da família com Z.

 

Conheço quem procura nomes para filhinhos ou netinhos aproveito então para postar alguns nomes medievais para consideração:

 

Aalis, Abril, Adalgisa, Adelaide, Adelinda, Adeline, Adeltrude, Ágata, Agnes, Alda, Aldara, Aldith, Aldreda, Alice, Aline, Alix, Amanda, Anabela, Antia, Arabela, Armena, Astrili, Aurora, Ava, Avelina

Bailessa, Basilea, Basina, Baudelia, Beata, Beatriz, Begga, Belinda, Berta, Bertilla, Blanche, Bodélia, Bogdana, Bonita, Branca, Brites, Brunilda

Cândida, Cassandra, Catalina, Cecília, Celestina, Célia, Clara, Clarice, Clemência, Columba, Constância, Cristina, Cristiana

Denise, Dionísia, Dominica, Dragoslava, Dubravka, Dulce, Dulcina

Edith, Eleonora, Elizabeth, Emília, Emma, Esmeralda, Etheldreda, Ermengarda, Eugênia, Evelina, Everilda

Fabíola, Fada, Fastrada, Felícia, Filipa, Fina, Flor, Floridia

Gadea, Garsea, Gelvira, Genoveva, Gerberga, Gertrudes, Gervinda, Gisela, Golda, Gundred

Helena, Heloísa, Herminone, Herrad, Hilária, Hilda, Hildegarde, Hiltrude

Ida, Idônea, Igulina, Inês, Isa, Isabel, Isolda

Jimena, Joana, Jocosa, Juliana, Julieta

Laura, Laurenza, Leandra, Leonor, Letícia, Letula, Lia, Linora, Liutgarde, Lívia, Lorena, Luella, Luanda, Luba, Lúcia, Ludmila

Madelgarda, Mafalda, Maiorina, Maria, Marion, Martina, Mécia, Mencia, Margaret, Margarida, Marsília, Martina, Matilda, Matilde, Melia, Miane, Milina, Militsa, Miloslava, Mira, Mirabela, Miroslava, Molle, Mor, Moyli, Muriel.

Nancy (diminutivo de Annis), Nerys, Nina, Norma

Odília,  Olívia, Osvalda,

Prudência, Petrônia, Petronilla, Primavera,

Rada, Radoslava, Raísa, Raquel, Regina, Rohese, Rohesita, Rosa, Rosalba, Rosalie, Rosalina, Rosamunde, Rosetta, Rosina, Roxane

Sabela, Sabina, Safira, Sancha, Sarah, Sence, Serafina, Sibil, Slava, Slavitsa, Sol, Stanislava, Stella, Suévia, Sunnifa, Sunniva, Suzana

Tânia, Tatiana, Teodora, Teodrada, Teofânia,Teresa, Tianna, Timothea, Tota

Urraca, Úrsula, Utta, Uxía (variação de Eugênia)

Vanda, Velma,Vilante, Violeta, Vitória, Vivili, Vrimia

Wulfrida

Xantho

Zafara, Zanna, Zenith, Zuzana

 

Considerando que muitas centenas de anos se passaram, é incrível o número de nomes medievais, dos anos 500 a 1400, que ainda sobrevivem.

 

 





De mulheres e rainhas …

5 02 2016

 

 

Joan Beaufort, Queen of Scotland, wife of King James IJoana Beaufort, Rainha da Escócia, esposa do Rei Tiago I, Foremont Armorial, 1562.

 

Frequentemente em aula, meus alunos se surpreendem com o grande número de herdeiros de tronos e de rainhas que morrem em idade que hoje consideraríamos jovem.  A rainha aí acima ilustrada Joana Beaufort (1404-1445) não sofreu desse mal tendo morrido aos 41 anos. Sobreviveu o primeiro marido Rei James I (1394-1437), e ainda casou outra vez com James Stewart, o Cavaleiro Negro de Lorn (1399-1451).  Sorte dela.  Conseguiu dar a luz a muitos filhos que sobreviveram!  Deixou portanto uma longa descendência que se espalhou e multiplicou pela Europa: Jaime II da Escócia (1430-1460), Margaret Stewart, princesa de França (1424-1445), John Stewart, Primeiro Duque de Atholl (1440-1512), James Stewart, Primeiro Duque de Buchan (1442-1499), Joana Stewart, Condessa de Morton (1428-1486), Eleonora da Escócia (1433-1480), Anabella da Escócia (1436-1509), Mary Stewart, Condessa de Buchan (1428-1465), Isabel da Escócia (1426-1499), Andrew Stuart, Bispo de Morray (?- 1501).  John, James e  Andrew Stewart foram filhos do segundo casamento.  Tal feito era incomum, mesmo no início  do século XV, como é o caso.

