“Esta outra independência não tem Sete de Setembro nem campo de Ipiranga; não se fará num dia, mas pausadamente, para sair mais duradoura; não será obra de uma geração nem duas; muitas trabalharão para ela até perfazê-la de todo.”
Machado de Assis
“Esta outra independência não tem Sete de Setembro nem campo de Ipiranga; não se fará num dia, mas pausadamente, para sair mais duradoura; não será obra de uma geração nem duas; muitas trabalharão para ela até perfazê-la de todo.”
Machado de Assis

Capa da 4ª edição: 1947
Continuamos aqui com a narrativa sobre Tiradentes e sua morte, pelos olhos de Tibicuera.
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A cabeça na ponta do poste
Um tal Joaquim Silvério dos Reis, coronel dos dragões, tinha denunciado os conspiradores.
Para encurtar o caso: Cláudio Manoel da Costa enforcou-se na prisão. O poeta Gonzaga foi mandado para a África, para bem longe da Marília dos seus sonhos. Muitos tiveram a mesma sorte. Outros foram condenados à morte.
Chegaram-nos notícias de Tiradentes. Submetido a interrogatórios repetidos, ele insistia em negar a culpabilidade dos amigos. Dizia-se o único responsável por tudo: o animador, o chefe e principal culpado da tentativa de revolta.
A pena de morte dos outros foi comutada. Mas Tiradentes foi levado à forca. Eu não quis assistir ao seu martírio. Sei que ele manteve a coragem e a fé até o fim. Não fraquejou. Foi levado para o patíbulo num cortejo assustador. Devia impressionar naquela bata branca que ia ser sua mortalha. Levava na mão um crucifixo preto, para o qual ele olhou o todo o tempo, murmurando preces.
Quando me disseram que o corpo de Tiradentes fora esquartejado, sendo sua cabela espetada na ponta de um poste — estremeci de raiva e cheguei a chorar de sentimento. E não sei se por influência dos versos de Gonzaga, começou a dansar em minha cabeça esta frase: “Aquela cabeça na ponta do poste é uma bandeira, a bandeira da nossa liberdade.”
Foi assim que terminou a aventura da “Inconfidência Mineira”. Foi assim que perdi o meu amigo José Joaquim da Silva Xavier, o Tiradentes.
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Em: As aventuras de Tibicuera: que são também as aventuras o Brasil, Érico Veríssimo, Porto Alegre, Livraria do Globo: 1947, 4ª edição., ilustrado por Ernst Zeuner.

Julgamento da Inconfidência, 1921
Eduardo de Sá ( RJ, 1866 – RJ, 1940)
Óleo sobre tela
Museu Histórico Nacional
Prece a Xavier, o Tiradentes
Murilo Araújo
Marchaste, sem tremer, na alva dos condenados.
Ela voava ao vento,
alva como tua alma.
E galgaste os degraus da tortura
descalço.
Mas que enormes degraus! Iam a tal altura
que por eles, chegaste ao céu, ao sol, a Deus,
subindo ao cadafalso.
Alferes Xavier – é inesperada e estranha
a Luz Providencial!
Envolve num fracasso a maior das vitórias;
faz perder quem mais ganha;
e arroja à morte –
à morte –
o justo que elegeu para ser imortal.
E assim a insurreição sagrada
que te santificou –
tu, que eras o menor, foste o maior na glória;
tua lenda dourada
mais do que todas na memória se elevou.
Tinham todos bons títulos de efeito
os teus irmãos na grande Inconfidência.
Tu que não eras doutor, ó guarda do Direito;
não eras sacerdote, ó mártir da consciência;
nem comandaste – herói – como Freire de Andrade,
um terço de dragões…
Tinhas no cofre da alma a pureza e a verdade
e essa indomável vocação da liberdade
mais poderosa que togas e legiões.
Ah! As multidões da terra
exaltam todas, como gênios tutelares,
grandes falcões de guerra
de cujas garras brota o raio e a morte desce…
Mas, ando do Brasil, — tu mereces altares,
porque, invés de matar, foste morrer estóico
por um destino que hoje em luzes resplandece!
Inabalável, foste a Fé que, decidida,
serenamente, voluntária, se imolou.
Com a própria vida deste à Pátria vida;
e a oferenda de sangue trouxe ao povo
um prêmio que do Céu, que de Deus lhe alcançou.
Vinda a hora funesta,
Deus quis que os opressores
cercassem tua morte em rumores de festa,
levassem teu cortejo ao rufo de tambores
e ao grito do clarim,
e adornassem a rua e as fachadas com flores,
contentes os senhores,
pois morrias enfim…
Mas — que pura ironia a desse instante! –
glorificaram, sem saber, a redenção…
porque, com tua morte triunfante,
surgiu formada e indestrutível
a Nação!
