As diferentes levas imigrantes na literatura brasileira

5 11 2008

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Chegada dos imigrantes alemães em 1824

Ernst Zeuner ( Alemanha 1895- Brasil 1967)

óleo sobre tela

 

 

 

 

 

Quase todos os países das Américas têm uma massa de imigrantes que lhes dá características específicas.  O Brasil assim como os EUA, o Canadá, a Argentina tem uma população de origem muito diversa que só nos enriquece.  Cada grupo de imigrantes nestes países veio por não agüentar situações de guerra, de pobreza, de fome, perseguições políticas e religiosas em suas terras natais.  As terras do Novo Mundo eram a oportunidade do Eldorado (por mais defeitos que o país adotivo tivesse), eram a oportunidade de sobrevivência decente.  Este espírito empreendedor de quem veio de terras distantes para as Américas caracteriza todos os recém-chegados que sonham em construir um país diferente de onde vieram e marca seus filhos de maneira visível.

 

O escritor Salim Miguel

O escritor Salim Miguel

Países como os Estados Unidos, o Canadá, o Brasil, a Argentina têm uma grande dívida com esses homens e mulheres corajosos que deixaram suas culturas, suas terras, suas línguas, seu folclore, seus laços de família, seus feriados religiosos, para trás, muitas vezes para nunca mais voltarem a ver pais, irmãos e outros parentes próximos.  Há povos que são conhecidos por terem mandado emigrantes para os quatro cantos do mundo.  Fala-se com freqüência da diáspora dos judeus, assim como se fala da diáspora portuguesa. 

 

 

 

 

 

Só agora no final do século XX e início do XXI, que os brasileiros — tendo adquirido um melhor e mais democrático nível de educação e maior interesse na sua história, tem-se conscientizado da saga vivida por seus antepassados, dos sacrifícios que nossos pais, avós, bisavós fizeram para chegar aqui e suas contribuições para a cultura brasileira.

 

A experiência brasileira de inclusão só se parece pela total diversidade dos que aqui chegaram, com aquela encontrada nos Estados Unidos.  Como no país da América do Norte a educação da população em geral foi mais universal do que no Brasil o fenômeno da imigração, um tópico comum entre os americanos do norte,  só agora  aparece como tema perene na literatura brasileira.  Digo agora mas refiro-me principalmente da segunda metade do século XX até hoje.

 

Foi, portanto, interessante ver as repostas que Salim Miguel deu a Miguel Conde, em entrevista publicada no jornal O Globo no caderno Prosa e verso, de 25 de outubro de 2008.  Salim Miguel para quem ainda não o conhece é um grande escritor brasileiro, catarinense, ( nasceu no Líbano mas mudou-se para o Brasil ainda criancinha) que acaba de lançar mais um romance, Jornada com Rupert, (Record:2008) onde a trama se passa em Blumenau entranhando-se pela colonização alemã na cidade.   Vou transcrever aqui três das perguntas feitas ao escritor na entrevista, porque como ele, acredito que salim-miguel-rupert1nós ainda não exploramos o suficiente na literatura e como identidade cultural  o assunto da colonização, da imigração no Brasil.

 

MC – Nur na escuridão, que está sendo relançado e Jornada com Rupert, seu novo livro, contam histórias de imigrantes no Brasil, um tema recorrente em sua ficção e que faz parte de sua biografia também.  Queria saber como ficção e memória se separam, ou se confundem em sua escrita.

 

Salim Miguel – Em primeiro lugar se há uma coisa que eu tenho muito boa é a memória.  Mas é claro que, nos meus livros o que é contado ao mesmo tempo é e não é a realidade, pois há elementos de ficção que permeiam tudo.  No caso de Nur na escuridão, trabalhei em cima da minha família, embora o livro não seja uma biografia, nem uma autobiografia.  Jornada com Rupert é um pouco diferente porque fala de colonos alemães.  Logo que minha família chegou ao Brasil, nós vivemos em duas comunidades de imigração alemã.  Foram os primeiros lugares onde nós moramos, foi um livro mais difícil de escrever.

 

MC – Jornada com Rupert faz um painel da vida de imigrantes em Santa Catarina, e ao mesmo tempo conta um drama individual, se aproximando em alguns momentos do tom do romance de formação.  O senhor sabia bem, ao começar o romance, que livro queria escrever, e como costurar as duas histórias?