Quando voltamos os olhos para a Alta Idade Média, a realidade é outra.  Tomemos o caso da Rainha Hildegarde, esposa de Carlos Magno (742 (?) – 814), que casou com ele em 771. Vinha de uma influente família da Alemannia.  Sua união a Carlos Magno durou 12 anos, nos quais ela deu a luz a nove filhos, antes da idade de 25 anos, quando morreu.  Quando seu primeiro filho nasceu, ela mal havia completado 14 anos.  Só três herdeiros homens ficaram desse casamento de Carlos Magno que imediatamente se casou com Fastrada, filha de um conde francês.  A mortalidade infantil era tão grande nessa época que reis procuravam assegurar filhos homens legítimos que pudessem herdar o trono.  Carlos Magno se desapontou com a união a Fastrada que em onze anos lhe deu só duas filhas mulheres, portanto nenhum herdeiro para o trono.  Ela morreu em 794, aos 29 anos.

Carlos Magno não era um homem insaciável.  Mas para assegurar herdeiros ao trono, acabou se casando cinco vezes. Suas esposas foram Himiltrude, Desiderata, Hildegarda de Vinzgouw, Fastrada, Luitegarda da Alemanha.  E muitos filhos.  Filhos legítimos, com Himiltrude: Pepino (v.770-811); com Hildegarda: Carlos (v.772-811), Adelaide (?-774), Rotrude (v.775-810), Pepino de Itália (777-810), Luís I, o Piedoso (778-840), Lotário (778-779), Berta (v.779-823), Gisela (781-ap.814), Hildegarda (782-783).  Com Fastrada: Teodrada (v.785-v.853), Hiltrude (ou Rotrude, Rothilde) (v. 787-?).  E filhos ilegítimos com concubinas: com Madelgarda: Rotilde (790-852), com Gervinda: Adeltruda, com Regina: Drogo (801-855) e Hugo (v.802-844) e com Adelinda: Thierry (807-ap.818).

A procura por herdeiros homens foi uma constante na história.  Não prover qualquer reino com um legítimo herdeiro foi sempre culpa da mulher, muitas vezes desconsiderada por sua inabilidade de salvar as alianças políticas, colocada de lado, divorciada legalmente ou não, abandonada, assassinada.  Levou muito tempo para a mulher ser considerada uma pessoa além de provedora de filhos homens.

Ainda temos vestígios desses problemas.  Uma das preferências por filhos homens das mais conhecidas é a que levou a China a ter, hoje, uma superpopulação de cidadãos do sexo masculino.  O governo chinês, para conter o crescimento populacional no século XX, proibiu famílias de terem mais de um filho (essa regra acaba de ser mudada em 2016, para dois filhos).  Com isso bebês do sexo feminino sofreram infanticídio nas mãos dos próprios pais que procurariam mais tarde por um filho homem.

Com esse conhecimento é praticamente impossível que não se apoie o  feminismo.  Eu sou feminista.  E você?





Ah! como eu amo o meu livro eletrônico!

11 07 2015

 

construção de tróiaConstrução e Destruição de Troia, c. 1406

Mestre Orosius, iluminura para o livro de Santo Agostinho, Cidade de Deus [em francês]; Original em latim; tradução de Raoul de Presles.

The Philip S. Collins Collection

Museu de Arte da Filadélfia, Pensilvânia, Ms. 1945.65.1, fol. 66v.

