Algumas observações sobre William, the conqueror, (Guilherme I, o conquistador)

15 09 2025

WIlliam the conqueror, 1597-1618   (*)

Anônimo

óleo sobre madeira, 57 x 41 cm

National Portrait Gallery, Londres

(*) Não há retrato de William, the Conqueror, que viveu entre 1028-1087. Esse retrato foi pintado 500 anos depois de sua morte, por descrições da época.

Como vocês sabem, gosto de história medieval, estou sempre lendo sobre esse período. William, the Conqueror, [Guilherme I, o conquistador] foi o primeiro rei da Inglaterra, depois da invasão normanda em 1066. O que me levou a pensar nessa postagem foram os detalhes de sua coroação que permanecem até hoje, como vimos há uns poucos anos, na coroação de Rei Charles III, da Inglaterra.

  • Os principais elementos da coroação dos dias de hoje datam do Pentecostes de 973, DC quando o rei Edgar convocou todos os arcebispos, bispos e juízes e todos os que tinha posição e dignidade, para se confraternizarem na Abadia de Bath para testemunha sua consagração como monarca. Naquele ano Pentecostes caía no dia 1º de Maio.
  • Os reis de França eram ungidos com crisma, o óleo da consagração cristã, feito de azeite de oliva perfumado com uma resina aromática. William foi o primeiro rei normando a ser assim ungido, iniciando um ritual que permanece até os dias de hoje.
  • Um dos mais importantes rituais adicionados à coroação foi o uso do Laudes Regiae [Aclamações Reais], hino que foi cantado na coroação de Carlos Magno, como Imperador do Império Romano no ano 800 e também cantado pelo clero na cerimônia de 1066.
  • Outra influência ainda mais interessante foi a coroa usada por William, baseada no desenho da que coroou o rei Salomão, rei de Israel, como descrevem textos bíblicos, feita de ouro e pedras preciosas incluindo uma safira, uma esmeralda e um grande rubi central.
  • Era de comum acordo, que ninguém poderia se tornar legalmente um rei sem ser coroado e ungido. E que a unção e o direito a ungir um monarca pertencia ao arcebispo.

Essas notas vieram do livro The Throne: 1,000 Years of British Coronations, Ian Lloyd, The History Press, 2023.





Mulher medieval

28 04 2025

Penelope escrevendo para Ulisses, c. 1500

Página com iluminura da obra de Ovídio: Heroides versão em francês

Biblioteca Nacional da França

 

 

No livro O leitor comum de Virgínia Woolf, no primeiro ensaio, Os Pastons e Chaucer, somos apresentados a um detalhado e simpático retrato de uma senhora: Margaret Paston(c. 1420-1484). Virginia Woolf traz aos nossos olhos, a personalidade que detectou através das cartas para membros da família   Primeiro me lembrei do marcante diário e memórias, The memoirs of Glückel of Hameln, (1646- 1724) [não encontrei em português] que, começado em 1690, foram escritas trezentos anos depois das cartas de Margaret Paston. Surpreende o quão pouco mudou naqueles séculos todos o papel da mulher, suas preocupações em manter a família e os  bens da família protegidos. Esse era de fato um dos papeis da mulher, esposa de comerciante ou da pequena nobreza ou dos senhores de terras. 

Apesar de leitora assídua sobre idade média, sempre me assombro com o que aprendo sobre a vida dessas mulheres no passado. Letradas, se comunicavam com membros da família regularmente, por cartas, nos dando assim uma maneira de imaginarmos suas vidas com maior precisão. Mas mais delicioso ainda é ver como Virgínia Woolf constrói um retrato tridimensional dessa mulher que conheceu só através de suas cartas. Para escritores de ficção não só a descrição de Margaret Paston assim como a do Castelo Caistor em Norfolk. Além, é claro, de nos ensinar como observar a obra de Chaucer.   Aqui fica um pedacinho do ensaio de Woolf, para servir de acepipe literário.

 

“As longuíssimas cartas que escreveu tão laboriosamente, com sua letra clara e apertada, para o marido, que estava (como sempre) ausente, não mencionavam a si mesma. Os carneiros tinham destruído o feno. Os homens de Heyden e Tuddenham estavam ausente. Um dique se rompera e um boi foi roubado. Precisavam com urgência de melaço, e ela necessitava muito de tecidos para um vestido.