Alferes Xavier, entre os teus, meu patrício,
tu que eras o menor,
cresceste tanto na coragem e sacrifício,
que deixaste no pó todos em derredor.
Onde estão hoje tantos juízes e fidalgos?
Onde os soldados? Os esbirros da tortura?
Onde esses nobres de brasão e de arcabuz?
Ah! Pisavam tão forte … e pisaram em falso!
Mas na tua hora escura,
subindo, humílimo, os degraus do cadafalso,
Alferes Xavier, chegaste à grande Luz.
Encontrado em:
O candelabro eterno: aos moços – este álbum dos avós que criaram o Brasil, publicado pela primeira vez em 1955, parte da Poemas Completos de Murillo Araújo [Murilo Araújo], 3 volumes, Rio de Janeiro, Irmãos Pongetti:1960
Murilo Araújo – ou Murillo Araújo — (MG 1894 – RJ 1980) jornalista, formado em direito. Poeta, escritor, teatrólogo, ensaísta.
Obras:
Carrilhões (1917)
A galera (escrito em 1915, mas publicado anos depois)
Árias de muito longe (1921)
A cidade de ouro (1927)
A iluminação da vida (1927)
A estrela azul (1940)
As sete cores do céu (1941)
A escadaria acesa (1941)
O palhacinho quebrado (1952)
A luz perdida (1952)
O candelabro eterno (1955)
Prosa:
A arte do poeta (1944)
Ontem, ao luar (19510 — uma biografia do compositor Catulo da Paixão Cearense
Aconteceu em nossa terra (pequenos casos de grandes homens)
Quadrantes do Modernismo Brasileiro (1958)
———————-
Eduardo de Sá (Rio de Janeiro RJ 1866 – idem 1940). Escultor, pintor e restaurador. Frequenta aulas particulares de escultura com Rodolfo Bernardelli e estuda na Academia Imperial de Belas Artes – Aiba, entre 1883 e 1886, com Victor Meirelles, Zeferino da Costa, José Maria de Medeiros e Pedro Américo. Em 1888, em Paris, estuda na Académie Julian, onde foi aluno de Gustave Boulanger e de Jules Joseph Lefebvre. Um de seus trabalhos mais conhecidos é o restauro do escudo do teto da entrada da capela da Santa Casa de Misericórdia, no Rio de Janeiro.
Outros poemas de Murillo Araújo (Murilo Araújo neste blog):

Tibicuera, 1937
Ernst Zeuner, (1895-1967)
Ilustração: As aventuras de Tibicuera
Neste Dia do Índio, tão próximo do Dia de Tiradentes, nada melhor do que nos lembramos do mártir da independência através dos olhos de Tibicuera. Para quem não sabe quem é Tibicuera, posso adiantar que ele é um indiozinho, criação do grande escritor gaúcho, Érico Veríssimo. Tibicuera nasceu no século XV e presenciou a chegada dos portugueses. Como seu amigo Pajé lhe ensinou um segredo, Tibicuera viveu muito tempo, sendo capaz de acompanhar a história do Brasil de seu descobrimento até 1940. Assim, foi testemunha grande parte da nossa história.
Aqui está o que ele testemunhou da Inconfidência Mineira.
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A CONSPIRAÇÃO
Uma noite os conspiradores se reuniram na casa de Tiradentes. Tive o prazer de lhes fazer um bom café. Enquanto eles discutiam, fiquei junto da porta, indo de quando em quando passear pelo corredor e espiar pela fresta da janela, a ver se se aproximava algum vulto suspeito.
As pessoas que lá estavam eram Joaquim José da Silva Xavier, o meu querido chefe; Alvarenga Peixoto, o tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, José Álvares Maciel, o padre Carlos Correa de Toledo e Melo, o coronel Domingos de Abreu… e não me lembro mais de nenhum outro nome.
O plano era simples. Quando o governo fizesse a cobrança dos impostos – a “derrama” – explodiria o movimento. A senha era esta: Hoje faço o meu batizado.
O povo se revoltava, conseguia a adesão dos dragões, que seriam influenciados por Tiradentes e pelo seu comandante Paula Freire de Andrada. Prenderiam as autoridades portuguesas. Libertariam os escravos. Instalariam muitas fábricas importantes – todas as fábricas que um decreto recente de Portugal proibira de funcionar no Brasil. E a nova nação teria uma bandeira com este dístico: Libertas quæ sera tamen. Quando os incofidentes falaram nisto, não gostei. Eu não entendia. Fiquei sabendo depois que era uma frase latina do poeta Virgílio. Queria dizer: Liberdade, ainda que tarde.
