Está na hora de debater o esporte como meio de educação

9 07 2010

Flamenguistas, s/d

José Sabóia (Bahia, 1949)

Óleo sobre tela, 30 x 30 cm

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Muito se fala no Brasil sobre os valores que os esportes desenvolvem nos que os praticam.  Dia sim, dia não  anunciamos nas televisões, na propaganda, nos jornais, em todos os meios de comunicação, direta ou indiretamente, que a participação em esportes, principalmente aqueles de equipe, ajuda ao desenvolvimento  de caráter nas crianças e adolescentes.  Centenas de projetos de ONGS e de governos municipais ou estaduais se dedicam a envolver crianças principalmente das camadas sociais menos privilegiadas para que  o esporte  – qualquer um deles — sirva de meio de educação, de sobrevivência, de alavanca social para o indivíduo e sua  família.  Acaba sendo uma religião, em que o esporte é visto como grande transformador social.  E como uma religião a crença nele parece inquestionável.  Como pano de fundo  milhares de crianças em semelhantes circunstâncias são levadas a sonhar com destino parecido aos dos grandes desportistas, descobertos na pobreza, educados nas escolinhas desportivas e feitos ricaços antes de completarem 25 anos.

Essa linha de pensamento que eleva o esporte a um sistema educacional, praticamente ao par com a tradicional educação escolar e desenvolvimento intelectual, tem suas raízes no  início do século XIX, mais precisamente na Inglaterra, onde e quando se desenvolveu a maioria dos esportes que fazem parte do nosso dia a dia.   Todo tipo de crença sobre os valores esportivos alardeados naquela época, enraizados nos conceitos da antiga Grécia — mente sã em corpo são — foram abraçados sem oposição, repetidos sem reflexão, como papagaios que somos das idéias alheias. Esses preceitos nos disseram que os esportes ajudavam na auto–confiança do indivíduo, incentivavam o jogo limpo e  o respeito por regras.  Que com eles aprendemos a ser generosos na vitória, a termos compaixão por quem perde  e sobretudo aprendemos a  saber perder quando o  adversário se mostra melhor, mais capaz, mais habilidoso.

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Jogando futebol, 1977

Benê Olivier ( Brasil, 1944)

óleo sobre placa, 36 x 22 cm

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No entanto, temos tido provas, com uma regularidade desconcertante,  de que há uma super valorização do esporte como meio de educação no Brasil.  Sozinho ele não cria um indivíduo honesto, de bom caráter.  Sozinho ele não cria uma pessoa que respeita as leis, as regras sociais.  Sozinho o esporte não ensina a compaixão, nem a dignidade na perda ou na vitória.  Sozinho ele se mostra vazio.   

Um dos grandes treinadores de basquete dos Estados Unidos,  John Wooden ( 1910-2010) ficou conhecido pela frase:  “Os esportes não formam o caráter.  Eles o revelam”.   [“Sports do not build character. They reveal it.” ].   Acredito na sua percepção.  E, por isso mesmo, está na hora de debatermos o que deve estar incluído na formação de um desportista – de qualquer esporte – o que deve estar incluído nas famosas escolinhas de clubes  atléticos.  Há de haver um currículo mais estrito sobre a responsabilidade social e cívica do indivíduo.  Há de haver  uma maior participação, obrigatória, da família do jovem em questão, talvez até a educação de seus membros e certamente um acompanhamento psicológico.  Esta é a  hora de revermos esses conceitos que super valorizam os esportes.  Os esportes não são os redentores sociais que imaginamos serem.  Os redentores somos nós.


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6 responses

24 07 2010
Avatar de João Paulo João Paulo

Belíssimo post! Concordo com suas palavras e ainda iria mais além. Crescendo num bairro de São Paulo em que todos os investimentos voltados para a formação da juventude, por parte de políticos e algumas poucas empresas privadas, foram gastos com esportes, sou uma testemunha ocular de quão falsas são essas crenças. Fora isso, deve ser muito melhor para alguns políticos formar um cidadão que saiba fazer embaixadinhas que um que saiba interpretar um texto.

25 07 2010
Avatar de peregrinacultural peregrinacultural

Obrigada João Paulo pela leitura e pelo comentário. Este é um assunto delicado porque toca em projetos queridos tanto da população quanto dos políticos, como você mesmo menciona. Mas temos que debatê-lo. Espero que os eventos mais recentes no mundo do futebol tragam o assunto à berlinda. Eu estou fazendo o que posso para que isso aconteça. Mas precisamos de mais pessoas debatendo o valor desses projetos. Um grande abraço, Ladyce

25 07 2010
Avatar de Paulo Paulo

Concordo com a ideia do texto e com o comentário do João Paulo. Do modo como o esporte vem sendo utilizado, menos ele vai contribuir para a formação de jovens conscientes e solidários, e muito mais estárá auxiliando na formação de indivíduos com tendências competitivas levadas ao extremo, na adoração de “ídolos” super dimensionados, prejudicando também a capacidade de discussão calcadas em argumentos sólidos e levando ao hábito de se ver todas as coisas por um viés fundamentalista de bom ou mau, certo ou errado, etc. Contudo, eu acredito que, tratado de outras formas, o esporte pode e deveria estar, contribuindo de modo mais eficaz na formação de jovens, desde que trouxesse à tona valores mais consistentes como os citados no texto (dignidade na perda e na vitória, a recusa de ver o adversário como inimigo, etc.) Penso que um primeiro passo seria o desendeusamento das atividades esportivas, colocá-las em tamanho natural, importantes que são, trazendo inúmeros benefícios ao indivíduo e à sociedade (como muitas outras atividades humanas), mas não esta coisa apoteótica e bélica, que não sabemos bem aonde vai parar…

25 07 2010
Avatar de peregrinacultural peregrinacultural

Paulo, obrigada por manter a conversa viva. Há sim, muito que o esporte pode ensinar. Além das vantagens mencionadas acima, os esportes, assim como o aprendizado de línguas, da dança, da música, conseguem ensinar disciplina, método e acima de tudo todos mostram como a dedicação acaba por vencer. O erro está em acreditar que só isso basta. E concordo com você plenamente que está na hora de acabarmos com o endeusamento das atividades esportivas e os extremos que elas andam gerando. Obrigada pela visita, um abraço, Ladyce

27 01 2013
Avatar de Josiel Gomes Josiel Gomes

Fica evidente que o desenvolvimento das capacidades intelectuais e cognitivas e o despertar do senso crítico são secundários na criação de um “craque” nos esportes, pelo menos no Brasil. Entendo que isso é um legado de grandes craques de passados recentes e nem tão, que chegaram ao estrelato, tornaram-se produto de mídia e foi vendida a idéia de que aquelas primeiras não são importantes. Após a derrota do Brasil na final da copa da França foi criada a imagem por parte da imprensa européia de que a seleção brasileira era formada por analfabetos e isso foi largamente veiculado nas mídias; Isso a meu ver foi mais vergonhoso que perder a copa.

Josiel Gomes
Parauapebas (PA)

27 01 2013
Avatar de peregrinacultural peregrinacultural

Concordo, Josiel. Obrigada!

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