 

Salim Miguel – Eu sempre sei o que pretendo fazer, mas não sei como pretendo fazer.   Não me interesso por ficção histórica, embora goste que nos meus livros o enredo esteja associado a fatos reais da história do Brasil.  Eu queria contar esta história de colonização em Santa Catarina que se estende por um século, mas de um jeito que não fosse linear, que não tivesse um único narrador onisciente.  Por isso, a história é contada na forma de recordações, todas acontecidas em um dia, durante uma viagem de trem do protagonista.

 

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MC – Vários escritores brasileiros exploraram ficcionalmente a vida dos imigrantes, de Lya Luft até mais recentemente, Cíntia Moscovich.  O senhor se interessa por esses livros?

 

Salim Miguel – Gosto muito dos livros da Lya Luft.  Tenho lido tudo que encontro sobre o tema, de Graça Aranha a Milton Hatoum e Raduan Nassar.  Diante da importância da imigração para o Brasil, acho que nossa literatura e mesmo nossos ensaístas ainda não deram ao tema a atenção devida.   Existe um processo muito rico, de formação de uma sociedade a partir da chegada dos estrangeiros, da convivência deles numa terra nova, que ainda foi pouco explorado em nossa ficção.

 

Julgando-se pela produção de romances, de livros de ficção com o motivo da imigração nestes outros países mencionados, acredito como Salim Miguel que ainda há muito, mas muito a ser explorado pelo escritor brasileiro.  Mãos à obra…

 

 

 

 

 

 





O novo e velho mundos de Miguel Sousa Tavares

14 09 2008

Às vezes é necessário uma imagem para me ajudar a pensar sobre um assunto.  Há dois meses li o maravilhoso livro do autor português Miguel Sousa Tavares lançado no Brasil no primeiro semestre deste ano, pela Cia das Letras que leva o nome de Rio das Flores.  E já há algum tempo que queria escrever umas notas a respeito do livro mas não achava o foco.  Até que me deparei, na internet, com este trabalho em sépia de um autor que infelizmente desconheço representando dois meninos.  Imediatamente me lembrei dos irmãos Diogo e Pedro. 

 

Por casualidade, recentemente li outros livros cujos personagens centrais são pares de dois irmãos: A montanha e o rio, de Da Chen (Nova Fronteira) e Dois irmãos, de Milton Hatoum  (Cia das Letras), mas a imagem não me lembrou de nenhum deles exceto dos irmãos de Rio das Flores. 

 

Rio das Flores não desaponta.  É um livro tão bom quanto Equador. Para aqueles que temiam, como eu, ler o segundo livro de Miguel Sousa Tavares, receando que o resultado do novo romance não pudesse se comparar ao do primeiro, sosseguem.  Você vai gostar de Rio das Flores.  O bom escritor continua; sua mágica maneira de narrar persiste; e as referências históricas que tanto me haviam encantado em Equador, continuam tão boas quanto confiáveis.  

 

Em Rio das Flores acredito que Miguel Sousa Tavares tenha mostrado a grande divisão, a grande separação, no século XX, entre dois mundos lusófonos —  Portugal e Brasil.  Mas acredito também que o paralelismo entre Diogo e Pedro, caracteriza muito bem as forças que levam às grandes diferenças entre o Velho e o Novo Mundos.   Ambos os irmãos amam apaixonadamente a terra em que nasceram.  Mas enquanto Pedro não suporta deixá-la, Diogo enfastiado com a docilidade daqueles que aceitam o governo de Salazar, vai embora de Portugal e constrói uma nova, diferente, audaciosa vida no Brasil.  

 

Miguel Sousa Tavares

Miguel Sousa Tavares

 

Na primeira semana de setembro, quando ainda tive alguns momentos para reler certas passagens de Rio das Flores, fiquei convencida de que a visão de Miguel Sousa Tavares, como a interpreto, está correta.  Só mesmo na primeira metade do século XX, ao completarmos cem anos da nossa independência de Portugal, é que nós no Brasil, pudemos forjar uma identidade completamente brasileira.  Uma identidade baseada nas características daqueles que vieram viver em nosso seio, dos imigrantes de sociedades  em outros mundos, que não tinham espaço para sua população, que não tinham responsabilidade sobre aquela população e que estavam decerto à beira da falência cultural como as duas Grandes Guerras do século passado vieram a provar.  

