Nunca sei, poema de Alberto Caeiro

17 02 2017

 

 

 

carol-kossak-polonia-1845-brasil-1968-marinha-com-veleiros-oleo-s-tela-60-x-455-cm

Marinha com veleiros

Carol Kossak (Polônia 1845 – Brasil 1968 )

óleo sobre tela,  60 x 45,5 cm

 

 

 

Nunca sei

 

Alberto Caeiro

 

 

Nunca sei como é

que se pode achar

um poente triste.

Só se é por um poente

não ter uma madrugada.

Mas se ele é um poente,

como é que ele

havia de ser uma

madrugada?

 

 

Em:Poemas completos de ALberto Caeiro, Mensagem, Fernando Pessoa, Lima, Peru, Los Libros Mas Pequeños del Mundo: 2011, página, 243





Natal Africano, poesia de João Cabral do Nascimento

20 12 2016

 

 

adoracao-dos-reis-vasco-fernandes-francisco-henriques-1501-1506Adoração dos reis, 1506

Vasco Fernandes (Portugal, 1475-1542) e Francisco Henriques (Flandres/Portugal, ? – 1518)

óleo sobre madeira, 131 x 81 cm

Museu Grão Vasco

 

 

 

Natal Africano

 

João Cabral do Nascimento

 

 

 

Não há pinheiros nem há neve,

Nada do que é convencional,

Nada daquilo que se escreve

Ou que se diz… Mas é Natal.

 

Que ar abafado! A chuva banha

A terra, morna e vertical.

Plantas da flora mais estranha,

Aves da fauna tropical.

 

Nem luz, nem cores, nem lembranças

Da hora única e imortal.

Somente o riso das crianças

Que em toda a parte é sempre igual.

 

Não há pastores nem ovelhas,

Nada do que é tradicional.

As orações, porém, são velhas

E a noite é Noite de Natal.

 

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Ó sino de minha aldeia, poema de Fernando Pessoa

24 11 2016

 

José Pancetti, Igreja do Senhor do Bonfim, 1945,ost, 46x38Igreja do Senhor do Bonfim, 1945

José Pancetti (Brasil, 1902-1958)

óleo sobre tela, 46 x 38 cm

 

 

 

Ó sino de minha aldeia,

Dolente na tarde calma,

Cada tua badalada

Soa dentro de minh’alma.

 

E é tão lento o teu soar,

Tão como triste da vida,

Que já a primeira pancada

Tem o som de repetida.

 

Por mais que me tanjas perto

Quando passo, sempre errante,

És para mim como um sonho,

Soas-me na alma distante.

 

A cada pancada tua,

Vibrante no céu aberto,

Sinto mais longe o passado,

Sinto a saudade mais perto.

 

 

Em: Poesias, Fernando Pessoa, Lisboa, Ática, 1987, 12ª edição, p. 95-6.

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“O caçador de borboletas” poema de Álvaro Magalhães

2 08 2016

 

 

Armen VahramyanCaçadora de borboletas

Armen Vahramyan (Armênia, 1968)

www.vahramyan.com

 

 

 

O Caçador de borboletas

 

Álvaro Magalhães

 

 

Sorridente, ao nascer do dia,

ele sai de casa com sua rede.

Vai caçar borboletas, mas fica preso

à frescura do rio que lhe mata a sede

ou ao encanto das flores do prado.

Vê tanta beleza à sua volta

que esquece a rede em qualquer lado

e antes de caçar já foi caçado.

 

À noite regressa à casa cansado

e estranhamente feliz

porque sua caixa está vazia,

mas diz sempre, suspirando:

Que grande caçada, que belo dia!

 

Antes de entrar limpa as botas

num tapete de compridos pelos

e sacode, distraído,

as muitas borboletas de mil cores

que lhe pousaram nos ombros, nos cabelos.

 

 

Em:O Reino Perdido,  Alvaro Magalhães, Porto, ASA: 2000

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Meu dia de estrela!

23 07 2016

 

 

autografo 4Ilustração ©Maurício de Sousa.

 

 

Meu dia de estrela!

