A experiência de participar de um grupo de leitura

4 07 2010

Leitura de verão, 1958

Donald Moodie (Escócia, 1892-1963)

Óleo sobre tela

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Como um grupo de leitura mudou a minha vida

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Na ocasião do lançamento do Times Book Club, em março de 2010, o jornal britânico, The Times,  publicou um artigo de autoria de Alyson Rudd, em que ela descrevia o que mudara, na sua maneira de ler um livro, depois de ter aderido a um grupo de leitura. 

O convite, ela reconta, veio depois de alguns encontros com  mães das crianças que freqüentavam os primeiros anos da escola, onde Alyson matriculara  seu filho.  “Você não gostaria de participar de um clube de leitura?” um dia lhe perguntaram.   Inicialmente,  o convite lhe pareceu ter o mistério de quem está sendo convidado  para participar de  uma sociedade secreta.  Sentiu-se lisonjeada inicialmente, mas logo preocupada pois não tinha o hábito de ler ficção contemporânea.  Acabou aceitando participar com o objetivo de se aproximar de outras mães de crianças da escola.  Lá se vão dez anos.

O primeiro romance que leu foi  White Teeth [ Dentes Brancos, Cia das Letras, 2003] de Zadie Smith.  Apesar de muito bem escrito Alyson Rudd não gostou dessa leitura:  a autora fez esforço demais em mostrar uma Inglaterra multi-cultural; mostrou  personagens demais e muito distantes da sua realidade.   Não se igualava, por exemplo, à ficção de Gogol que ela acabara de ler.  Mas mesmo assim,  esta foi uma ocasião que ficou marcada em sua vida, e da qual se lembra vividamente até hoje, desde a leitura do livro, o encontro e o debate, ao queijo Brie e às uvas que as componentes do grupo degustaram ao conversarem sobre os problemas do texto.  

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Lendo, 2003

Peter Harrap ( Grã-Bretanha, 1975)

Óleo sobre tela

Não foi uma boa escolha, não é mesmo?”  a mulher que havia sugerido o livro admitiu.  Mas, apesar de ter sido um experiência frustrante, o livro afinal não tinha sido tão terrível e o queijo e o vinho foram muito bons e as novas amigas pareciam bem divertidas.   E assim seguiu-se para o próximo livro:  Four Letters of Love de Niall Williams [Quatro cartas de amor, Rocco:1999].  O título lhe pareceu horrível.  Tinha aquele jeito de ser um romance açucarado, provavelmente monótono.  Uma carta de amor é mais do que suficiente, pensou.   Mas leu o livro, e foi aí que se tornou uma fã incontestável do grupo de leitura:  Quatro cartas de amor se mostrou um romance notável, que flui;  um livro de uma beleza incontestável, que Alyson nunca teria lido se não fosse membro do grupo. 

À primeira vista, um clube de leitura soa contra-intuitivo.  A leitura é uma busca solitária, uma oportunidade para calar o mundo do trabalho ou o barulho do avião, ou da televisão.  Alyson se lembrava de que por anos, depois de devorar um grande romance,  sempre se sentia vazia ao terminá-lo.  Era como se as férias acabassem subitamente e para trás ficassem o mundo novo, a sociedade independente, as atribulações, o  assassinato, o resgate do amor ou o ódio, tudo de que participara intensamente desaparecia com o virar de uma página final.

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Jessie lendo, s/d

Paul Maze ( França/Inglaterra, 1887-1979)

óleo pastel

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Os clubes de livro ou grupos de leitura são uma cura para esse súbito mal, para essa depressão momentânea.  Em vez de se sentir perdido ao terminar um romance cativante, você sente a excitação da antecipação: o que o resto do grupo pensa em fazer desse livro?    Que será que este livro despertou nas outras pessoas?   E tem mais:  não se precisa mais impingir um livro de que se gosta a uma amigo e esperar que ele se decida a lê-lo, para vir a saber do resultado dos seus esforços.   Com um grupo de leitura você conhece um grupo de pessoas que está lendo o mesmo que você, ao mesmo tempo que você.  E você começa a ouvir dicas:  “o livro está ficando chato, ou ele melhorou muito depois de um início lento ou tedioso;  você  já chegou na parte onde o sacerdote… ? Não, não me conte, não estrague tudo….”

