Aquarela, poesia de Francisca Júlia

28 08 2025

Grace Rose, 1866

Frederick Sandys (Inglaterra, 1829-1904)

óleo sobre madeira, 28 x 24 cm

Yale Center for British Art, EUA

 

Aquarela

 

Francisca Júlia

 

Cheio de folhas, úmido de orvalho.

Fresco, à beira de um córrego crescia

Jovem pé de roseira em cujo galho

Uma rosa sorria.

 

O orvalho matinal que o beija e molha,

Desce de cima em brancas névoas finas.

E todo pé salpica, folha a folha,

De gotas pequeninas.

 

Beija-o o perfumeo Zéfiro, que passa,

O grupo de falenas que anda à toa,

A borboleta clara que esvoaça,

E o pássaro que voa.

 

Uma moça gentil sentiu anseio

De possuir a rosa e teve mágoa

De não poder colhê-la, com receio

De molhar os pés na água.

 

A roseira agitou a coma e opima,

Estremeceu, embriagada e douda,

Sob os raios do sol que lá de cima

A iluminavam toda.

 

A moça foi-se; o ar estava morno;

Mansamente o crepúsculo descia;

Uma abelha zumbiu36 da rosa em torno;          

Lento, expirava o dia…

 

Porém nessa hora a ventania brava

Que veio do alto impetuosamente,

Arranca a flor do ramo em que se achava          

E joga-a na corrente.

 

E a flor caiu no meio do riacho;

Do vento rijo foi sofrendo o açoite,

E escorregando em prantos, água abaixo,

Na tristeza da noite.

 

Nenhuma flor pode salvar-lhe a vida;

Na água desceram, entretanto, algumas;

E a flor morreu aos poucos, envolvida          

Num círculo de espumas.

 

Em: Livro da Infância, Francisca Júlia da Silva, 1899, em domínio público





A planta preciosa, de Christoph von Schmid

14 06 2025

A caminho do mercado

Demetrio Cosola (Itália, 1851-1895)

óleo sobre tela, 36 x 50 cm

 

A planta preciosa

 

Christoph von Schmid

 

Duas empregadas, Maria e Margarida, levavam cada, uma cesta, bem pesada: uma resmungava o tempo todo reclamando do peso de sua carga; a outra se ria e fazia graça como se a dela fosse leve.

— Como você pode rir? – perguntou Margarida; sua cesta é tão pesada quanto a minha, e você não é mais forte do que eu.

— É porque, na minha, coloquei uma pequena planta que diminui o peso, respondeu Maria.

— Por favor, me diga, Maria, que planta é essa? Eu queria também ter para aliviar o peso de minha cesta.

Maria responde:

— A planta, tão preciosa que transforma todos os fardos em pesos leves, é a paciência.

-x-

Traduzido do francês, por Ladyce West ©Rio de Janeiro, 2025

 

 

Christoph von Schmid nasceu na Alemanha em 1768 e faleceu em 1854.  Foi um dos primeiros a escrever contos para crianças.  Suas histórias, anedotas, diálogos, são lidos até hoje pelas crianças europeias, principalmente na França, na Alemanha e na Inglaterra. Sua obra está traduzida para muitos idiomas e publicada com ou sem ilustrações, dependendo da idade para qual suas mais de trezentas publicações forem apropriadas. Ele também adaptou lendas locais para contos. Ele foi um dos primeiros escritores a se preocupar com o ensino de valores para crianças. 





O vaivém, Lindolfo Gomes

22 04 2024

 

 

 

O vaivém

 

Lindolfo Gomes

 

Era um dia um velho chamado Zusa, que trabalhava pelo ofício de carapina. A sua oficina era um brinco, sempre muito asseada, a ferramenta muito limpa, tudo nos seus lugares.

 

Mas a mania do velho era batizar cada ferramenta com um nome apropriado. O martelo chamava-se toc-toc, o formão, rompe-ferro, o serrote, vaivém.

 

Quando um carapina do lugar precisava de uma, corria logo à oficina do Zusa, a pedir-lhe de empréstimo.

 

Mas, tantas lhe fizeram, demorando a entrega ou ficando com as ferramentas algumas vezes, que o velho resolveu parar com os empréstimos.

 

Certo dia foi à oficina um menino, de mando dopai, e disse:

 

— Papai manda-lhe muitas lembranças e também pedir-lhe emprestado o vaivém.

