Um quadro, curiosidade, notas da história e pensamentos circulares…

18 04 2024

Elizabeth, Sarah and Edward, the Children of Edward Holden Cruttenden, 1763

Sir Joshua Reynolds (Inglaterra, 1723–1792)

óleo sobre tela, 179 × 168 cm

Museu de Arte de São Paulo

 

 

 

Hoje estava considerando a possibilidade de oferecer um curso sobre colecionadores de arte.  Frequentemente eles são esquecidos e no entanto eles modelam e modelaram o futuro, com a aquisição, manutenção, tutela e preservação das obras de arte de sua escolha.  O que nos chega do passado já teve a seleção feita pela destruição corrosiva do tempo e pela manutenção de um colecionador interessado. Então seu gosto e sua guarda é o que sabemos do passado.  O colecionador dirige do tempo depois de sua morte o que veremos hoje ou no futuro.  Por ele, hoje entendemos o que era valioso, merecendo atenção. Meus alunos conhecem bem essa ladainha a que os submeto em todos os cursos.  

Um dos grandes colecionadores de arte do seu tempo, foi o pintor inglês Joshua Reynolds (1723–1792). Por isso mesmo estava passando os olhos sobre suas obras e me deparei com esse belo retrato de família, parte do acervo do MASP, onde vemos Elizabeth, Sarah and Edward Cruttenden e a aia deles, cujo nome desconheço. 

A internet é como viver dentro de uma enciclopédia.  Para pessoas curiosas é simultaneamente uma bênção e um castigo. Porque somos capazes de satisfazer a ânsia do conhecimento e ao mesmo tempo atrasar com a hora, um encontro, a entrega de um texto, pagando pela perda de tempo a que os caminhos do acaso nos levam.  A minha pergunta era:  Essa aia, essa dama de companhia das crianças, com que frequência vemos esse personagem pintado na arte posterior ao Renascimento?

 

 

 

DETALHE, Elizabeth, Sarah and Edward Cruttenden, 1763, Joshua Reynolds  (1723–1792)

 

 

 

Há um viés é claro: uma doméstica não tem o mesmo lugar de importância naquela cena e por isso mesmo não é mencionada.  Mas há um fato contraditório.  A maioria dos pintores, no passado, cobrava pela complexidade de um quadro encomendado.  Retratos em geral são obras encomendadas e a adição aqui de mais uma fisionomia, certamente elevou o preço cobrado por Reynolds.  Não duvido que esta preceptora das crianças era importante para a família ou não estaria retratada, mesmo que seu nome não seja mencionado.

Outra curiosidade: por que seria que Reynolds tem mais de um retrato familiar em que uma dama de companhia das crianças aparece? Era moda? São raros os retratos de empregados de uma família.  Queriam mostrar status?  Para quem?  Ou será que Reynolds sabia levar seus clientes na conversa?  Tinha ele arte da sugestão?  Estas são perguntas relevantes…  Para respondê-las eu teria que me aprofundar em uma centena de publicações sobre Reynolds, teses de doutoramento, e francamente para meu propósito isso seria demais.

 

 

 

Geoge Clive e sua família com a doméstica indiana Clarissa, 1765

Sir Joshua Reynolds (Inglaterra, 1723–1792)

óleo sobre tela, 140 x 171 cm

Gemäldegalerie, Berlim

 

 

 

Até recentemente este quadro era conhecido como George Clive e sua família com uma doméstica indiana — mas recentemente a Gemäldegalerie de Berlim, mudou o nome para incluir o nome da aia, depois de pesquisa extensa para responder a questões como as que me interessaram.