Mas a Sra. Paston jamais falava de si mesma.

Portanto os pequenos Pastons viam a mãe redigir ou ditar cartas longuíssimas, uma página após a outra, uma hora após a outra; porém interromper um pai ou mãe que escreve tão laboriosamente sobre questões de tamanha importância devia ser um pecado. A tagarelice dos filhos, a sabedoria do quarto de dormir das crianças, ou do seu quarto de estudos não tinham lugar naquelas comunicações elaboradas. Em sua maioria, suas cartas são as cartas de um meirinho honesto para seu chefe, explicando , pedindo conselhos, dando notícias, fazendo relatos. Houvera roubos e carnificina; dificuldades em conseguir o pagamento dos aluguéis; Richard Calle mal conseguira amealhar um dinheiro de nada; e, entre uma coisa e outra, Margaret não tivera tempo de realizar, como deveria, o inventário dos bens que seu marido solicitara. . A velha Agnes, inspecionando à distância um tanto duramente, os afazeres do filho, deve muito bem tê-lo aconselhado a planejar esse inventário, para que tenhais menos o que fazer no mundo,; vosso pai já disse: Onde há poucos afazeres, há muito descanso. O mundo não passa de uma estrada, cheia de infortúnio; e, ao partirmos dela, nada levaremos conosco a não ser nossas boas ações e malfeitos.

Essa passagem ressalta mais uma vez, como a concepção generalizada de que as mulheres na idade média não tinham responsabilidades é errônea. Eram elas as responsáveis pela manutenção, pela adição e preservação dos bens familiares, pelo bem-estar dos filhos e do todos aqueles que se encontravam sob sua guarda, nas terras, nas mansões, nos castelos.

Citação: O leitor comum, Virgínia Woolf, tradução de Marcelo Pen e Ana Carolina Mesquita, Tordesilhas: 2023, p. 34-35

Nota: Cartas de Paston [The Paston Letters] é um do maiores arquivos de correspondência na Inglaterra do século XV. Volume composto de correspondência particular, (por volta de mil cartas) e documentos tais como petições, contratos de aluguel, testamentos, que cobrem três gerações sobre a vida pessoa de uma família na época. Na Biblioteca Britânica em Londres.





Descoberta curiosa na Alemanha: peças de xadrez de mais de 1.000 anos!

13 06 2024
Detalhe de uma das peças de xadrez: Cavalo (4cm de altura) encontradas na Alemanha. Foto: Victor Brigola / Universität Tübingen

 

 

O jogo de xadrez data aproximadamente dos séculos VI ou VII DC, vindo do desenvolvimento de um jogo chamado chaturanga, jogado em algumas partes da Índia.   Depois da invasão árabe da Pérsia, o jogo de xadrez foi adotado pelo mundo muçulmano e eventualmente introduzido na Europa por portos na Espanha e na Itália, por volta do ano 1.000 DC.

O xadrez foi logo visto como excelente treino para estratégia e, portanto, tornou-se parte obrigatória da preparação dos cavaleiros feudais.  Talvez seja interessante lembrar quem eram os cavaleiros feudais.  Eram guerreiros montados. Lutavam em batalhas e guerras, ou porque estavam submissos a  um senhor feudal ou eram guerreiros de aluguel, como mercenários nos dias de hoje, para o senhorio que lhes pagasse melhor.  Há na história da Europa medieval diversos nomes de cavaleiros de aluguel que se tornaram famosos e ricos.  Muitos deles imortalizados em pinturas e esculturas como é o caso de Sir John Hawkwood, um mercenário inglês (1320-1394) cujas batalhas aconteceram, na maioria, entre diversas cidades-estado da Itália.  Uma curiosidade a respeito de mercenários é a própria guarda suíça papal, que originalmente foi formada por mercenários.