 

 

Há resenhas de livros tão bem feitas e eloquentes que me levam a querer ler imediatamente os volumes comentados.  Isso aconteceu quando li o artigo de Eric Cristiansen, Two Cheers for the Middle Ages, desta semana no New York Review of Books. É uma resenha de três novas publicações sobre a Idade Média: The Middle Ages, de Johannes Fried (2015), originalmente publicado em alemão e agora traduzido para o inglês; 1381, The Year of the Peasant’s Revolt de Juliet Barker (2014) e Dark Mirror: The Medieval Origins of Anti-Jewish Iconography, de Sarah Lipton (2014).  Os três livros se encontram em edição eletrônica para o Kindle, e os comprei imediatamente para degustação lenta e metódica até o final do ano.

Uso essa postagem nem tanto para falar desses livros, nem tampouco do meu amor pela Idade Média. Muitos de vocês sabem que a minha especialidade em história da arte é Arte Moderna Europeia — da Guerra Austro-Húngara à Segunda Guerra Mundial.  Mas se eu fosse voltar aos bancos universitários, hoje, acho que escolheria a Idade Média.  Nas últimas décadas me tornei uma amante desse período.

Mas  voltando à compra desses livros. Mereceu uma reflexão sobre o livro eletrônico.  Há menos de dez anos eu teria lido a resenha acima e, ao final, suspirado de desejo por adquirir os três volumes.  Poderia até mesmo escolher um deles para comprar. Mas o meu custo inicial seria tão maior que inviabilizaria a compra dos três títulos.  Em papel paga-se mais e o transporte internacional quase dobraria o custo. Em livros ilustrados ou de arte o peso é um grande vilão. E ainda teria que esperar umas seis semanas para sua chegada. Hoje gasto menos, começo a ler imediatamente e não me sinto roubada.

Além disso, depois que voltei a dar aulas, sou capaz de trazer aos meus alunos o que há de mais atual das novas descobertas, das novas teorias.  Os alunos também podem começar uma boa biblioteca que levam consigo onde forem, até mesmo para as bibliotecas que frequentam.  Fazer pesquisa, comparar notas, achar um texto sublinhado é tão mais fácil que corre-se o risco de não se saber mais fazer pesquisas à moda antiga. É tão mais fácil recolher notas e passagens para comparar uma teoria com a outra, que a imagem daquele pesquisador perdido no tempo, escondido em uma biblioteca, rodeado de fichas organizadas em caixas de papelão, parece, isso sim, coisa da Idade Média.  Não há mais como se levar meses e meses à procura de um dado. Além do que, livros especializados, publicados por editoras universitárias, que teriam um público muito pequeno e consequentemente seriam exorbitantes para o consumo privado, fora  as bibliotecas universitárias, hoje podem ser adquiridos e mantidos por todos os interessados.  Isso sim, é democratização do conhecimento.

Adoro os livros eletrônicos. Tenho um Kindle.  Mas leio os textos também no computador, sem qualquer problema. Sim, gosto de sentir o peso de um livro de papel em minhas mãos… mas deixaria de lado essa opção, de bom grado, se tivesse que fazer a escolha entre uma forma e outra. Para mim, o livro eletrônico é um passo muito importante para a difusão de ideias e fatos  daquilo que há de mais novo na pesquisa, e isso, por si só, é o bastante para me deixar muito feliz.





Curiosidade: desde quando fazemos ferraduras para os cavalos?

18 04 2015

 

 

Aldir Mendes de Souza (1941-2007)Arando a terraSerigrafia, 2-100,45 x 65 cmArando a terra

Aldir Mendes de Souza (Brasil, 1941-2007)

serigrafia, tiragem de 100, 45 x 65 cm

 

 

O uso do arado no norte da Europa só começa a ser generalizado no início da Idade Média e foi o primeiro dos principais elementos da revolução agrícola da época.  O segundo e o terceiro elementos, que ajudariam nessa revolução da agricultura, e que também auxiliaram nas conquistas militares,  foram os arreios e a ferradura para os cavalos.  Não se sabe a data precisa do uso de ferraduras de ferro.  Ferro era um metal valioso e era, quase sempre, derretido para fazer novos objetos. Estima-se que as ferraduras de ferro, presas com pregos tenham aparecido durante o século IX.





DNA de Ricardo III sugere infidelidade histórica

3 12 2014

 

King_Richard_III_from_NPGRicardo III, rei da Inglaterra, 1452-1485.

Pintura anônima do final do século XV.