Hoje, estive no programa SÁBADO SHOW da Rádio Bandeirantes no RJ. Fui falar sobre o PAPA LIVROS e o AO PÉ DA LETRA, dois grupos de leitura, com 22 pessoas cada, que oriento. E deu para falar também do meu próximo projeto que é EU TAMBÉM LEIO, um grupo de leitura para adolescentes que gostam de ler. Explicar que a leitura é uma forma ecumênica de aprendizado é importante. Foi uma oportunidade única. Agradeço aos que puderam proporcionar esse momento.

Contato através da página da PEREGRINA CULTURAL no Facebook ou através daqui mesmo, no blog.





Sei um ninho, poema de Miguel Torga

9 11 2015

 

perecastor-coucou-ill-illustrated by Feodor Stepanovich Rojankovsky, Rojan.Ilustração de um dos livros “Père Castor”, com ilustração provável de Feodor Stepanovich Rojankovsky, conhecido como Rojan.

 

 

Sei um ninho

 

Miguel Torga

 

 

Sei um ninho.

E o ninho tem um ovo.

E o ovo, redondinho,

Tem lá dentro um passarinho Novo.

Mas escusam de me atentar:

Nem o tiro, nem o ensino.

 

Quero ser um bom menino

E guardar

Este segredo comigo.

E ter depois um amigo

Que faça o pino

A voar…





Escola, poesia de Armindo Rodrigues

17 09 2015

 

 

ESCOLA Michael Peter Ancher (1849 – 1927, Danish) a-village-school-in-skagenEscola em vilarejo de Skagen

Michael Peter Ancher (Dinamarca, 1849-1927)

óleo sobre tela

 

 

Escola

 

Armindo Rodrigues

 

 

Os meninos estão sentados

com um ar baço de tédio

e entre os meninos eu,

eu de mim, menino, lembrado,

mas já distante sem remédio.

 

De novo, menino, oiço

a voz vagarosa e dura

do professor a repetir.

a repetir, como um baloiço,

a mesma pergunta obscura.

 

De novo, menino, fujo,

embora imaginariamente,

da aula monótona e parada

e me perco no pó da estrada

à minha própria procura.

 

 

Em: Voz arremessada no caminho; poemas, Armindo Rodrigues, Lisboa: 1943, p. 55





Resenha: “Debaixo de algum céu” de Nuno Camarneiro

5 08 2015

 

Buildings in Buarcos, Portugal, Claire Nelson-Esch, Pencils, Ink, watercolour on paper, 13.5 x 21cm  ©Claire Nelson-Esch. httpclairelovesyouthismuch.blogspot.com.brEdifícios em Buarcos, Portugal

Claire Nelson-Esch (África do Sul, contemporânea)

Lápis, bico de pena, aquarela sobre papel, 13, 5 x 21 cm

©Claire Nelson-Esch.

Claire Nelson-Ech

 

 

Esta foi a minha apresentação ao escritor português Nuno Camarneiro, ganhador do Prêmio Leya de 2012, com esse livro. Tenho mantido contato próximo com autores lusitanos publicados aqui no Brasil. Acho que a literatura publicada além-mar anda muito interessante e não me canso de experimentar novos escritores. Por isso mesmo, mergulhei em Debaixo de algum céu com muita expectativa. Talvez mais expectativas do que deveria.

A ideia central de Nuno Camarneiro é muito interessante e rica em possibilidades: seguir a vida, por uma semana, de um grupo de pessoas que têm em comum habitarem o mesmo edifício de apartamentos. Rico em possibilidades, em caracterização de personagens de diversos caminhos, o tema é fascinante. A limitação de tempo e de lugar, onde muitos personagens exibem suas características não é estranho à literatura nem ao cinema. De Anjo Exterminador de Buñuel ao edifício de apartamentos, personagem do romance A beleza do Ouriço, de Muriel Barbery, exemplos abundam. Todos trabalhos de sucesso. Sucesso esperado por essa coletânea de histórias de Nuno Camarneiro, quase um conjunto de contos, não fosse a ocasional interação entre os personagens residentes do prédio.