 

Mestre Zusa pôs as cangalhas no nariz e respondeu:

 

— Menino, volta e diz a teu pai que se vaivém fosse e viesse, vaivém ia, mas como vaivém vai e não vem, vaivém não vai.

 

 

 

Em: Contos Populares Brasileiros, São Paulo, Melhoramentos: 1965, p. 36





Fábula, Cleómenes Campos

31 08 2021
Autoria desta ilustração, desconhecida.

 

 

Fábula

 

Cleómenes Campos

 

 

No começo do mundo,

quando tudo falava, um Monte, certo dia,

interrogou a um Vale, a quem mal conhecia:

— “Quem é mais alto de nós dois?”

 

O Vale respondeu-lhe. admirado, depois:

“Eu só te sei dizer que é o mais profundo…”

 

 

Em: Poesia Brasileira para a Infância, Cassiano Nunes e Mário da Silva Brito, São Paulo, Saraiva: 1967, Coleção Henriqueta, p. 113.

 





Uma educação a longa distância, trecho Paul Auster

29 12 2019

 

 

 

Summer reading, 2011 by Natalia Andreeva born in Novosibirsk, Russia living in Tallahassee (Florida), USALeitura de verão, 2011

Natalia Andreeva (Rússia/ EUA, contemporânea)

 

 

“Nenhum outro menino em seu círculo de conhecidos tinha lido o que ele tinha lido e, como tia Mildred escolhia os livros cuidadosamente para ele, assim como havia escolhido para a irmã, em seu período de confinamento, treze anos antes, Ferguson lia os livros que ela mandava com uma avidez que parecia fome física, pois sua tia compreendia quais livros iam dos seis para os oito anos de idade, dos oito para os dez, dos dez para os doze — e daí até o fim do ensino médio. Contos de fadas, para começar os Irmãos Grimm e os livros muito coloridos compilados pelo escocês Lang, depois os fantásticos e assombrosos romances de Lewis Carroll, George MacDonald e Edithh Nesbit, seguidos pelas versões de mitos gregos e romanos escritas por Bulfinch, uma adaptação infantil de Odisseia, A teia de Charlotte, uma adaptação de As mil e uma noites, remontadas com o título de As sete viagens de Simbad, o Marujo, e mais adiante, uma seleção de seiscentas páginas de As mil e uma noites originais, e no ano seguinte O médico e o monstro, contos de horror e mistério de Poe, O príncipe e o mendigo, Raptado, Um conto de Natal, Tom Sawyer e Um estudo em vermelho, e a reação de Ferguson foi tão forte ao livro de Conan Doyle que o presente que ele ganhou da tia Mildred em seu décimo primeiro aniversário foi uma edição imensamente gorda, abundantemente ilustrada, de Histórias Completas de Sherlock Holmes.

 

Em: 4321, Paul Auster, tradução de Rubens Figueiredo, Cia das Letras: 2018, páginas 109-110





Meu dia de estrela!

23 07 2016

 

 

autografo 4Ilustração ©Maurício de Sousa.

 

 

Meu dia de estrela!

Hoje, estive no programa SÁBADO SHOW da Rádio Bandeirantes no RJ. Fui falar sobre o PAPA LIVROS e o AO PÉ DA LETRA, dois grupos de leitura, com 22 pessoas cada, que oriento. E deu para falar também do meu próximo projeto que é EU TAMBÉM LEIO, um grupo de leitura para adolescentes que gostam de ler. Explicar que a leitura é uma forma ecumênica de aprendizado é importante. Foi uma oportunidade única. Agradeço aos que puderam proporcionar esse momento.

Contato através da página da PEREGRINA CULTURAL no Facebook ou através daqui mesmo, no blog.





As Garças, fábula de Leonardo da Vinci

20 06 2015

 

 

egret-lyse-anthonyGarça

Lyse Anthony (EUA, contemporânea)

aquarela, 24 x 16 cm

Lyse Anthony

 

 

 

Mais uma fábula de Leonardo da Vinci.  Quem  segue este blog  já sabe que além de grande pintor, arquiteto e cientista, o gênio da Renascença italiana também ficou conhecido por sua arte de conversar, e também de contar histórias.  Leonardo escreveu e anotou fábulas e contos populares, lendas e anedotas, organizando-as em volumes diversos.   Algumas dessas lendas foram traduzidas por Bruno Nardini e publicadas no Brasil em 1972.  Transcrevo aqui a fábula  As Garças do volume de Leonardo chamado: Lendas, H. 9r.)  Em: Fábulas e lendas, Leonardo da Vinci, São Paulo, Círculo do Livro: 1972, p. 42

 

 

As Garças

 

O rei era um bom rei, porém tinha muitos inimigos. As garças, leais e fiéis, estavam preocupadas. Havia sempre a possibilidade, principalmente à noite, dos inimigos cercarem o palácio e aprisionarem o rei.