National Portrait Gallery, Londres

 

Ricardo III, figura controversa na história da Inglaterra, protagonista cruel de uma das peças teatrais de William Shakespeare, nunca foi tão popular quanto no século XXI, quase 700 anos depois de sua morte. Uma morte, lembre-se, que não só gerou a Guerra das Rosas entre as linhas familiares  dos ducados de Lancaster e de York mas também colocou um ponto final à linha Plantagenet no trono inglês.  O final da guerra traz como sabemos o início à linhagem Tudor, com Henrique VII no trono.

O único rei da Inglaterra a morrer no campo de batalha, Ricardo III teve os restos mortais descobertos  em 2012, no sítio da antiga Igreja de Grey Friars, incendiada a mando de Henrique VIII, na época da dissolução dos monastérios. Ricardo III havia sido enterrado às pressas, sem pompa, durante a batalha.  Com a destruição da igreja e de seu cemitério anos depois o local não havia sido registrado pela História.

Screen_shot_2011-01-04_at_9_16_41_AM_949

 

Há dois anos a descoberta de seus restos mortais, examinados e identificados através de exames de DNA, trouxe uma pequena revolução no estudo da história da Inglaterra por confirmar alguns traços físicos de Ricardo III e também descartar outras tantas teorias levantadas por estudiosos do final da época medieval inglesa.

Hoje, no entanto, Ricardo III volta às manchetes.  Sua linhagem parece não ter sido tão pura quanto se pensava.  Alguém, do lado da família de seu pai, Eduardo V, teve um caso amoroso, que se tornou séria infidelidade, com consequências históricas.  Este intruso, que não sabemos ainda quem é, se infiltrou na torre do castelo, balançou o coração da donzela e permaneceu no DNA de Ricardo III.  Um pouco tarde para se mudar o resultado da Guerra das Rosas, mas uma curiosidade que, sem dúvida, levará a muitas especulações mudando até certo ponto nossos preconceitos sobre a vida cotidiana nos castelos medievais.

 

Mais





Água, uma fonte de energia já mesmo na antiguidade.

6 11 2014

 

 

lutterellMoinho d’água medieval, iluminura do Livro de Salmos Luttrell, 1320-1340.

 

Água, sua falta e sua abundância, assunto que está em pauta.  Menos do que deveria estar, já que é um elemento essencial para a nossa sobrevivência  e sofre com as mudança climáticas.   Mas pensando nisso me pergunto se não é surpreendente que tenhamos tão pouco uso de água como força geradora em moinhos.

Abundância de água doce nós tivemos até o século XXI.  Por que então há tão poucos moinhos d’água em funcionamento, nas pequenas propriedades?  E por que a nossa tradição rural não manteve tais moinhos?  São poucos os que resistem até hoje.  Não é por falta de conhecimento.  Desde a antiguidade usava-se a água como força motora.

Essas ponderações me vieram depois da leitura de um capítulo inteiro dedicado ao uso dos moinhos d’água como fonte de energia na idade média.

“As décadas turbulentas em que Roma tentava se expandir para o Levante marcaram outra conquista muito mais duradoura do que a Pax Romana: o início do domínio da energia da água.  Um papiro do século II aEC menciona a noria ou uma roda automática de irrigação no Egito, e em 18 aEC Estrabão menciona um moinho de grão movido a água no palácio que Mitrídates, rei do Ponto havia construído em 63 aEC. Um contemporâneo de Estrabão, Antípatro, celebra o moinho d’água como o libertador da labuta das serventes.  Os primeiros moinhos d’água eram horizontais, revolvendo em torno de um eixo vertical preso à mó. Mas Vitrúvio que por consenso data do século I aEC, dá instruções para uma construção para uma roda de moinho d’água vertical … o moinho de Vitrúvio foi o primeiro grande resultado de design para uma máquina com poder de movimento contínuo.”

Não é para surpreender? Tanta água, tantos rios e tão poucos moinhos…

 

Traduzido do inglês por mim.