 

 

 

 

Pintura da estátua equestre de Sir John Hawkwood, 1436

(moldura pintada mais tarde, em 1524)

Paolo Uccello, (Florença, 1397-1475)

Afresco, 820 x 515 cm

Santa Maria del Fiore, Florença

 

 

 

Apesar do jogo de xadrez ser considerado uma das sete habilidades que um bom cavaleiro deveria desenvolver, é raro encontrar peças deste jogo ou de qualquer outro jogo da época, em bom estado, principalmente peças que tenham sido usadas antes do século XIII.  Mas faz sentido que estas peças tenham sido encontradas nas ruínas de um castelo no sul da Alemanha, no distrito de Reutlingen, em um castelo até então desconhecido. As peças foram encontradas sob os destroços de um muro onde poderiam ter sido perdidos ou escondidos. 

 

 

 

 

Cavalo, peão e um dado encontrados nos destroços de um muro em um castelo no sul da Alemanha.

 

 

 

As peças estão em excelente condição e quando examinadas sob microscópio pode ser visto o brilho, causado pela oleosidade, consequência de terem sido manuseadas durante partidas.  Quatro peças em formato de flor, a que se atribui o papel de peões, foram encontradas, algumas com traços de coloração vermelha, que pode indicar que um dos grupos do jogo de xadrez tenha sido originalmente feito de peças vermelhas.  Um dado com números nos seis lados, exatamente igual aos dados de hoje, também foi encontrado no grupo de peças.  Todas ela foram esculpidas em chifres. 





Esmerado: busto-relicário de Carlos Magno, 1350

7 12 2023

Busto-relicário de Charles Magno, c.1350

Prata banhada em ouro

Contém o crânio de Carlos Magno menos a mandíbula

Tesouro da Catedral de Aix-la-Chapelle

França.

 

É considerada uma das mais belas obras representando a ourivesaria do período gótico.  Este não é um retrato realista do imperador francês, mas uma representação idealizada do rei. O busto está encimado por uma coroa, doada à catedral por Ricardo da Cornualha, (Inglaterra) em 1262, “pela eternidade”.  a coroa é enriquecida por um grande número de pedras preciosas.

 

 

 

Cabelos e barba levaram banho do ouro mas rosto, pescoço e colo foram mantidos na cor natural da prata em repoussé.  A roupa mostra um grande faixa de ouro sobre a qual, em forma de colar, repleta de pedras preciosas, algumas delas datando da antiguidade.  

 

 

O busto repousa em pedestal octogonal decorado com esmaltagem no padrão de flor-de-lis, símbolo da França. Duas partes dessa base se abrem, ao centro, para revelar o restos mortais de Carlos Magno.

 





Refeição de Páscoa na era Medieval

9 04 2023

Jantar medieval, 1300-1320

Iluminura de miniaturista francês [nome desconhecido]

 Manuscrito Ragnault de Montauban, Volume II, Ms. 5073, f. 148

 

 

Grandes ocasiões foram sempre marcadas com banquetes, através dos séculos, independente das culturas que as celebravam.  Mas durante a Baixa Idade Média, esses banquetes foram levados a  extremos.  Nestes séculos, o consumo conspícuo em cerimônias muito elaboradas, tornou-se norma.  Numerosas iluminuras medievais retratam festas, e refeições magníficas celebrando as principais datas religiosas, políticas, casamentos, coroações e outras ocasiões.

 





De roupas e identidade…

18 05 2022

Banho público, c. 1470                    

Facta et dicta memorabilia de Valerius Maximus (f. 244)

Staatsbibliothek, Berlín-Preussischer Kulturbesitz

 

 

“Uma das novelas de Sercambi põe em cena um peleteiro de Luca que,tendo-se dirigido ao banho público e se despojado de suas roupas, foi subitamente tomado de pânico à ideia de perder sua identidade na multidão anônima dos corpos. Coloca então sobre seu ombro direito uma cruz de palha e agarra-se a esse sinal como a uma boia; mas a cruz se desprende e desliza sobre seu vizinho, que dela se apodera: “Eu é que sou tu; desaparece, estás morto!” e o peleteiro decididamente desnorteado, está convencido de seu próprio trespasse.

O humor negro é uma constante de todas as épocas, como o homem sem qualidades, que a lógica do verbo basta para matar.  Mas  a fábula toscana tem sobretudo a virtude de lembrar a fragilidade das definições profissionais e do orgulho social num terreno e num meio em que o sucesso individual era exaltado de todas as maneiras. A identidade se perde com o  traje, porque o homem social é um homem vestido.”

