Elizabeth, Sarah and Edward, the Children of Edward Holden Cruttenden, 1763
Sir Joshua Reynolds (Inglaterra, 1723–1792)
óleo sobre tela, 179 × 168 cm
Museu de Arte de São Paulo
Hoje estava considerando a possibilidade de oferecer um curso sobre colecionadores de arte. Frequentemente eles são esquecidos e no entanto eles modelam e modelaram o futuro, com a aquisição, manutenção, tutela e preservação das obras de arte de sua escolha. O que nos chega do passado já teve a seleção feita pela destruição corrosiva do tempo e pela manutenção de um colecionador interessado. Então seu gosto e sua guarda é o que sabemos do passado. O colecionador dirige do tempo depois de sua morte o que veremos hoje ou no futuro. Por ele, hoje entendemos o que era valioso, merecendo atenção. Meus alunos conhecem bem essa ladainha a que os submeto em todos os cursos.
Um dos grandes colecionadores de arte do seu tempo, foi o pintor inglês Joshua Reynolds (1723–1792). Por isso mesmo estava passando os olhos sobre suas obras e me deparei com esse belo retrato de família, parte do acervo do MASP, onde vemos Elizabeth, Sarah and Edward Cruttenden e a aia deles, cujo nome desconheço.
A internet é como viver dentro de uma enciclopédia. Para pessoas curiosas é simultaneamente uma bênção e um castigo. Porque somos capazes de satisfazer a ânsia do conhecimento e ao mesmo tempo atrasar com a hora, um encontro, a entrega de um texto, pagando pela perda de tempo a que os caminhos do acaso nos levam. A minha pergunta era: Essa aia, essa dama de companhia das crianças, com que frequência vemos esse personagem pintado na arte posterior ao Renascimento?
DETALHE, Elizabeth, Sarah and Edward Cruttenden, 1763, Joshua Reynolds (1723–1792)
Há um viés é claro: uma doméstica não tem o mesmo lugar de importância naquela cena e por isso mesmo não é mencionada. Mas há um fato contraditório. A maioria dos pintores, no passado, cobrava pela complexidade de um quadro encomendado. Retratos em geral são obras encomendadas e a adição aqui de mais uma fisionomia, certamente elevou o preço cobrado por Reynolds. Não duvido que esta preceptora das crianças era importante para a família ou não estaria retratada, mesmo que seu nome não seja mencionado.
Outra curiosidade: por que seria que Reynolds tem mais de um retrato familiar em que uma dama de companhia das crianças aparece? Era moda? São raros os retratos de empregados de uma família. Queriam mostrar status? Para quem? Ou será que Reynolds sabia levar seus clientes na conversa? Tinha ele arte da sugestão? Estas são perguntas relevantes… Para respondê-las eu teria que me aprofundar em uma centena de publicações sobre Reynolds, teses de doutoramento, e francamente para meu propósito isso seria demais.
Geoge Clive e sua família com a doméstica indiana Clarissa, 1765
Sir Joshua Reynolds (Inglaterra, 1723–1792)
óleo sobre tela, 140 x 171 cm
Gemäldegalerie, Berlim
Até recentemente este quadro era conhecido como George Clive e sua família com uma doméstica indiana — mas recentemente a Gemäldegalerie de Berlim, mudou o nome para incluir o nome da aia, depois de pesquisa extensa para responder a questões como as que me interessaram.
DETALHE, Sir Joshua Reynolds; Clarissa, em Geoge Clive e família, 1765
Coronel com sua família e uma aia indiana, 1786
Johann Zoffany (Alemanha,1733–1810)
óleo sobre tela, 135 x 97 cm
Tate Gallery, Londres
Os pintores e retratistas (fotografias) ingleses ou que trabalhavam na Inglaterra mostram essas preceptoras como indianas. Não são africanas e em nenhum momento aparecem como escravas. A Companhia das Índias Orientais formada no século XVII (1600) por holandeses, ingleses e franceses, era uma companhia privada formada por um conglomerado de investidores particulares interessados em competir diretamente com Portugal no comércio de produtos orientais. No final do século XVI, Portugal já havia perdido bastante de seu monopólio nas rotas desse comércio. Portanto justamente na virada do século XVII essas empresas, consórcio podemos dizer, internacional, se voltou para a Índia como fonte de produtos para os quais havia um mercado crescente na Europa do Norte. A primeira coisa que fizeram foi estabelecer locais de produção, plantas, digamos assim, com trabalhadores locais. Data deste período os trabalhadores indianos entrarem também no dia a dia dos lares ingleses na Índia.
A maioria das famílias desses administradores tinha aias indianas que cuidavam das crianças da casa. O retrato desses trabalhadores (que podem ter sido parte do sistema de trabalhos forçados) aparece com maior frequência só no século XVIII, como vemos nos exemplos dos quadros de Reynolds e Zoffany.
No século XIX, em 1858, a Inglaterra chega a conclusão que não poderia mais deixar o comércio tão importante para a estabilidade inglesa nas mãos de companhias particulares e toma das mãos desses investidores suas companhias e declara a Índia parte do Império Britânico. Levou quase um século para a Índia conseguir sair do domínio britânico. Mas isso não faz parte desta postagem.
Foto de 1922, mostrando a aia indiana com a família para quem trabalhava em Derbyshire.
Quando olhamos para a Inglaterra de hoje, não deveríamos ver com espanto o governo repleto de pessoas de origem indiana nas prefeituras, pessoas eleitas pelo povo no parlamento inglês. A imigração indiana e paquistanesa para a Inglaterra tem séculos. A estimativa é de que em 1850 havia na Inglaterra 40.000 indianos. Nesta época estima-se que a população da Inglaterra fosse de 16.600.000 pessoas. Já no ano 2000, a Inglaterra tinha um pouco mais de 49.200.000 habitantes dos quais um pouco mais de 1.053.000 eram de origem indiana. Ou seja em 150 anos a população indiana da Inglaterra cresceu de 0,2% para 2, 1%. Não é tanto assim. Mas não deixa de me surpreender que tenha havido tão poucas representações de indianos nas pintura inglesa.