— Que devemos fazer? pensaram elas. — Os soldados, que deveriam estar de guarda, estão dormindo. Não podemos confiar nos cães, pois estão sempre caçando e sempre cansados.  Nós é que temos que guardar o palácio e deixar nosso rei dormir em paz.

Então as garças decidiram tornarem-se sentinelas. Dividiram-se em grupos,  cada grupo zelava por uma área, com mudanças de guarda em horas determinadas.

O grupo maior postou-se no prado que cercava o palácio. Outro grupo colocou-se do lado de fora de todas as portas. E o terceiro decidiu ficar no quarto do rei, a fim de vigiá-lo o tempo todo.

— E se nós adormecermos? perguntaram algumas garças.

— Temos um modo de evitar adormercermos, respondeu a mais velha de todas. — Cada uma de nós vai ficar segurando uma pedra com o pé que estiver levantado enquanto permanecermos paradas. Se uma de nós dormir, a pedra cairá no chão e o barulho a acordará.

Todas as noites, desde então, as garças vigiam o palácio, mudando a guarda de duas em duas horas. E nenhuma, ainda, deixou cair a pedra.





Distração, poesia de João Manuel Simões

7 10 2014

 

 

brinquedos de toda horaAutoria não identificada.

 

 

Distração

 

João Manuel Simões

 

 

Azar: acabei por esquecer

num baú antigo

a caixa de lápis de cor

com que eu costumava pintar

o arco-íris.

(Foi antes de pegar o trem

que me trouxe ao presente).

Por isso sou obrigado a me contentar,

hoje,

com as imitações desenhadas no céu,

depois da chuva.

 

 

Em: Poemas da infância,antologia poética,  João Manuel Simões, Curitiba, Livros HDV: 1989, p. 60





Velha anedota, soneto de Artur Azevedo

13 10 2011

Homem elegante ao espelho, c. 1930

Leon Gordon ( Rússia, 1889 — EUA, 1943)

óleo sobre tela, 90×80 cm

Velha anedota

Artur Azevedo

Tertuliano, frívolo peralta,

Que foi um paspalhão desde fedelho,

Tipo incapaz de ouvir um bom conselho,

Tipo que morto não faria falta;

Lá um dia deixou de andar à malta,

E, indo à casa do pai, honrado velho,

A sós na sala em frente a um espelho,

À própria imagem disse em voz bem alta:

— Tertuliano, és um rapaz formoso!

És simpático, és rico, és talentoso!

Que mais no mundo se te faz preciso?

Penetrando na sala, o pai sisudo

Que por trás da cortina ouvira tudo,

Severamente  respondeu: — Juizo!

Em: Poesia brasileira para a infância, ed. Cassiano Nunes e Mário da Silva Brito, São Paulo, Saraiva:1968.

Artur Nabantino Gonçalves de Azevedo (São Luís, 1855 — Rio de Janeiro, 1908)  dramaturgo, poeta, contista e jornalista. Foi diretor do teatro João Caetano.  Membro da Academia Brasileira de Letras.

Obras:

Sonetos, 1876

Contos fora de moda, 1901

Contos efêmeros

Contos possíveis, 1908

Rimas, 1909

Para o teatro escreveu mais de duzentas peças.





A gralha e o pavão, fábula, texto de Monteiro Lobato

5 10 2011

A gralha e o pavão, s/d

Frans Snyders (Bélgica, 1579-1657)

Óleo sobre tela

A gralha enfeitada com penas de pavão

Como os pavões andassem em época de muda, uma gralha teve a idéia de aproveitar as penas caídas.

— Enfeito-me com estas penas e viro pavão!

Disse e fez.  Ornamentou-se com as lindas penas de olhos azuis e saiu pavoneando por ali a fora, rumo ao terreiro das gralhas, na certeza de produzir um maravilhoso efeito.