 

Em: História da vida privada, 2: da Europa feudal à Renascença, organização de Georges Duby, tradução de Maria Lúcia Machado, São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p.560





Parentes no século XIII ?

18 11 2021

Árvore de Jessé, 1499

Absolon Stumme (Ativo na Alemanha, ? –1499)

têmpera e folha de ouro sobre painel de madeira

Museu Nacional de Varsóvia

Interessante programa da BBC, titulado Who do you think you are?,  estabeleceu, entre outros assuntos, que uma pessoa nascida na Inglaterra em meados do século XX  tem 80% de chance de ter  sua ancestralidade conectada até início do século XIII. E que árvores genealógicas estão sempre se interconectando, o que nos permite verificar que no fundo, somos todos parentes.

Quando leio sobre história, tento imaginar o que meus antepassados faziam no século XIV,  XVI,  ou outros, e fico feliz de ver que houve, através dos séculos, pessoas que sobreviveram até idade de poderem se reproduzir, numa cadeia sequencial inimaginável, chegando a mim, meus pais, meus filhos, às pessoas que conheço.  Somos frutos desses bem-aventurados que não morreram de gripe, de pandemia, de doenças na primeira infância.  Vinte a trinta por cento de todas as crianças nascidas na Idade Média, morriam antes dos sete anos de idade.  Morria-se de tuberculose, de infecções de um corte, de  queimadura.  Somos frutos de pessoas que não morreram, em guerras, em embates armados, nem de fome ou de frio.  Antepassados que não morreram de perseguição religiosa, ou  ambientes insalubres, que não morreram nas garras de animais que caçavam e que chegaram aos treze, quatorze, quinze anos saudáveis bastante para ter filhos que por sua vez tiveram sucesso em seu próprio crescimento, e foram capazes de gerar filhos saudáveis que os criaram ou encontraram alguém que os criasse, em sequência, de geração em geração.  O índice de mortalidade dos séculos anteriores ao nosso era muito alto.

 

Somos preciosos.  Batemos a morte em sequências que não conhecemos, para chegarmos até aqui.

 

BBC, artigo, clique aqui.

 





Esmerado: Estojo de marfim, século XIII

22 06 2020

 

 

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Estojo com placas de marfim encaixadas, e fechamento em cobre banhado a ouro.

Original do Sul Espanha

Século XIII

Comprimento: 7,7 cm Largura: 16,2 cm Altura: 11,7 cm

Victoria & Albert Museum, Londres

 

Estojos e caixas de marfim continuaram a ser fabricadas até depois final do domínio do califado de Umayyad.  Diferentes técnicas eram usadas na construção e ornamentação desses objetos.  Este exemplo é feito por grossas folhas de marfim, e não de um bloco sólido. Acabamento em cobre com banho de ouro é elaborado e constitui sua única decoração.

 

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Em três dimensões: escultor alemão anônimo

1 06 2017

 

 

09g_1250Cavaleiro de Bamberg, 1235

Escultor anônimo alemão

Arenito, 236 cm de altura

Catedral de Bamberg, Alemanha





Refeições na Idade Média, texto de Alexandre Staut

25 04 2017

 

 

The Temperate and the Intemperate, about 1475–80, Master of the Dresden Prayer Book. Flemish. The J. Getty MuseumOs moderados e os desmedidos, c. 1475-1480

Mestre do Livro de Orações de Dresden

Bélgica

The J. Paul Getty Museum

 

 

“Em toda a Europa predominavam refeições coletivas em que inteiras, incluindo os funcionários, sentavam-se juntos. Era uma recomendação da Igreja contra o egoísmo e a arrogância.  Porém, perto do final da Idade Média, os ricos procuraram escapar do espírito coletivo, retirando-se em salas privadas para desfrutar de privacidade durante as refeições.

Durante o período medieval os ricos atentaram para a importância da limpeza e de hábitos saudáveis antes e durante as refeições. Nas mesas havia tigelas de água e toalhas para que pudessem lavar as mãos.”

 

Em: Paris-Brest, Alexandre Staut, São Paulo, Cia Editora Nacional: 2016, p.152