 

 

 

DETALHE, Sir Joshua Reynolds; Clarissa, em Geoge Clive e família, 1765

 

 

 

Coronel com sua família e uma aia indiana, 1786

Johann Zoffany (Alemanha,1733–1810)

óleo sobre tela, 135 x 97 cm

Tate Gallery, Londres

 

 

 

Os pintores e retratistas (fotografias) ingleses ou que trabalhavam na Inglaterra mostram essas preceptoras como indianas.  Não são africanas e em nenhum momento aparecem como escravas.  A Companhia das Índias Orientais formada no século XVII (1600) por holandeses, ingleses e franceses, era uma companhia privada formada por um conglomerado de investidores particulares interessados em competir diretamente com Portugal no comércio de produtos orientais. No final do século XVI, Portugal já havia perdido bastante de seu monopólio nas rotas desse comércio. Portanto justamente na virada do século XVII essas empresas, consórcio podemos dizer, internacional, se voltou para a Índia como fonte de produtos para os quais havia um mercado crescente na Europa do Norte.  A primeira coisa que fizeram foi estabelecer locais de produção, plantas, digamos assim, com trabalhadores locais.  Data deste período os trabalhadores indianos entrarem também no dia a dia dos lares ingleses na Índia.

A maioria das famílias desses administradores tinha aias indianas que cuidavam das crianças da casa.  O retrato desses trabalhadores (que podem ter sido parte do sistema de trabalhos forçados) aparece com maior frequência só no século XVIII, como vemos nos exemplos dos quadros de Reynolds e Zoffany.

No século XIX, em 1858, a Inglaterra chega a conclusão que não poderia mais deixar o comércio tão importante para a estabilidade inglesa nas mãos de companhias particulares e toma das mãos desses investidores suas companhias e declara a Índia parte do Império Britânico.  Levou quase um século para a Índia conseguir sair do domínio britânico.  Mas isso não faz parte desta postagem. 

 

 

 

Foto de 1922, mostrando a aia indiana com a família para quem trabalhava em Derbyshire.

 

 

 

 Quando olhamos para a Inglaterra de hoje, não deveríamos ver com espanto o governo repleto de pessoas de origem indiana nas prefeituras, pessoas eleitas pelo povo no parlamento inglês.  A imigração indiana e paquistanesa para a Inglaterra tem séculos. A estimativa é de que em 1850 havia na Inglaterra 40.000 indianos.   Nesta época estima-se que a população da Inglaterra fosse de 16.600.000 pessoas.  Já no ano 2000, a Inglaterra tinha um pouco mais de 49.200.000 habitantes dos quais um pouco mais de 1.053.000 eram de origem indiana.  Ou seja em 150 anos a população indiana da Inglaterra cresceu de 0,2% para 2, 1%.  Não é tanto assim. Mas não deixa de me surpreender que tenha havido tão poucas representações de indianos nas pintura inglesa.





Esmerado: Caixa em esmeraldas, Mughal, Índia c. 1635

20 10 2020

Os lados e a tampa dessa caixa em ouro são cobertos por cento e três esmeraldas, perfeitamente combinadas e ajustadas ao lugar. Todas são esculpidas em baixo-relevo mostrando ciprestes e bordas de folhas estilizadas.  O alto nível artesanal sugere ter sido produzida para a corte Mughal.

No ponto mais alto e central da tampa há um diamante, cortado de maneira rasa em cima e vinte e quatro facetas na cintura.  O fundo da caixa é decorado com esmalte verde-esmeralda, sobre decoração cinzelada. O desenho mostra uma roseta central rodeada por dois níveis de hastes com folhas de acanto  formando dupla voluta.

Fonte: Alain Truong





Esmerado: caneta e tinteiro, século XVI

30 04 2019

 

 

 

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Conjunto de caneta e tinteiro (Cavat-I Dawlat), 1575-1600, final do século XVI

ouro cravejado com esmeraldas, rubis e diamantes, com o pássaro sagrado (hamsa) gravado no tinteiro.

Deccan, India Central

 

Objetos como esses, decorados com pedras preciosas, tiveram grande e conhecida importância simbólica no mundo islâmico, onde eles eram um distintivo tanto da importância imperial quanto do alto posto do governo ocupado por seu proprietário.

Essa ressonância ainda era maior no contexto muçulmano por causa do valor da palavra escrita no Corão.  Estojos de canetas eram objetos valiosos dos sultões e de seus principais ministros – o estojo real para uma caneta demonstrava erudição e autoridade reforçada.

Na dinastia Mughal, estojos de canetas e tinteiros foram presenteados pelos imperadores como sinal da mais alta distinção.

