Há dois dias luto com a minha inabilidade de escrever sobre este pequeno grande livro, A Trégua, do escritor uruguaio Mário Benedetti, originalmente publicado em 1960. Talvez antes dos dias de hoje eu não tivesse a maturidade para apreciar a complexa realidade emocional de Martín Santomé, protagonista da história. Para fazer justiça a este texto triste, irônico e inigualável, e ainda por cima, tão correto psicologicamente, é preciso uma certa vivência, uma apreciação das limitações de vida que nos são impostas e simultaneamente que impomos a nos mesmos!
Benedetti é um mestre da sutileza. A leveza com que retrata a angústia pessoal, existencial de Martin Santomé é usada de maneira tão precisa quanto imagino o gesto de um cirurgião usando laser, cortando finas camadas de pele, desvendando sentimentos só encontrados no mitocôndrias das tormentas pessoais.
O livro é narrado através das entradas num diário de Martin Santomé, um homem comum, da classe média, que enviuvando cedo, educa seus três filhos sem voltar a se casar. Suas perspectivas de felicidade parecem ter-se esgotado. Mas há uma sincera acomodação a esta realidade talvez nem tão promissora.
Em poucas páginas entendemos o abismo que sente em relação a seus três filhos e a difícil situação familiar que eles têm entre si. Em poucas entradas em seu diário compreendemos a mesmice e a solidão deste empregado de uma firma de autopeças que depois de 25 anos de trabalho diário encontra-se à beira da aposentadoria, sem nenhuma perspectiva de poder mudar o seu destino. Na verdade, este questionamento interno, existencial, parece sempre subjugado aos rituais burocráticos, à luta pela simples sobrevivência.
Eis que aparece Laura Avellaneda, uma jovem, da idade de seus filhos, que assim como Martín conjuga da falta de perspectiva na vida, aparecendo mais acomodada do que seus anos de juventude nos levariam a considerar típicos. Um relacionamento entre eles começa — a trégua — a que o título se refere, o hiato, na sua luta constante pela sobrevivência.
Este romance traz uma renovação na vida dele e uma esperança na dela. A história, no entanto, é mais sobre a realidade psicológica de Martin do que sobre o romance. E lê-lo é um prazer inesgotável. Devorei o livro. É pequeno: 186 páginas. Uma beleza!






