Clara Hoyt, um perfil de mulher: a prosa deliciosa de Louis Auchincloss

15 07 2010

Coquetel, ilustração de 1944, assinada Eric.

—-

—-

Em janeiro deste ano a nota de falecimento de Louis Auchincloss não chegou a fazer manchetes no Brasil, onde o autor é pouco conhecido. Mas, para mim e milhares de outros fãs do escritor americano, ficou o vazio de se saber que não mais poderíamos contar com a sutileza, a crítica elegante e mordaz, assim como a prosa límpida que preenchia, sempre sem exageros, as páginas de seus romances: ia embora  um dos grandes e mais tenazes observadores da sociedade americana, um autor que reinou  ímpar por grande parte  do século XX. 

Foi com a intenção de despedida, com o aceno do adeus, que me dediquei à leitura de um dos pouquíssimos livros do autor, dentre suas mais de 50 publicações, traduzidos e publicados no Brasil:  A infinita variedade dessa mulher, São Paulo, Editora A Girafa: 2004.  O romance se passa entre 1937 e 1963 – trinta e poucos anos que remodelaram o mundo, as economias americana e mundial; período em que a vitória das forças aliadas na guerra leva os Estados Unidos a um papel ainda mais central no mundo ocidental, como potência econômica, militar e cultural.   Mas ainda que este seja o horizonte em que a vida de Clarabel Hoyt – principal personagem do romance – se aprume, ainda que esta seja a paisagem contra a qual as oportunidades que lhe aparecem são possíveis, o retrato que estudamos nas 280 páginas do livro é aquele de uma mulher em busca de sua razão de vida.

—-

—-

Louis Auchincloss foi o autor que, no século XX, melhor retratou a sociedade rica e poderosa dos Estados Unidos, o grupo social que age nos bastidores da política americana.  É daí que invariavelmente políticos de qualquer partido são escolhidos,  vice-presidentes ou executivos de grandes corporações.  Esse é o grupo social que frequenta as escolas particulares aos moldes ingleses, as universidades de maior prestígio [Ivy League Schools], os clubes fechadíssimos na cidade e no campo. Seus membros são dificilmente visíveis em lugares públicos e nunca chamam atenção para si mesmos.  Este é o grupo que age há séculos, como eminência parda do poder, num país que se diz uma gigantesca sociedade de classe média.  Sem entender que é desse grupo social que vêm as grandes reformas políticas, sociais e econômicas daquela sociedade — de direita ou de esquerda — é não compreender completamente as forças econômicas e sociais que fazem o país tão dinâmico.    Direto em estilo e refinado na linguagem, como Henry James o era, Auchincloss lembra, no retrato da sociedade nova-iorquina de poder, a herança cultural recebida por aquele autor.  E nesse simples retrato de mulher essa semelhança com o seu antecessor não deixa de ser lembrada.

—–

—–

Louis Auchincloss

 

—-

—-

Perfis de mulher estão entre os assuntos mais revisitados na obra de Auchincloss, ao retratar a nata da sociedade nova-iorquina.  E Clara Longcope Hoyt Tyler é mais uma delas.  No início do romance, vemos uma jovem frequentando as melhores escolas, e demonstrando mais personalidade do que suas colegas.  Ao se apaixonar  por um rapaz sem a ambição necessária ao sucesso, segue os conselhos de sua mãe, uma mulher bem-nascida mas frustrada com o resultado do casamento que fizera —  e não se casa com ele.   Nossa simpatia começa com Clara.  Mas, aos poucos, à medida que ela dá largas a sua ambição, vamos nos distanciando dessa mulher.  Nós e o escritor, que através de uma narrativa de grande destreza se encarrega de nos separar gradativamente da heroína.  Até a mãe de Clara, que no início nos parece fria e calculista, de quem resguardamos nossos corações, aos poucos vai também desacreditando dos meneios de sua filha para chegar onde quer.  Clara é o retrato da mulher fria e calculista, que se atreve a usar de sua influência como mulher e intelectual para chegar ao poder.  Com ela Auchincloss faz um excelente retrato das atitudes femininas de meio-século, distintas nas décadas de antes e depois da guerra: nos anos 40 fica claro que as mulheres tinham de usar seus atrativos femininos para atingir ao seu potencial intelectual.  Já depois da guerra a atitude passa a ser diferente, e como Clara descobre é necessário jogar de igual para igual com os homens para conseguir o que deseja. —-

—-

A leitura desse romance é rápida; sua narrativa é cristalina, amplamente dignificada com a tradução de Sérgio Viotti.  A poderosa e pequena sociedade fechada nova-iorquina é sutilmente retratada.  E a manipulação para chegar ao poder precisamente crível.  Leia.  É uma ótima maneira de preencher um final de semana de inverno.