
Ontem à noite Gisela, minha prima e amiga, lembrou-me deste poema que publiquei em 2007. Numa conversa familiar decidimos que eu iria re-colocá-lo na web, apesar de já ter aparecido no meu antigo blog: A Meia Voz. Agradeço aos fãs da peripécia aqui revelada.
Bandeja de madeira
Ladyce West
Comprei uma bandeja de madeira,
No mercado de usados da cidade.
O preço alto, verdadeiro assalto,
Testava a minha vontade…
Invocada reclamei:
“Preço muito apimentado!”
O feirante desfiou, então,
A ladainha da ocasião:
Uma cascata de palavras
E de muitas abobrinhas.
Listadas de um modo simples,
Em fileira memorizada,
Uma tabuada de dados,
Sem nexo e sem sentido,
Qual jovem guia turístico
Treinado para repetir,
Sem nenhuma compreensão,
História de monumentos,
Batalhas, guerra ou ação.
Um rol de características,
Uma lista de preciosismos,
Que turistas escutam em vão.
No caso do comerciante,
Era manobra astuta,
Artimanha obstrucionista,
Inspirada na política
Do partido oposicionista,
Com intenção de impedir
Barganhas, regateio, pechincha.
Mas não me dei por vencida
E esbocei, na medida,
Uma ensaiada choradeira
De compradora matreira,
Desconfiada confessa.
Mas para meu desagrado,
A manobra desta vez
Não deu nenhum resultado.
E o vendedor perturbado,
Não se fazendo de rogado,
Disse em português claro:
O preço é este e está acabado!
Era esperteza, eu sabia.
Manha de ressabiado
Recalque de gato escaldado.
Experiente e esperta,
Também lhe disse umas tantas,
Questionei ainda uma vez
Os dados da tal bandeja
Que sabia muito bem
Não ser uma antiguidade.
“Mas minha senhora veja,
Já não se faz trabalho
Detalhado como este.
Marqueteria finíssima,
Olhe a delicadeza
Deste desenho aqui em cima!”
Mantive meu ar incrédulo
De pessoa que conhece:
Reclamei do acabamento,
Das alças, das bordas, do centro,
Do verniz barato – opaco.
“Não sou caloteiro!
Nem tampouco pirateio.
A Sra. pode confirmar
Nos antiquários da cidade!
Vai ver que é coisa boa,
Que tem uma certa idade!”
Pus-me a andar, dando o fora,
No velho ardil de negócios
Fazendo-lhe acreditar
Que era fácil ir embora.
Ele veio correndo atrás,
É vintage, minha senhora,
É vintage, repetia!
Como se a palavra,
A denominação,
A expressão estrangeira,
Respondesse às perguntas
Corriqueiras que lhe fiz.
Mas parei. E voltei.
Queria muito a bandeja
Rica em marqueteria.
“Não pode ser”, eu dizia,
“Eu me lembro dessas bandejas,
Dessas lembranças para turistas,
Vendidas nas barraquinhas
Da Quinta da Boa Vista…”
De súbito ele parou.
De cima abaixo me olhou.
E puxando lá do fundo
De sua sabedoria, perguntou:
“– Mas quantos anos a senhora tem?”
Num breve momento de pausa,
Disse para mim mesma:
“Que história! Traída pela memória!”
Olhei para a bandeja de novo
E ainda uma vez mais…
E paguei.
© Ladyce West, 2007, Rio de Janeiro