O padre Toledo junto com Alvarenga Peixoto conseguiu convencer o desembargador Tomás Antônio Gonzaga e o dr. Cláudio Manuel da Costa a aderirem ao movimento. Gonzaga era poeta. Estava apaixonado por uma moça, Dorotéia. Fazia versos em que lhe dava o nome de Marília. Sempre impliquei com este costume que os poetas têm de não darem o nome verdadeiro às coisas. Mas eu gostava de Gonzaga, que era um homem melancólico de ar sonhador. Muita vez levei recados seus à noiva. Foi um romance bonito mas que não teve aquele final dos romances antigos: Casaram-se e foram muito felizes.
A idéia marchava. Tiradentes resolveu ir até o Rio a serviço da revolução. Acompanhei-o montado num burro emprestado. Foi uma viagem dura. Chegamos à capital do Brasil e uma tarde percebi que estávamos sendo seguidos. Disse de minhas desconfianças a Tiradentes. Ele sorriu e troçou:
— Tibicuera está vendo fantasmas…
Mas eu sentia a nosso redor a sombra de espiões. Passei a andar inquieto e de olho alerta.
Tiradentes parava na casa de um amigo na rua dos Latoeiros, que hoje se chama Gonçalves Dias. Um dia ouvimos barulho de passos na rua. Devia ser uma patrulha, a julgar pela cadência das batidas no calçamento. O dono da casa foi à janela e empalideceu. Voltou-se para o hóspede e não teve voz para lhe dizer que a casa estava cercada. Tiradentes compreendeu tudo num relance. Gritou:
— Foge, Tibicuera!
E precipitou-se para a porta dos fundos. Era tarde. Prenderam-no cinco soldados. Mais dois caminhavam para mim. Dei um salto de tigre e desandei a correr pelo corredor… Derrubei o primeiro homem que encontrei pela frente. Escalei-o com a agilidade de um … de um homem perseguido. Poucos segundos depois eu entrava na varanda de uma casa desconhecida onde duas mulheres se puseram a gritar. Ganhei o pátio dessa casa, saltei por cima de novo muro e me vi noutra rua. Comecei a andar com naturalidade. Caminhei durante meia hora. Estava fora de perigo. Mas um pensamento tomara conta de mim: Era preciso avisar os inconfidentes de Vila Rica. Com as economias que tinha comprei um burro e me pus a caminho. Quando, dias depois, cheguei a Vila Rica foi para saber que todos os inconfidentes estavam presos.
◊
Ernst Zeuner (1895 — 1967) foi um pintor, desenhista e ilustrador alemão, radicado no Brasil. Zeuner estudou na Academia de Artes Gráficas de Leipzig e veio para o Brasil em 1922, mais especificamente, para Porto Alegre, onde realizou um trabalho de orientação e formação de muitos artistas gráficos gaúchos. Notabilizou-se pela contribuição dada à Revista do Globo, onde atuou como ilustrador.
Para outro trabalho de Ernst Zeuner, clique abaixo:
CANTO NATIVO
Jaime d’ Altavila
Quando eu morrer,
você rasgue um pedaço deste céu
E faça dele a minha mortalha.
Quando eu morrer,
você cave um torrão de terra virgem
E faça dele o meu travesseiro.
Quando eu morrer,
você arranque o Cruzeiro do Sul
E faça das estrelas meus círios.
……………………………………………………………………..
Quando eu morrer,
você corte um ramo de pitangueiras
E cruze, sobre ele, as minhas mãos.
Quando eu morrer,
você plante sobre a minha sepultura
uma palmeira de ouricuri.
………………………………………………………………………
Quando eu morrer,
você diga aos que perguntarem por mim
Que eu morri como nasci:
Brasileiro,
Brasileiro,
Brasileiro.
Jaime d’Altavila, pseudônimo de Anfilófio Melo (AL 1895-1970), formado em Direito, novelista, cronista, poeta, ensaísta, historiador. Fundador da Academia Alagoana de Letras.
Obras:
A Terra Será de Todos 1983
Canto Nativo 1949
Estudos de literatura brasileira 1937
Gênese da literatura alagoana 1922
Lógica de um Burro 1924
Luango 1945
Mil e Duas Noites 1931
O Tesouro Holandês de Porto Calvo 1961
Poesias de J. A. 1995
Encontrado em: Vamos Estudar? Theobaldo Miranda Santos, 3a série primária, Rio de Janeiro, Agir: 1961.