 

Só mesmo no século XX, na primeira metade do século, nós brasileiros, viemos a aceitar todas as características do Novo Mundo,  jogando fora, pela janela, valores que nos haviam sido impingidos por uma cultura dominante.  Aceitamos, finalmente, os valores forjados pelos imigrantes que aqui chegaram, dispostos a jogar fora as regras e os valores das sociedades de onde vieram, para construir algo de novo, de sólido, alguma coisa melhor do que havia  nos países que deixaram.  

 

A leitura de Rio das Flores leva qualquer brasileiro a refletir sobre a história do país e do mundo na primeira metade do século passado.  A visão é mais complexa do que eu esperava, muito mais rica e também muito mais esperançosa.  

 





O Quatrilho de Pozenato, uma volta pelo passado

28 08 2008
José Clemente Pozenato

José Clemente Pozenato

Só recentemente tive a oportunidade de ler o livro de José Clemente Pozenato, O Quatrilho, Porto Alegre, Mercado Aberto: 1985, romance que em 1994 foi transformado no filme  do mesmo nome de Fabio Barreto; indicado ao Oscar  em 1995, na categoria de melhor filme estrangeiro.  Gostei imensamente da narrativa e também da trama nesta ficção histórica sobre os imigrantes italianos.  O romance cobre com distinção a imigração de italianos, oriundos em sua maioria da região de Veneto e estabelecendo-se no Rio Grande do Sul.  Esta renovada imigração no início do século XX foi  resultado de um acordo feito entre os governos brasileiro e italiano.  Na história, que é baseada em fatos verdadeiros,  dois casais de imigrantes italianos, amigos e sócios, resolvem dividir uma grande moradia enquanto trabalham muito duro para prosperar.  Aos poucos o marido de um e a mulher do outro se apaixonam e fogem, deixando os filhos para trás.  O casal que permanece na casa por sua vez, passados alguns meses solidifica como marital um relacionamento que já existia como sociedade de negócios e assumem um casamento que originalmente nenhum dos dois havia contemplado.  Esta história, com este enredo, é claro pertence única e exclusivamente aos casais retratados.  Mas o tema da imigração e, sobretudo da imigração italiana, apesar de ter sido abordado diversas vezes na televisão brasileira, ainda é pouco assimilado pela cultura brasileira.  O assunto não tem a influência que adquiriu na artes e na cultura de outros países do novo continente, como nos Estados Unidos ou Canadá. 

 

Acredito que parte dessa diferença está enraizada na maneira em que nos EUA o imigrante e seus

Capa da primeira edição, 1985

Capa da primeira edição, 1985

descendentes é continuamente lembrado de sua identidade como um recém-chegado.  Expressões específicas são usadas para definir, alinhar, explicar sotaques, comportamentos, hábitos e tudo o mais.  Lá, é comum os filhos e os netos de um imigrante se referirem a si próprios como daquela linhagem estrangeira, mesmo tendo nascido em solo americano, de pais nascidos em solo americano.  Assim há os americanos-irlandeses, os americanos-italianos, os americanos-judeus.  Este hábito torna muito mais difícil a inserção de qualquer cidadão na sociedade em geral.  É um hábito que separa as pessoas, que divide cidadãos em pequenos grupos de identidades diversas.  Por outro lado, eles em geral conhecem melhor o passado de seus ancestrais, relembram em maior detalhe e com grande freqüência a saga de seus avós, bisavós,  porque elas compõem suas personalidades.  Elas preenchem os detalhes daquilo que os outros acreditam ser indecifrável.  Tudo e qualquer coisa pode ser justificada sob o rótulo de uma identidade estrangeira.  É uma faca de dois gumes.