Fonte: Revista semanal da loja de leilões Christie’s.





Imagem de leitura — Aditya Phadke

3 04 2019

 

 

 

Luz dourada, Aditya Phadke (Índia, contemporâneo) Óleo sobre tela, 60 x 81 cmBrilho dourado

Aditya Phadke (Índia, contemporâneo)

Óleo sobre tela, 60 x 81 cm





Resenha: “A inesperada herança do Inspetor Chopra” de Vaseem Khan

19 07 2018

 

 

_Demeter_BabyElephant David Drinnon (oil), Baby Elephant by Anne Demeter (acrylic)Elefantinho, ilustração de Anne Demeter.

 

 

A Inesperada Herança do Inspetor Chopra de Vaseem Khan é um agradável livro de entretenimento, perfeito para o fim de semana de férias.  Ele se insere entre livros de mistério passados em terras exóticas e longínquas. Este nicho literário ganhou, nas últimas duas décadas, leitores fieis e novos escritores.  Essas obras abrem caminho para o entendimento de diferentes culturas através de detetives e crimes por resolver. Neste segmento meus preferidos são as aventuras de Mma Precious Ramatswe, em Botsuana,  personagem criado pelo escritor britânico Alexander McCall-Smith cuja aparição no mundo dos detetives foi no livro Agência Nº 1 de Mulheres Detetives (original de 1998, 2003 no Brasil) (a série inteira é deliciosa) e também os problemas enfrentados ao combater crimes pelo Detetive Chen Cao, do escritor Qiu Xialong (imperdíveis para quem lê em inglês, mas até o momento sem tradução no Brasil), cujo território de ação é sua terra natal, Xangai. Sua primeira aventura apareceu em Death of a Red Heroine (2000). Ambos autores presenteiam seus leitores com impressões da vida cotidiana e da cultura local.  Agora podemos adicionar a esta lista as obras de Vaseem Khan, localizadas na Índia, em Bombaim (Mumbai).   A Inesperada Herança do Inspetor Chopra é o primeiro volume da série Baby Ganesh Agency, e o único título publicado no Brasil. Nele o policial indiano, que está se aposentando, e que dedicou toda vida profissional no combate ao crime, na mais populosa cidade da Índia, recebe, no mesmo dia de sua aposentadoria, um elefante bebê de herança.

 

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Este é um livro aconchegante. Cheio de charme e bom humor.  Ele nos lembra como é importante seguir os instintos ganhos depois de mais de trinta anos de profissão.  Como era previsível, o inspetor Chopra não tem tempo de se sentir nostálgico pelos anos a serviço da cidade. Apesar de se aposentar por motivos médicos, no mesmo dia em que deveria usufruir do tempo livre, sem horários, típico do benefício que lhe coube, descobre que a polícia não está fazendo qualquer esforço para resolver um crime e isso lhe parece estranho.  O instinto o alerta.  Há algo que não cai bem nessa história.  No entanto, este não é o único empecilho proibindo-o de gozar do descanso projetado. Há outro problema inesperado: cuidar do  filhote de elefante herdado de um tio e que lhe foi entregue em casa na primeira manhã do planejado descanso.  Contrastando com os agitados primeiros dias de reforma, há a figura calma da fiel esposa, Poppy, que raciocina de maneira deliciosa sobre soluções de problemas corriqueiros e que solidamente o mantém em cheque, mesmo depois de Chopra levar para dentro de casa, para nada menos do que a sala de estar do casal, a inusitada herança. Como numa boa e justa história tudo se explica no final e por causa do sucesso de seu desempenho, tanto no crime quanto na guarda do elefante, Inspetor Chopra abre a Agência de Detetives Baby Ganesh.

 

Vaseem-Khan-14.10.2017-2-e1510867988647-350x2jlzrbt007tg7l0ykqVaseem Khan

 

Estamos em julho.  Época de férias de inverno.  Nada melhor do que uma leitura leve, com chocolate quente nas mãos, manta no colo e uma boa poltrona.  Indicada para todas as idades.  Interessante e informativo.  Alarga horizontes. Em dois tempos Inspetor Chopra nos conquista.  E não precisamos de mais do que duas tardes, acompanhamos a vida deste detetive que ao transitar em sua cidade natal nos mostra os bairros e o complexo perfil de Bombaim.  Ao final, ficamos felizes de ver que provavelmente a Agência de Detetives Baby Ganesh será um sucesso e trará para nós  leitores mais aventuras com gosto indiano. É só esperar pelos próximos volumes.

