Outono: Miguel Torga

20 04 2024

Luz de outono, 1888

Theodore Robinson (EUA, 1852-1896)

óleo sobre tela

Florence Grimswold Museum, Old Lyme, CT

 

 

 

Vento que passas, leva-me contigo.
Sou poeira também, folha de outono.
Rês tresmalhada que não quer abrigo
No calor do redil de nenhum dono.
Leva-me, e livre deixa-me cair
No deserto de todas as lembranças,
Onde eu possa dormir
Como no limbo dormem as crianças.

 

Miguel Torga





Bucólica, poema de Miguel Torga

19 10 2023

Casinha da vovó,1976

Lorenzato (Brasil, 1900-1995)

óleo sobre cartão, 38 x 32 cm

 

 

 

Bucólica

(Diário I, 1941)

 

Miguel Torga

 

 

 

A vida é feita de nadas:

De grandes serras paradas

À espera de movimento;

De searas onduladas

Pelo vento;

 

De casas de moradia

Caiadas e com sinais

De ninhos que outrora havia

Nos beirais;

 

De poeira;

De sombra de uma figueira;

De ver esta maravilha:

Meu Pai a erguer uma videira

Como uma mãe que faz a trança à filha.





Súplica, poesia de Miguel Torga

16 01 2023

Uma xícara de café, 2020

Alexei Ravski (Bielorússia, 1961, radicado na França)

óleo sobre tela, 38 x 46 cm

 

Súplica

 

Miguel Torga

 

Agora que o silêncio é um mar sem ondas,

E que nele posso navegar sem rumo,

Não respondas

Às urgentes perguntas

Que te fiz.

Deixa-me ser feliz

Assim,

Já tão longe de ti como de mim.

 

Perde-se a vida a desejá-la tanto.

Só soubemos sofrer, enquanto

O nosso amor

Durou.

Mas o tempo passou,

Há calmaria…

Não perturbes a paz que me foi dada.

Ouvir de novo a tua voz seria

Matar a sede com água salgada.





Último Natal, poesia de Miguel Torga

16 12 2019

 

 

 

Spiridon Vikatos (Argostoli, 1878 – Atenas, 1960).Árbol de Navidad-Árvore de Natal

Spiridon Vikatos (Grécia, 1878 – 1960)

óleo sobre tela

 

 

Último Natal

 

Miguel Torga

 

Menino Jesus, que nasces

Quando eu morro,

E trazes a paz

Que não levo,

O poema que te devo

Desde que te aninhei

No entendimento,

E nunca te paguei

A contento

Da devoção,

Mal entoado,

 

Aqui te fica mais uma vez

Aos pés,

Como um tição

Apagado,

Sem calor que os aqueça.

Com ele me desobrigo e desengano:

És divino, e eu sou humano,

Não há poesia em mim que te mereça.





Ninho, poesia infantil de Miguel Torga

24 04 2019

 

 

 

43b5b877650df623ea9df470e80481bcDesconheço a autoria.

 

 

Ninho

 

Miguel Torga

 

 

Sei um ninho.

E o ninho tem um ovo.

E o ovo, redondinho,

Tem lá dentro um passarinho

Novo.





Minutos de sabedoria: Miguel Torga

5 10 2016

 

 

lost-pocketbook-night-train-sally-storchBolsa perdida, trem noturno, 2005

Sally Storch (EUA, 1952)

óleo sobre tela, 75 x 75 cm

 

 

“Viajar, num sentido profundo, é morrer. É deixar de ser manjerico à janela do seu quarto e desfazer-se em espanto, em desilusão, em saudade, em cansaço, em movimento, pelo mundo além.”

 

Miguel Torga

 

torga-miguelMiguel Torga (1907-1995)

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Sei um ninho, poema de Miguel Torga

9 11 2015

 

perecastor-coucou-ill-illustrated by Feodor Stepanovich Rojankovsky, Rojan.Ilustração de um dos livros “Père Castor”, com ilustração provável de Feodor Stepanovich Rojankovsky, conhecido como Rojan.

 

 

Sei um ninho

 

Miguel Torga

 

 

Sei um ninho.

E o ninho tem um ovo.

E o ovo, redondinho,

Tem lá dentro um passarinho Novo.

Mas escusam de me atentar:

Nem o tiro, nem o ensino.

 

Quero ser um bom menino

E guardar

Este segredo comigo.

E ter depois um amigo

Que faça o pino

A voar…





Um poema — para todos — de Miguel Torga

26 05 2015

 

 

leitura, distração, georges lepape, vogueDistração, gravura George Lepape.

 

 

Um poema

Miguel Torga


Não tenhas medo, ouve:
É um poema
Um misto de oração e de feitiço…
Sem qualquer compromisso,
Ouve-o atentamente,
De coração lavado.
Poderás decorá-lo
E rezá-lo
Ao deitar
Ao levantar,
Ou nas restantes horas de tristeza.
Na segura certeza
De que mal não te faz.
E pode acontecer que te dê paz…


Miguel Torga, Diário XIII