 

Em: Medieval Technology and Social Change, Lynn White, Jr., Nova York, Oxford University Press: 1964, essa edição de 1968, p: 80





O papel das mulheres no século XII

2 09 2014

 

 

CodexManesse-1305-40-ManinBasket -- a medieval illumination from the Codex Manness, c. 1304- c 1340Mulher elevando o namorado na cesta até seus aposentos, Codex Manness, c. 1304- c 1340

 

 

Na sala de aula é comum vermos a imaginação das jovens se incendiar quando imagens de belas senhoras ou senhoritas, vestidas como princesas são projetadas na tela para esclarecimento de pontos históricos em um programa de iluminuras medievais.  Realmente há ocasiões em que as roupas parecem maravilhosas, e as festas na cortes coloridas, não se desbotam mesmo passados mais de cinco, seis, sete, séculos.  No entanto a cabeça de quem vive no século XXI tem dificuldade de entender tudo o que era esperado de uma mulher… além é claro de tudo que lhe era proibido na idade média.   Para entender esse período precisamos ler muito. A pesquisa sobre o comportamento social das “pessoas invisíveis” durante a idade média só foi levada a sério na segunda metade do século XX.  Pessoas invisíveis são todas aquelas que não lideraram um território geográfico, que não foram nobreza nem clero de importância, que não foram pensadores.  São as pessoas comuns, mercadores, comerciantes, trabalhadores, homens e mulheres.  Essas últimas só mesmo as mais importantes tiveram ocasião de serem lembradas. Assim, a pesquisa sobre o comportamento desses invisíveis requer muito lida em documentos de difícil acesso  e de difícil leitura.  Mas historiadores europeus, principalmente franceses, deram um grande empurrão nesses conhecimentos.  Hoje sabemos muito mais da textura social na idade média.  O parágrafo que segue é ilustrativo do que era esperado do comportamento de uma mulher na corte, desde a adolescência até viuvez.

 

“No século XII, padres e guerreiros esperavam da dama que, depois de ter sido filha dócil, esposa clemente, mãe fecunda, ela fornecesse em sua velhice, pelo fervor de sua piedade e pelo rigor de suas renúncias, algum bafio de santidade à casa que a acolhera. Era o dom último que ela oferecia a esse homem que a deflorara bem jovem, que se abrandara em seus braços, cuja piedade se reavivara com a sua e que depositara numerosas vezes em seu seio o germe dos rapazes que mais tarde, na viuvez, o apoiaram e que ela ajudaria com seus conselhos a conduzirem-se melhor. Dominada, por certo. Entretanto, que se tranquilizavam clamando bem alto sua superioridade nativa, que a julgavam contudo capaz de curar os corpos, de salvar as almas, e que se entregavam nas mãos das mulheres para que seus despojos carnais depois de seu ultimo suspiro fossem convenientemente preparados e sua memória fielmente conservada pelos século dos séculos”. 

 

Em: As damas do século XII, Georges Duby, São Paulo, Companhia das Letras: 2013, p. 248.





Ormuz, o início da viagem de Marco Polo

23 08 2014

 

 

 

Marco Polo at the gates of Hormuz City(maybe) Livres des Merveilles, Snark, Bibliotheque NationaleMarco Polo às portas da Cidade de Ormuz [há dúvidas sobre essa identificação].Livres des Merveilles, Snark, Bibliothèque Nationale, Paris

 

Há dois anos leio de vez em quando uma passagem do livro Marco Polo: de Veneza a Xanadu, Laurence Bergreen.  Isso depois de já ter lido o livro inteiro.  Na primeira leitura fui marcando as cidades pelas quais passava Marco Polo. [Quem lá na companhia americana 3M inventou as Post-it notes ™, na minha opinião tem entrada garantida no céu…  Que delícia poder marcar um livro todo sem desfigurá-lo!] Bem, fui marcando cada passo da viagem de Marco Polo, para procurar na internet o que se sabe desses locais e se existem construções da época [século XIII].  Sei que isso pode parecer coisa de quem não tem o que fazer, e provavelmente é.  Mas para quem gosta de história isso é uma fonte incrível de entretenimento, muito mais atraente do que grande parte dos programas de televisão, do que muito romance na lista dos mais vendidos.  Com um pouquinho de informação, com o Google Maps, e fotos, com acesso a bibliotecas inteiras na rede, a imaginação se solta e com tempo e tenacidade preencho muitos dos espaços que desapareceram apagados pelas pegadas de invasões, guerras, pestes, e todo tipo de calamidade que já nos atingiu e continuará atingindo. Há muito pouca informação segura ainda sobre esses locais, principalmente em regiões como a Pérsia (maior parte do Irã hoje) que se encontra em grande turbulência faz muito tempo.  Sítios arqueológicos nem sempre permaneceram abertos através dos diversos confrontos bélicos e corremos o risco de perder muito do que ainda poderia ser resgatado. Mesmo assim essa viagem eletrônica pelo mundo de Marco Polo tem sido fascinante.

