Trova da mentira

3 10 2014

 

 

???????????????????????????????Candidatos no palco, ilustração de Walt Disney.

 

 

Num concurso de mentira,

promovido por um crítico,

quem ganhou, não me admira,

foi justamente um político…

 

(Jorge Murad)





FLIP: equilíbrio entre a política e a arte literária?

9 07 2013

?????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????A discussão, 1959-60

Renato Guttuso (Itália, 1911-1987)

têmpera, óleo e jornal sobre tela, 220 x 249 cm

Tate Gallery, Londres

A questão lançada pela FLIP (Feira Literária Internacional de Paraty) para o resto do ano: qual é o ponto de equilíbrio entre o debate literário e a política?

Com Graciliano Ramos homenageado seria impossível deixar de falar de política em Paraty.  Além disso, as demonstrações nas ruas do Brasil durante a Copa das Confederações fizeram-se lógicos assuntos de conversa.   Mas ter a política como assunto predominante na feira  foge do que há de melhor nesse encontro, que é a celebração da arte literária.  Concordo com John Bainville.  Quando questionado sobre a política e a literatura foi claro ao afirmar que “Não dá pra misturar arte e política, porque acaba saindo arte política e política ruim“.

É claro que todos que queiram usar suas habilidades artísticas a serviço da política têm o direito de se manifestar dessa forma, mas em geral, a arte com mensagem política ou social, raramente chega a ser de boa qualidade.  E frequentemente perde o frescor e a originalidade. Em literatura, a política torna o texto  fugaz, com data de validade.

E a pergunta continua válida: haverá mesmo a necessidade de se saber o que um romancista pensa da política?  De que lado político ele vê o mundo? Não acredito nisso.  A obra deve se sustentar por si só.  Boa ou ruim,  liberal ou conservadora, marxista ou capitalista.  Não importa, o que fica é a obra.





Boicote político no Salon du Livre: um ato de auto-destruição

6 04 2013

Emile Verhaeren écrivant

Escritor Emile Verhaeren, 1915

Theo van Rysselberghe (Bélgica, 1862-1926)

Óleo sobre tela,  46 x 55 cm

Christie’s  Auction House

Ontem estava passando os olhos no jornal Le Monde e encontrei a notícia,[Des écrivains roumains boycottent le Salon Du Livre] já antiga, do dia 22 de março, onde o repórter Mirel Bran narrava  que os escritores romenos boicotaram o Salão de Livro em Paris: a Romênia era convidada de honra.  Terminei a leitura incrédula.  Como?  O que esses escritores imaginam ter feito?  Estão contra a administração do Salão do Livro? Foram mal tratados pelos franceses? Foram ignorados? Não. Nada disso.  Então, o que justifica essa atitude?  Eles protestam.  Não contra os franceses.  Tampouco contra o Salão do Livro. Protestam contra o governo deles.  Queriam denunciar a política do país.

Mas que diabos de leitura eles fizeram que imagina que seus atos teriam um impacto significativo? Esse foi um ato de auto-destruição.  Nada mais.  Quem imaginou e levou avante esta demonstração de resistência ao governo de seu país não entendeu a razão ou a importância da imensa oportunidade que esses escritores tiveram nas mãos, de projetar a sua literatura para o mundo.  Usaram sim o espelho retrovisor, olharam para trás.  Pensaram pequeno demais, portadores de antolhos culturais.

Porque vamos e venhamos: quem conhece a literatura romena?  Outros romenos.  Talvez uns poucos especialistas.  E agora, certamente menos pessoas irão conhecer.  Porque ninguém vai aprender romeno de uma hora para outra, por simpatia.  Esses escritores escolheram não promulgar suas idéias para uma Europa literata, leitora, ávida por novas experiências, por novos autores. Eles fecharam o teatro, cancelaram o espetáculo, depois de venderem  todos os lugares.  Escolheram encolher-se ao tamanho da Romênia. Definitivamente um ato de auto-destruição.  Porque a política local não irá mudar por esse motivo.  Quem imagina isso ainda não viveu tempo suficiente para ser um escritor, para dissertar sobre a condição humana. E perderam a grande oportunidade de terem suas vozes ouvidas por gente que poderia escutá-las com consideração e respeito.

Igualo esse ato ao das grandes ondas de protesto que temos no Brasil na época das eleições quando uns e outros imaginam que ao votar nulo ou em branco calarão ou modificarão a maneira com que a política é tratada no país.  Isso não vai acontecer. Isso é de uma inocência política que chega a doer.  Isso é abster-se na hora em que a sua opinião conta.  É um erro de interpretação do contexto de suas ações. É outro ato de auto-destruição.  Triste constatar que muitos não enxergam a irrelevância dessa postura.  São truques teatrais, mais pantomimas do que uma grande ópera. É engodo, bazófia. Charlatanaria política.  Uma ilusão à qual cabeças pensantes não podem se render.