 

 

Uma das grandes vantagens que temos no Brasil é esquecermos rapidamente de onde nossos antepassados vieram.  Quando comecei a fazer uma árvore genealógica para a família e fui expandindo os dados lateralmente e para trás, fiquei surpresa de ver que muitos dos meus conterrâneos, familiares e  amigos, não tinham a menor idéia de onde seus antepassados tinham vindo.  É verdade que moro no estado do Rio de Janeiro, um dos primeiros locais de colonização do país e também um dos locais de maior miscigenação.  Como a  habitação do território brasileiro começou mais cedo do que a população imigrando para os EUA, pelo menos de cem anos, é natural que muitos não saibam nada além de vagas lembranças da história de seus antepassados.  Fiéis à tradição latina, [e esta tradição remonta ao Império Romano] somos, no todo, mais abertos a chamar de brasileiros todos aqueles que fazem da nossa terra, sua casa.  Acreditamos que todos que estão aqui são como a gente.  Casamos com estes imigrantes, casamos com seus filhos, sem lhes perguntar a raça, a religião, a nacionalidade de origem de seus antepassados.  Aqui somos todos iguais.  Não nos subdividimos em pequenos grupos.  Afinal, falamos a mesma língua e estamos cansados de saber, que nossa pátria é nossa língua.  Em compensação ignoramos muito da nossa história, não damos valor aos sacrifícios que nossos antepassados fizeram para nos dar uma chance de viver melhor do que eles tinham se ainda estivessem nos seus países de origem.  O resultado é que ignoramos aquelas culturas de onde nossos avós e bisavós vieram.

 

Cartaz do filme de Fabio Barreto baseado no romance.

Cartaz do filme de Fabio Barreto baseado no romance.

Assim é sempre com curiosidade e alegria que encaro um romance brasileiro com este tema.  E o livro de Pozenato não só é fiel à natureza dos imigrantes, às suas vidas, como também narra com clareza e humor a aventura desafia o ajuste de estrangeiros a um novo país.  A adaptação deles à nova realidade, a um novo clima, a um novo terreno é tratada com extrema sensibilidade e profunda delicadeza. 

 

Entre os seus melhores e mais sensíveis retratos de uma geração inteira de colonos, da vida dura e sofrida que tiveram, está o retrato que ele faz, logo no início de O Quatrilho, das mudanças que vê nas mulheres jovens, que se casam e se entregam a uma vida difícil na esperança de um futuro melhor.  As reflexões do padre que nos apresenta ao Rio Grande do Sul, à sua paisagem, aos costumes da época, logo no início da narrativa, estabelecem o tom, a delicadeza e a verdadeira luta que ele vê estes imigrantes travarem.  Abaixo coloco dois parágrafos destas conjecturas para dar um gosto do que se desenrola no texto.  Recomendo com grande entusiasmo a leitura deste livro. 

 

Mais do que fome ou irritação, o que o tocava agora, enquanto a mula trotava firme, era uma vaga tristeza.  E sabia muito bem a razão.  Em quase trinta anos de padre, dez deles na Itália e o restante na América, onde com certeza deixaria os ossos, teria celebrado mais de mil casamentos.  E depois de cada um deles lhe vinha essa tristeza.  Não era inveja, ao contrário.  O caminho que Deus escolhera para chamá-lo à vida sacerdotal tinha sido, talvez, o medo de enfrentar a mesma miséria e as humilhações do pai, camponês nas terras de um senhor de Bolzano.  Entendia muito bem a pobre gente que juntara seus miseráveis pertences e atravessara o mar, numa casca de madeira, para tentar a aventura na América.  Era para cá que seu pai teria vindo, se não tivesse morrido ainda jovem.  Para cá tinha vindo ele, trazido por impulso, que podia ser talvez virtude ou, mais provavelmente, uma simples compulsão humana, destituída de merecimento.

 

Não, a tristeza que lhe vinha não tinha nada a ver com inveja.  O que lhe causava mal-estar era o brilho de esperança que via nos olhos dos noivos.  Uma esperança que ele sabia destinada a durar muito pouco tempo.  Tinha pena principalmente das noivas, atraentes, risonhas como uma rosa desabrochada de manhã, que ele voltaria a ver daí a alguns anos, envelhecidas, feias, com o sofrimento e a resignação escondidos no fundo dos olhos tristes, revelados com lágrimas no confessionário.  Por isso é que lhe fazia mal celebrar um casamento.

 

Página 16-17

 

O QUATRILHO, José Clemente Pozenato, Mercado Aberto: 1986, Porto Alegre.