 

640px-Braun_Hormus_UBHDOrmus” (Braun e Hogenberg. “Civitates Orbis Terrarum“, 1572)

 

Ormuz é um dos locais — visitado por Marco Polo no início de sua viagem — que encontra numerosas referências na rede.  Tem mais: muitas dessas referências são em português.  Isso porque os portugueses estiveram por lá em 1507, dominaram a cidade, e tentaram construir o Forte de Nossa Senhora da Vitória, mas foram surpreendidos pela deserção de três capitães.  Os portugueses tentavam colocar o cabresto no comércio internacional que obrigatoriamente passava por essa ilha na entrada do Golfo Pérsico. Mas  inicialmente não foram bem sucedidos.  Só em 1515, Afonso de Albuquerque, já governador da Índia, estabeleceu a suserania de Ormuz submetida ao governo da Índia.  A Ormuz que atraía os portugueses não era mais aquela visitada por Marco Polo, pois os portugueses estiveram por lá trezentos anos depois da viagem do mercador italiano, mas desde o período medieval que o local era de grande importância para o comércio de produtos exóticos vindos do Oriente.

[À parte: toda vez que leio sobre as explorações portuguesas na Era dos Descobrimentos sinto profunda admiração pelos homens que se atreveram a explorar o desconhecido. Na Era  dos Descobrimentos, a população de toda a Europa é estimada em 60 milhões e a população total de Portugal entre 1400 e 1500 é estimada em um milhão de pessoas.  Um país tão pequenino, com uma população ínfima [1/60 de toda a Europa] que se jogava em frágeis embarcações, sair pelo mundo, conquistando, brigando, construindo, lutando, guerreando, tendo o atrevimento de desbancar governos locais, já estabelecidos, tem algo de mágico, do mitológico, do conhecido enredo do arquétipo do “pequeno contra o gigante”, que me comove.  Os obstáculos eram enormes, as dificuldades aterrorizantes, as doenças intermitentes, o desconhecido era abismal e assim mesmo, espada em punho, foram aos muitos cantos do mundo. É muito impressionante.] Para ter uma ideia dos perigos enfrentados em Ormuz, pelo viajante no século XIII,  fica aqui abaixo uma citação do livro de Laurence Bergreen, com citações diretas da descrição original de Marco Polo.

 

MARCO_POLO_DE_VENEZA_A_XANADU_1250679902P

 

Para o grupo de viajantes, a visão de tanta água após passarem meses no deserto os fez recordar Veneza e o Mar Adriático, porém, observando-a melhor, Ormuz não era exatamente a joia que tinham  avistado de longe. Em primeiro lugar, “se um mercador aqui morre, o rei confisca todos os seus bens”.  O clima também trazia riscos aos viajantes desprevenidos. O vento do deserto circundante podia ser “tão sufocantemente quente que seria mortal se, tão logo percebessem sua chegada, os homens não mergulhassem na água até o pescoço para escapar do calor”.

Enquanto estiveram em Ormuz, Marco ficou horrorizado ao saber que o vento mortal apanhara de surpresa  pelo menos 6 mil soldados (5 mil a pé, o restante a cavalo) no deserto e sufocara “todos eles, de sorte que ninguém sobreviveu para levar a notícia ao senhor”. Com o tempo, os “homens de Ormuz”, souberam da morte em massa e decidiram enterrar os corpos para evitar infecções, mas “quando os suspenderam pelos braços para levá-los às covas, eles [os cadáveres] estavam tão ressecados pelo calor que os braços caíram do tronco, de forma que eles [os homens] tiveram que fazer as covas ao lado dos cadáveres e empurrá-los.”

 

Em: Marco Polo: de Veneza a Xanadu, Laurence Bergreen, tradução Cristina Cavalcanti, Rio de Janeiro, Objetiva: 2009, pp 68-69.