Mas o trunfo lhe saiu às avessas.  As gralhas perceberam o embuste, riram-se dela e enxotaram-na à força de bicadas.

Corrida assim dali, dirigiu-se ao terreiro dos pavões pensando lá consigo:

— Fui tola.  Desde que tenho penas de pavão, pavão sou e só entre pavões poderei viver.

Mau cálculo.  No terreiro dos pavões coisa igual lhe aconteceu.  Os pavões de verdade reconheceram o pavão de mentira e também a correram de lá sem dó.

E a pobre tola, bicada e esfolada, ficou sozinha no mundo.  Deixou de ser gralha e não chegou a ser pavão, conseguindo apenas o ódio de umas e o desprezo de outros.

Amigos: lé com lé, cré com cré.

Em: Fábulas, Monteiro Lobato, São Paulo, Editora Brasiliense: sem data, 20ª edição

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Esopo, xilogravura

Esta fábula de Monteiro Lobato é uma das dezenas de varições feitas através dos séculos da fábulas de Esopo, escritor grego, que viveu no século VI AC. Suas fábulas foram reunidas e atribuídas a ele, por Demétrius em 325 AC. Desde então tornaram-se clássicos da cultura ocidental e muitos escritores como Monteiro Lobato, re-escreveram e ficaram famosos por recriarem estas histórias, o que mostra a universalidade dos textos, das emoções descritas e da moral neles exemplificada. Entre os mais famosos escritores que recriaram as Fábulas de Esopo estão Fedro e La Fontaine.

 

José Bento Monteiro Lobato, (Taubaté, SP, 1882 – 1948). Escritor, contista, dedicou-se à literatura infantil. Foi um dos fundadores da Companhia Editora Nacional. Chamava-se José Renato Monteiro Lobato e alterou o nome posteriormente para José Bento.

Obras:

A Barca de Gleyre, 1944

A Caçada da Onça, 1924

A ceia dos acusados, 1936

A Chave do Tamanho, 1942

A Correspondência entre Monteiro Lobato e Lima Barreto, 1955

A Epopéia Americana, 1940

A Menina do Narizinho Arrebitado, 1924

Alice no País do Espelho, 1933

América, 1932

Aritmética da Emília, 1935

As caçadas de Pedrinho, 1933

Aventuras de Hans Staden, 1927

Caçada da Onça, 1925

Cidades Mortas, 1919

Contos Leves, 1935

Contos Pesados, 1940

Conversa entre Amigos, 1986

D. Quixote das crianças, 1936

Emília no País da Gramática, 1934

Escândalo do Petróleo, 1936

Fábulas, 1922

Fábulas de Narizinho, 1923

Ferro, 1931

Filosofia da vida, 1937

Formação da mentalidade, 1940

Geografia de Dona Benta, 1935

História da civilização, 1946

História da filosofia, 1935

História da literatura mundial, 1941

História das Invenções, 1935

História do Mundo para crianças, 1933

Histórias de Tia Nastácia, 1937

How Henry Ford is Regarded in Brazil, 1926

Idéias de Jeca Tatu, 1919

Jeca-Tatuzinho, 1925

Lucia, ou a Menina de Narizinho Arrebitado, 1921

Memórias de Emília, 1936

Mister Slang e o Brasil, 1927

Mundo da Lua, 1923

Na Antevéspera, 1933

Narizinho Arrebitado, 1923

Negrinha, 1920

Novas Reinações de Narizinho, 1933

O Choque das Raças ou O Presidente Negro, 1926

O Garimpeiro do Rio das Garças, 1930

O livro da jangal, 1941

O Macaco que Se Fez Homem, 1923

O Marquês de Rabicó, 1922

O Minotauro, 1939

O pequeno César, 1935

O Picapau Amarelo, 1939

O pó de pirlimpimpim, 1931

O Poço do Visconde, 1937

O presidente negro, 1926

O Saci, 1918

Onda Verde, 1923

Os Doze Trabalhos de Hércules, 1944

Os grandes pensadores, 1939

Os Negros, 1924

Prefácios e Entrevistas, 1946

Problema Vital, 1918

Reforma da Natureza, 1941

Reinações de Narizinho, 1931

Serões de Dona Benta, 1937

Urupês, 1918

Viagem ao Céu, 1932