Imigrar ou não? Thrity Umrigar em A doçura do mundo — Resenha

23 08 2008

Muitos de meus amigos recomendaram a leitura do livro:  A doçura do mundo de Thrity Umrigar (Editora Nova Fronteira, 2008 ) cujo lançamento foi marcado também pela presença da escritora indiana no Festival Literário de Florianópolis em maio deste ano.  O livro, como todos os outros que li desta autora, é muito bem escrito e diferente de sua fama pelas obras anteriores, esse é um livro alegre, às vezes mesmo até engraçado, com um final feliz ou satisfatório. 

 

A recomendação veio também porque sempre tive curiosidade sobre os problemas desenvolvidos com a identidade cultural de uma pessoa que passa a viver como imigrante.  Por mais que se doure a pílula, por mais que se pinte a realidade de um país contra os aspectos de outro, a verdade é que a não ser que a sua imigração seja feita quando você ainda é muito jovem, quando você ainda está no processo de forjar uma identidade própria, a adaptação a um novo país assim como a adoção dos valores culturais da nova terra podem freqüentemente ser de difícil aceitação intima para o imigrante.

 

Bombaim com seus 18.000.000 de habitantes, o portão da Índia

Bombaim com seus 18.000.000 de habitantes, o portão da Índia

 

Thrity Umrigar é uma imigrante.  Sensível como escritora e objetiva como jornalista, duas profissões que exerce nos Estado Unidos, ela está familiarizada e demonstra isso e em seus livros, com os problemas peculiares da identidade cultural, dos preconceitos, da saber-se de fora, do sentir-se de fora, assim como do saber e sentir-se acolhido.  Ela conhece pela própria experiência todas as idiossincrasias culturais que perduram no imigrante, além de seu sotaque na língua estrangeira.   Assim sua narrativa é verdadeira e aponta para os sentimentos mais delicados que envolvem a imigração.

 

 

Cidade de Cleveland, na parte central dos EUA.

Cidade de Cleveland, na parte central dos EUA.

 

A história deste livro é simples.  Um rapaz, Sorab, nascido em Bombaim tem como sonho ir para os EUA.  Conseguindo entrar para a universidade naquele país ele imigra, primeiro como estudante e depois permanece nos EUA a trabalho.  Seguindo suas aptidões consegue desenvolver uma brilhante carreira.  Neste meio tempo apaixona-se por uma americana com quem se casa e tem um filho.   Seus pais, jovens ainda pelos padrões de hoje, o visitam regularmente.  Até que o pai morre subitamente de um problema cardíaco.  Sua mãe, Tehmina [Tammy para os americanos] se encontra então com uma difícil escolha: aos 66 anos precisa decidir se deverá  imigrar para os EUA e ficar junto ao seu único filho, sua nora e neto, porém numa sociedade que a espanta e surpreende pela diferença de hábitos que seus habitantes demonstram; ou ficar no seu país natal, no apartamento onde sempre morou, rodeada das pessoas que conhece, que também ama e com quem sempre conviveu.  A história se desenrola muito bem aprumada na inteligência e sensibilidade de Tehmina; que se encontra também aterrorizada por tomar esta decisão sozinha.  Desde jovem todas as suas decisões eram balanceadas pela opinião do marido.

 

Muito rico em verdadeiras situações pelas quais um recém-chegado passa num país estrangeiro em que começa a viver, o romance de Thrity Umrigar mantém um ritmo muito bom por quase todo o livro.  Minha única crítica é sobre o fechamento da história.   A escritora parece ter adotado a visão americana de narrativa e leva os dois últimos capítulos fechando cada  fio da meada com uma soluções redundantes para o bom leitor.  Esses detalhes me lembraram os programas de televisão daquele país que conseguem resolver e solucionar os problemas mais amplos e delicados em comédias de 30 minutos.  Fora esta necessidade de aferrolhar os tópicos, de não deixar nada para a imaginação do leitor, não tenho maiores críticas ao livro que certamente deve ser lido por todos aqueles que pensam em imigrar ou que conhecem alguém que o fez.  Esse é um retrato sensível das muitas questões envolvendo o imigrante.

 

 

A escritora Thrity Umrigar.

A escritora Thrity Umrigar.