 

Índice

Nuno Camarneiro preenche seu texto com uma série de frases de efeito, que certamente encontrarão lugar nos livros e sites de citações, frases inspiradas. No entanto a narrativa é fria. Controlada demais, quase sem interação de personagens, diálogos. Nem mesmo entre membros de uma família no mesmo apartamento há diálogos. Só ocasionalmente. Todos os personagens são taciturnos, reservados e sigilosos. Não há um que seja mais expansivo, não há um que quebre estrondosamente as regras. E, no entanto, apesar de vidas cerradas e quietas, nenhum deles se dá a indulgência de um hábito secreto, transgressor, uma mania, um comportamento fora do eixo, em sua intimidade, características que fazem qualquer personagem tridimensional. Resultado: todos são figuras de papelão. A presença do narrador se impõe em demasia tirando qualquer leveza do texto, qualquer mobilidade dos personagens. Tudo é visto e contado com a mesma voz em monótona narrativa, sem humor, sem ironia, demasiadamente contida e estereotipada. Por isso mesmo os capítulos são legendados para que se saiba quem narra aquele trecho.

 

Nuno_camarneiroNuno Camarneiro

 

A narrativa, mesmo assim, é ritmada e bem feita. Cheguei ao fim do livro com facilidade, sempre esperando que algo acontecesse de proporções adequadas às minhas horas de dedicação à leitura. O desfecho foi um tanto anticlimático. A rigorosa mão do autor pode ser sentida forjando acontecimentos que nem sempre parecem ser a consequência natural dos personagens. Vamos ver o que mais Nuno Camarneiro poderá trazer ao público, no futuro. Tenho a impressão de que o autor precisa se soltar. Com esse pulso de ferro, seus personagens não têm chance de crescer e nos surpreender e quem sabe surpreender até ao próprio autor?





Sublinhando…

4 08 2015

 

 

Frank_W._Benson,_Portait_of_Gertrude_Russell,_1915Retrato de Gertrude Russell, 1915

Frank Weston Benson (EUA,1862-1951)

óleo sobre tela, 137 x 103 cm

 

 

“Deus é bom mas liga pouco a pormenores.”

 

Em: Debaixo de algum céu, Nuno Camarneiro, Rio de Janeiro, Leya: 2013, p.61

 





O arroz doce, texto de Eça de Queiroz

27 05 2015

 

 

Joseph Clark (British artist, 1834-1926) A Christmas Dole 1800sBonus de Natal

Joseph Clarke (Grã-Bretanha, 1834-1926)

óleo sobre tela, 90 x 120 cm

 

O arroz-doce

 

“Depois chegou a hora das luzes e do jantar. Eu encomendara pelo Grilo ao nosso magistral cozinheiro uma larga travessa de arroz-doce, com as iniciais de Jacinto e a data ditosa em canela, à moda amável da nossa meiga terra. E o meu Príncipe à mesa, percorrendo a lâmina de marfim onde no 202 se escreviam os pratos a lápis vermelho, louvou com fervor a ideia patriarcal:

-Arroz-doce! Está escrito com dois ss, mas não tem dúvida… Excelente lembrança! Há que tempos não como arroz-doce! Desde a morte da avó.

Mas quando o arroz-doce apareceu triunfalmente, que vexame! Era um prato monumental, de grande arte! O arroz, maciço, moldado em forma de pirâmide do Egito, emergia duma calda de cereja, e desaparecia sob os frutos secos que o revestiam até ao cimo onde se equilibrava uma coroa de Conde feita de chocolate e gomos de tangerina gelada! E as iniciais, a data, tão lindas e graves na canela ingênua, vinham traçadas nas bordas da travessa com violetas pralinadas! Repelimos, num mudo horror, o prato acanalhado. E Jacinto, erguendo o copo de Champanhe, murmurou como num funeral pagão:

Ad Manes, aos nossos mortos!”

 

Eça de Queiroz, A cidade e as serras

[Exemplo de Narrativa Descritiva]

 

Em: Flor do Lácio, [antologia]  Cleófano Lopes de Oliveira, São Paulo, Saraiva: 1964; 7ª edição. (Explicação de textos e Guia de Composição Literária para uso dos cursos normais e secundário) p. 194.

 

NOTA: Ad manes é a abreviação da expressão em latim Ad manes abiit, que significa: Aos mortos, aos que morreram.