O encontro  mensal representa o encerramento de um pequeno ciclo; ele fecha com chave de ouro o processo da leitura, e nos faz esquecer da tristeza de deixar aquele mundo para trás.  Além do que o encontro marca o início de um novo ciclo.  É hora de começar um novo livro.  Em vez pensar ou dizer para alguém que não participou da mesma experiência com suspiro: “Ah, isso me comoveu tanto” e ser olhado com curiosidade como se você fosse um pouco diferente, você pode dizer isso e receber um aceno  de cabeça, de compreensão, sem que muitas palavras sejam trocadas.   

Mulher lendo, 2005

Alex Cree ( Inglaterra, contemporâneo)

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Um grupo de leitura pode ajudar a resolver aqueles pequenos detalhes  que nos irritam porque parecem não fazer sentido numa narrativa.  “Será que o menino vê o assassinato  ou imagina ter visto?”  Juntos, os membros do grupo se ajudam e você monta as pistas.  E você pode até mesmo concluir que o autor foi deliberadamente obtuso, sinuoso, velado.  E se não chegar a uma resposta concreta, pelo menos, você conseguiu compartilhar a sua frustração e, assim, neutralizá-la, sabendo que outras pessoas entendem do que você está falando. 

 A ascensão dos grupos de leitura transformou a maneira como nos sentimos a respeito da leitura propriamente dita.  Onde inicialmente havia geeks agora há os que ditam as tendências sociais.  Livros são o máximo!   Livros viraram moeda comum.  E o eterno  “Para que time você torce?”  pode ser facilmente trocado pelo “O que você está lendo agora?”  numa conversa casual.   É mais interessante descobrir se alguém leu Cormac McCarthy, The Road, [ A Estrada, Alfaguara Brasil: 2007] ou viu o filme.  É claro que não há problema algum em ter feito ambas as coisas, e os grupos de leitura com freqüência vão assistir juntos a versão cinematográfica de um livro e depois decidir qual é o melhor.   E nem sempre é o livro que ganha, um exemplo disso foi o filme baseado no  romance de  Ian McEwan, Atonement , [Reparação, Cia das Letras: 2002].  

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Mulher lendo, 2006

Tina Spratt ( Irlanda, contemporânea)

óleo sobre tela

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No final das contas, o que sobra é a experiência compartilhada.  Já que se pode assistir a qualquer programa de televisão  praticamente a qualquer  momento bastando gravá-lo, por que a grande maioria prefere assistir a EastEnders e Britain’s Got Talent, [ NT: dois programas na televisão inglesa] quando eles vão ao ar?  É porque queremos participar do bate-papo sobre os programas, mais tarde no trabalho ou na escola.  Torna-se uma experiência muito mais divertida, se você souber de milhões de outras pessoas estão rindo ofegantes no mesmo momento que você.  O mesmo acontece com os livros.
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Os grupos de leitura se espalharam como um vírus antes de Oprah e Richard & Judy lançarem suas versões na televisão.   Ambos os programas fizeram grande sucesso porque fizeram o que todos os bons clubes do livro devem fazer:  expandiram os limites de suas audiências. Oprah pediu a uma nação inteira que lesse One Hundred Years of Solitude, de Gabriel García Márquez [Cem anos de solidão, Record: 2009] – e ninguém se assustou.  No programa de Richard & Judy os leitores se entregaram às páginas de Half of a Yellow Sun  de Chimamanda Ngozi Adichie [ Meio sol amarelo, Cia das Letras: 2009].  Esses livros foram escolhidos, não porque eram apostas seguras, mas porque seriam amados.

 

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Mulher lendo, s/d

Richard Combes ( Inglaterra, contemporâneo)

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É menos maçante ler um livro problemático se você não está sozinho e mais agradável devorar um excelente livro se você sabe que poderá compartilhar seus pensamentos, quase que imediatamente, após a sua leitura com pessoas amigas que saberão do que você está falando.   Um bom livro sempre faz a gente se sentir especial, como se o autor nos tivesse em mente enquanto escrevia.  Ser transportado para longe do seu sofá ou da sua espreguiçadeira para a época vitoriana ou para o espaço sideral, é sempre possível.  Mas quando você volta à Terra  e se encontra em sua cadeira predileta, é muito mais agradável poder falar sobre a sua viagem com alguém que também esteve lá.

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Tradução e adaptação de Ladyce West.

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Para o txto original:  The Times