Cidadania de aluguel — cidadania de conveniência

11 08 2008

 

Sábados tivemos o Brasil contra o Brasil no vôlei de praia nas Olimpíadas.  Não que os nossos dois times estivessem lutando pelo 1° e 2° lugares no pódio.  Uma equipe de brasileiras, jogava pelo Brasil enquanto que outra equipe de brasileiras jogava pela Geórgia.  O desejo de participar nas Olimpíadas e a certeza de não serem as melhores para representar um país de estrelas no vôlei de praia fez com que Cristine Santanna e Andrezza Martins convenientemente se tornassem cidadãs da Geórgia para terem direito aos seus 15 minutos de fama olímpica.  Será que vale?  Elas perderam.  Como era previsível já que não poderiam se igualar ao time de brasileiras com nacionalidade brasileira.  

 

As meninas, que se tornaram cidadãs da Geórgia — logo a Geórgia que entrou em guerra no dia da comemoração de abertura das Olimpíadas, não são aqui objeto do meu julgamento.  Cada um sabe o que faz e porque o faz.  Mas reconheço que em questão de cidadania acho estranho que alguém possa jurar fidelidade a uma cultura, a um país, a uma bandeira desconhecida.  Espero que tenha valido a pena para elas, esta cidadania de encomenda.   Elas não são as únicas nesta situação.  Há dois outros jogadores brasileiros, no vôlei de praia, que também envergam as cores vermelho e branco da Geórgia: Renato Gomes e Jorge Terceiro.  Há também dois outros brasileiros, irmãos, defendendo o time de hóquei espanhol: Kiko e Felipe Perrone.  Pode até ser que estes irmãos tenham algum sentimento pela Espanha, já que seus sobrenomes parecem ser de origem espanhola. Mas reconheço que fico pensando sobre as reais  vantagens destes arranjos.

 

Muitos países que não tem atletas em campos específicos, mas que gostariam de mostrar sua “força” perante o mundo, “alugam” suas cidadanias aos que podem em tese lhes trazer maior “reconhecimento mundial”.   Atletas por sua vez, atraídos pela fama, pela possibilidade de financiamento, dinheiro vivo, durante anos de treino, não vêem nada de mais em se deixarem alugar como cidadãos de uma outra terra, de outra cultura, mesmo que esta cultura não tenha nada a ver com eles.  Todos, atletas e países encontram assim uma maneira de “burlar” a mediocridade, é a solução Dorian Gray: só a imagem no espelho é real; a imagem na TV, nos jogos olímpicos, na verdadeira luta diária do esporte, esta continua lustrosa, sem danos, sem impurezas, sem perdas, e mais ainda coma a possibilidade de medalhas que as tornem ainda mais ilusórias.  [Retrato de Dorian Gray, livro do escritor inglês Oscar Wilde, publicado pela primeira vez em 1891].  Na busca de imagem de contos de fadas, países de contos de fadas como alguns do oriente médio usam seus petrodólares para atrair uma elite de desportistas de países pobres, tais como corredores africanos.  Os chineses, que vendem barato suas horas de trabalho também estão defendendo bandeiras de diversos outros países principalmente em tênis de mesa.  Mas isso não é efeito da globalização.  Isto é simplesmente o efeito do olho grande.  

 

Gol!  Ilustração Mauricio de Sousa.

Gol! Ilustração Maurício de Sousa.

 

 

No final de junho, Anne Applebaum,  no artigo [How did a guy who can’t speak Polish end up scoring Poland’s only goal of Euro 2008? 30/6/2008] abordou este assunto enquanto considerava a Euro Copa de futebol.  Na televisão ela viu Lukas Podolski (polonês) jogando pela Alemanha, fazer o único gol que fez a Alemanha vencer sobre a Polônia.  A imprensa o rodeava e perguntava: “Como você se sente tendo marcado o gol contra o seu próprio país”?  É claro que o  jovem jogador não teve nada especial para responder.  Este foi um exemplo.  Esta é uma situação típica, na Europa: muitos times de futebol têm entre seus jogadores pessoas que não tem nada a ver com os países cujas camisas eles usam e cuja pátria eles defendem.