 

 

NOTA: este blog não está associado a qualquer editora ou livraria, não recebe livros nem incentivos para a promoção de livros.





Imagem de leitura — Rajá Ravi Varma

19 07 2018

 

 

Raja_Ravi_Varma,(India)_A_StudentUm estudante

Rajá Ravi Varma (Índia, 1848 – 1906)

óleo sobre tela





Filhotes fofos!

17 01 2016

 

 

tiger-cubs_1014061iFilhotes de tigre, em reserva na Índia, em Timesofindia.indiatimes.com




Panchatantra, uma das mais antigas coleções de fábulas

19 10 2015

 

 

syrischer_maler_von_1354_001Ilustração do Panchatantra, na versão síria de 1354. Aqui está ilustrada a história em que o coelho engana o elefante mostrando a ele a lua refletida na água. (Bodleian Library, Oxford).

 

 

Panchatantra, quer dizer ‘Cinco Princípios‘ e é uma coleção de fábulas indianas provavelmente compiladas no século III antes da era comum, escritas originalmente em sânscrito.  Os originais já se perderam. Mas a coleção, ainda é muito conhecida. Foi traduzida do hebreu para o latim por João de Capua, em 1270.  Assim como muitas coleções de fábulas, hoje o Panchatantra tem inúmeras publicações em inglês, francês e outras línguas ocidentais, a maioria como livros para crianças.  Mas seus ensinamentos são universais e para todas as idades…





Em três dimensões – Subodh Gupta

14 03 2015

 

 

0.88262900 1350375611Raio, 2012

Subodh Gupta (Índia, 1964)

aço inoxidável e utensílios de aço inoxidável, 6 x 4 x 4 m

National Gallery of Modern Art, Nova Deli

 

Indian Artist Subodh Gupta At The Private View Of His First Major Museum Show In Delhi - 'Everything Is Inside'





Brigas e amizades… quem entende?

19 02 2015

 

amizade, tom & jerryTom e Jerry na praia, disputas e perseguições de lado.

 

Bom ver brigas resolvidas. A vida é curta. Ninguém ganha com desentendimentos. Mas brigas que levam anos são mais difíceis de resolver. O rancor cria raízes. Por isso é surpreendente que uma das mais famosas brigas literárias do século XX tenha chegado ao final este mês: Paul Theroux e V. S. Naipaul, voltaram a se falar.

V. S. Naipaul tinha como “discípulo” Paul Theroux.  Os dois eram muito amigos. Até o dia em que Naipaul decidiu vender alguns presentes que Theroux havia lhe dado…

Pronto.  Briga feita. Por anos não se falaram.  Quase duas décadas!

O gesto de reconciliação veio de Theroux, a parte que havia se sentido ferida. Talvez, aos 73 anos de idade, ele tenha aprendido a perdoar. Mas, contrário à sabedoria popular, nem sempre a sensatez é resultado da idade. Paul Theroux, que não é bobo, deve ter reconhecido que  presentes são dados para que o recipiente faça o que quiser com eles.  Ou não seriam presentes, seriam empréstimos…

O momento da reconciliação foi público, durante o Festival Literário de Jaipur na Índia. Em uma palestra, Paul Theroux elogiou o livro de Naipaul, Uma casa para o Sr. Biswas, comparando o recipiente do Nobel de Literatura em 2001, com o autor britânico do século XIX, Charles Dickens.  V. S. Naipaul, que estava na plateia, mostrou, aos 82 anos de idade, como havia sido importante a amizade deles e como a briga o havia afetado. Teve um momento de catarse, chorando abertamente ao ouvir os elogios de seu antigo discípulo. Um momento de dar engasgo na garganta…

Boas novas!

 

Fonte: The Telegraph