Gustavo Rosa (Brasil, 1946 – 2013)
Gravura
O problema com que todos nós vivemos, 1964
Norman Rockwell ( EUA, 1894-1978)
óleo sobre tela
[Para a revista LOOK de 14-01- 1964]
Old Corner House Collection, Stockbird, Massachusetts
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Na Inglaterra o livro O sol é para todos, [To kill a mocking bird] da escritora Harper Lee, é um dos livros mais populares ficando em quinto lugar na preferência do público, abaixo de Orgulho e preconceito [ Pride and Prejudice] mas acima da Bíblia, um fato intrigante considerando-se que o romance foi publicado há exatamente 50 anos, que se passa no sul dos Estados Unidos na época da Depressão. O enredo se desenrola na cidade fictícia de Maycomb e um dos temas centrais trata da discriminação racial, discriminação de classe e a procura da justiça para um inocente. Levando isso em consideração li o artigo que a BBC publicou ontem, justamente analisando essa popularidade, que não é justificada só por ser um livro adotado em muitas escolas. Ao que tudo indica sua popularidade ultrapassa gerações. Seus fãs tanto os jovens e quanto seus pais, o consideram uma leitura inigualável. Além disso, as bibliotecárias entrevistadas nessa mesma enquete do World Book Day admitiram ser O sol é para todos o livro que mais indicavam.
A narrativa é feita por uma adolescente. Ou talvez, por uma pessoa idosa lembrando-se de sua adolescência. O adolescente como narrador tem um longa e forte tradição na literatura americana, cujo principal propulsor dessa voz foi conquistado por Huckleberry Finn, no livro As aventuras de Huckleberry Finn de Mark Twain. Em O sol é para todos, Scout, é a filha de um advogado que defende um homem negro da acusação de estupro de uma menina branca, e é através de seus olhos que entendemos a sociedade que a cerca. Este é de fato um livro sobre justiça, cheio de esperança, de valores morais universais, que não têm nem idade, nem país de origem. E que todos nós, adultos, jovens ou crianças almejamos. É um livro de alto astral. E é, também, onde aprendemos a tentar ver a realidade através dos olhos de outrem; de andar nos seus passos, de conhecer o seu caminho. São experiências e atitudes universais que nos mostram a nossa própria humanidade.
E você? Já leu O sol é para todos?
Papas Stéfanos ( Rhodes, Grécia, 1948, radicado no Brasil)
Óleo sobre tela, 60 x 80 cm
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Paulo Setúbal
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A Luiz Piza Sobº
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É noite… O santo famoso,
O doce, o meigo S. João,
Tivera um dia glorioso,
Dia de festa e de gozo,
Que encheu de estrondo o sertão.
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Já cedo, em meio aos clamores,
Aos vivas do poviléu,
Lindo, enramado de flores,
Um mastro de quentes cores,
Subira em triunfo ao céu!
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E agora, enquanto, alva e lesta,
Palpita a lua hibernal,
Na fazenda, toda festa,
Referve a alegria honesta
Da noite tradicional.
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Dentro, com grande aparato,
Brilha enfeitado o salão:
Que há, nessa festa do mato,
Pessoas de fino trato,
Chegadas para o S. João…
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Destaca-se entre essa gente
A flor do mundo local:
O padre, o juiz, o intendente,
— O próprio doutor Vicente
Que é deputado estadual!
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Ante o auditório pasmado,
Que, num enlevo, sorri,
A Isabelinha Machado
Batuca, sobre o teclado,
Uns trechos do Guarani…
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Tudo o que toca e assassina,
Recebe imensa ovação;
Todos, quando ela termina,
Põem-se a exclamar: ” Que menina!
Dá gosto! Que vocação!”
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E ela, entre ingênua e brejeira,
Com ares de se vingar:
” Agora, queira ou não queira,
Seu Saturnino Pereira
Há de também recitar.”
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Surge, à força o Saturnino…
Rugem palmas ao redor!
É um tipo, esgalgado e fino,
Que sabe desdde menino,
Dizer Castro Alves de cor.
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Na sala, muda e tranquila,
Tombam, com chama, os versos seus;
E ele, o letrado da vila,
Ao som da velha Dalila,
Lá vai: ” Foi desgraça, meu Deus...”
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Após ouvir a estupenda
Flamância do seu falar,
No amplo salão da fazenda,
Os velhos jogos de prenda
Reclamam o seu lugar.
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Começa então a berlinda.
Risos. Cochichos. Zum-zum.
— De pé, donairosa e linda.
Pergunta a D. Florinda
Os dotes de cada um:
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Por que razão, seu Martinho,
Foi à berlinda a Lelê?
— ” Porque olha muito ao vizinho”;
“Porque é má; porque é um anjinho”;
“Porque é vaidosa”; “porque…”
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E todo o mundo, a porfia,
Põe farpas na indiscreção…
E enquanto, ingênua e sadia,
Essa campônea alegria
Faz tumultuar o salão.
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Lá fora, alegre e gabola,
Nun terreiro de café,
Ao rude som da viola,
A caboclada rebola
Num tremendo bate-pé!
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A filha do Zé-Moreira
É o mimo deste São João;
À luz da rubra fogueira,
Requebra a guapa trigueira
Ao lado de Chico Peão.
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Candoca, a noiva do Jango,
Baila num passo taful;
É a flor que, nesse fandango,
Tem lábios cor de morango,
Vestido de chita azul.
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No sapateio se nota,
Aos risos dos que lá estão,
Nhô Lau, de esporas e bota.
Dançando junto à nhá Cota,
Viuva do Conceição….
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A voz do pinho que chora,
Por sob a paz do luar,
Fremindo vai, noite afora,
Essa alegria sonora
Da caboclada a bailar!
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E do salão, qua ainda brilha
Num faiscante esplendor,
Chegam os sons da quadrilha,
Que alguém ao piano dedilha
Com indomável furor.
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E no sarau campezino,
Nessa festa alegre e chã
Ruge a voz do Saturnino,
Que grita, esgalgado e fino:
“Balancez! Tour! En avant...”
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Em: Alma cabocla, Paulo Setúbal, São Paulo, Ed. Carlos Pereira:s/d, 5ª edição [ Primeira edição foi em 1920]
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Paulo Setúbal
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Paulo de Oliveira Leite Setúbal (São Paulo, 1893 — São Paulo, 1937), advogado, escritor brasileiro, trabalhou como colaborador do jornal O Estado de S. Paulo, deputado estadual de 1928 a 1930, renunciamdo ao mandato por ter agravada sua tuberculose.
Obras:
Alma cabocla, poesia, 1920
A marquesa de Santos, romance-histórico, 1925
O príncipe de Nassau, romance histórico, 1926
As maluquices do Imperador, contos-históricos, 1927
Nos bastidores da história, contos, 1928
O ouro de Cuiabá, história, 1933
Os irmãos Leme, romance, 1933
El-dourado, história, 1934
O romance da prata, história, 1935
O sonho das esmeraldas, 1935
Um sarau no Paço de São Cristóvão, 1936
A fé na formação da nacionalidade, ensaio, 1936
Confiteor, memórias, 1937