 

Ela nos lembra, muito apropriadamente, que a maioria dos europeus, em geral, não usa o seu nacionalismo na lapela.  Diferente dos Estados Unidos, europeus não hasteiam bandeiras na frente de casa, nem comemoram dias de independência com o ardor nacionalista, com que os americanos o fazem.  Ao invés disso, as batalhas patrióticas acontecem nos campos de futebol, onde pessoas enrolam-se nas bandeiras de seus países e em grupos saem com as caras pintadas, quando não insistem em usarem as mais repulsivas perucas de fios de náilon com as cores das bandeiras de suas pátrias.  Mas com a União Européia há preocupação dos governos de diluírem ao máximo  sentimentos de nacionalismo, eles preferem se mesclar numa única nacionalidade que seja representativa da Comunidade Européia.  Há, então, cada vez mais incentivo à troca de jogadores e à defesa de uma bandeira nacional como se fosse uma bandeira do seu time favorito.  Talvez, realmente, haja esta necessidade dentro da Europa. Mas é difícil imaginar que o mesmo seja aceitável quando um time chinês de tênis de mesa defende a Argentina ou um time brasileiro de vôlei de praia defende a Geórgia.   

 

 

 

 





Japão quer atrair 300 mil estudantes estrangeiros

31 07 2008
Crianças orientais, ilustração de DEMI.

Crianças orientais, ilustração de DEMI.

 

No dia 25/7 postei aqui no blogue algumas notas sobre imigração e emigração:

 

Hoje recebo notícias de que o Japão num esforço de melhorar a sua situação quanto ao crescimento negativo do país aprovou terça-feira um plano do governo para estudantes irem se especializar em aproximadamente 30 universidades.  A intenção final de tanta generosidade não será só a educação destes alunos, mas também facilitar a permanência deles no Japão após a graduação.  

 

São seis ministérios que juntam esforços: Justiça, Relações Exteriores, Cultura, Esporte, Educação e Ciência.  O objetivo é sair do patamar de 120.000 alunos estrangeiros que o país tem, adicionando a estes 300.000 mais. A idéia é que já em 2020 o Japão tenha 420.000 alunos estrangeiros.

 

Este me parece um passo muito inteligente para enfrentar o esvaziamento populacional.

 

1)      Podem atrair alunos de outras nacionalidades mas de origem nipônica.  Filhos, dos emigrantes que fugiram de um Japão com excesso populacional de cem anos atrás.  Estes descendentes de japoneses, [no Brasil, Peru e em outros países] acredita-se que teriam talvez uma maior chance de se adaptarem aos costumes orientais.

2)       Dando oportunidade a estudantes há a possibilidade, discreta, de atrair para o país os melhores qualificados, os melhores alunos, aqueles que provavelmente brilhariam em qualquer lugar do mundo e garantir sua permanência no país.  Isto tudo além da esperança de resolver o problema particular do povoamento da terra. Em outras palavras, é uma seleção inicial dos “cerébros”, uma pré-aprovação para a imigração definitiva. 

3)      Trazendo jovens na faixa etária de 18 a 30 anos, eles estarão garantindo que seus futuros imigrantes se estabeleçam no país numa faixa etária compatível com a reprodução.  Numa faixa etária em que podem contribuir ainda por muitos anos para o sistema de aposentadoria e assim manter aquela população de mais de 65 anos prevista para 40% em 2050.

4)      Garantindo a permanência destes estrangeiros já devidamente educados como qualquer japonês o seria, devidamente selecionados, o Japão também garante a viabilidade de muitas das empresas que se encontram em território nipônico e que já podem sentir que o gargalo populacional vai deixá-las sem mão de obra especializada.

 

Que o plano é elitista, não se pode negar.  Mas é muito inteligente.  Não muito diferente do que foi feito pelos Estado Unidos, Grã-Bretanha, França e demais países ocidentais que ao oferecerem por décadas e décadas boas condições de estudos para estudantes do mundo inteiro, puderam contar com uma renovação acadêmica constante assim como o “discreto” furto da inteligência alheia.  

 

Essa mesmo que VOS FALA.  Estudou fora,  formou-se numa carreira que não é regulamentada no Brasil, porque lá fora não existe isto de regulamentação.  Se existe a necessidade, existe a carreira.  E passou boa parte de sua vida produtiva produzindo para os outros, porque não havia quem quisesse esta produção no Brasil.  

 

Se continuarmos no caminho que temos trilhado até agora, sem dar prioridade à educação e ocasionalmente até mesmo nos vangloriando de termos chegado aonde chegamos sem grande necessidade de estudos, veremos muitos brasileiros indo em busca de novos caminhos lá fora, no Oriente.  Perpetuaremos a nossa condição de exportadores ora de “cérebros”, ora de mão de obra desqualificada.  Será este o nosso futuro?  Inevitavelmente?