Lima Barreto: “O destino do Chaves “, um conto ainda relevante

31 03 2012

Caricatura portuguesa sobre a política, de Alonso, 1923.

O destino do Chaves

Lima Barreto

Trouxe Chaves, quando nasceu, o nome de Felismino.  Seus padrinhos, a pedido dos pais, conservaram-lhe o nome do Santo do dia do seu nascimento; mas acrescentaram a este, o de Felicíssimo.  Veio a chamar-se, portanto, Felismino Felicíssimo Chaves da Costa.

Antes do batismo, sua mãe, senhora duplamente crente, tanto na Igreja Católica como nas práticas da adivinhação e feitiçaria, mandou chamar algumas pessoas conspícuas  e entendidas nessas últimas misteriosas coisas e pediu-lhes que dissessem o futuro da criança. A mãe de Chaves ainda estava de resguardo; e as “fadas” locais disseram a “buena-dicha” do pequeno.

Falou em primeiro lugar a Victoria, uma velha indiática, originária da raça extinta dos Caetés, aqueles indígenas sacrílegos que, logo nos primórdios da colonização do Brasil, não trepidaram em cremar as carnes do primeiro bispo do nosso país, D. Pero Fernandes Sardinha.

A velha cabocla falou em primeiro lugar e com brevidade:

— Iaiá, ele vai longe; vai ser grande coisa.

Disse isto, após ter feito algumas gatimonhas, caretas e cuspinhar nos quatro cantos do aposento, que ainda rescendia a alfazema.

Seguiu-se à velha índia, a não menos velha Maria Ângela, uma preta da raça catrinta, rainha do terreiro e respeitada por toda aquela redondeza, pelo poder de seus bruxedos e feitiços.

Era aparecer alguém com moléstia tenaz, queixar-se de atrasos de vida ou desgraças domésticas, todos aconselhavam a una você:

— Isto, D. Dadá – por exemplo – é “uma coisa feita”.  Não há que ver!  Porque a senhora não procura a tia Maria Ângela, para cortar?

Sendo assim famosa e respeitada, indo ler o horóscopo do infante Felismino, esperava ser a primeira ouvida.  Não o foi, porém; agastou-se. Contudo, não deixou cair o seu despeito.

Quando chegou a sua vez de deitar o vaticínio, preliminarmente fez uns passos de jongo, em melopeia horrível e profética:

— Sim, menino, meu anjinho: vancê será grande coisa… Mamãe é bem boa… Eu não corta... Mas vancê não será feliz naquilo que vancê e os seus quisé.

A mãe não se conteve e perguntou:

— Em que será então?

A velha negra não teve tempo de responder.

Pai Luís, um velho preto congo, também entendido nessas coisas transcendentes de adivinhar o futuro dos outros, e que viera prognosticar a vida a vir de Felismino, apressou-se, um tanto amuado, em afirmar:

— Eu não gunguria ningror; não qué botá biongo nem mangá; mas eu diz que criança sê macota no que ele não sabe.

Chaves fez-se rapazola e foi matriculado na escola militar do Ceará, porque em criança andava de chapéu armado, feito com jornal, tendo uma espada de bambu na cinta e corria pela chácara paterna, montado num cabo de vassoura. Era um bom augúrio para uma bela carreira militar…

Não acabou o curso e foi desligado por falta de pontos. Terminou mal ou bem, aos tombos os preparatórios, e foi mandado estudar medicina, na Bahia.  Foi logo reprovado em Botânica e Zoologia, no primeiro ano.  Tomou então a resolução de estudar direito. Formou-se afinal. Fez-se promotor, juiz, ganhou influência na comarca. Guindaram-no a deputado. Ele viveu, na Câmara Federal, calado e, por isso mesmo, logo foi feito senador pelo seu estado natal.

Veio a governar a República o Imperador Pechisbeque. Um belo dia, sem saber como, Felismino Felicíssimo Chaves da Costa deitou-se senador e levantou-se da cama ministro do estado dos negócios da Marinha.

Todos os horóscopos dos feiticeiros de sua terra se haviam cumprido exatamente.

15-12-1920

Em: A Nova Califórnia e outros contos, Lima Barreto, seleção e apresentação de Flávio Moreira da Costa, Rio de Janeiro, Revan: 1994.





Ainda bem que só falamos o Português!

8 12 2011

Construção da Torre de Babel, 1260

Iluminura da Bíblia Morgan

[também conhecida como Bíblia Maciejowski]

Pierpoint Morgan Library, Nova York

Pouco damos valor a uma das coisas que mais nos distingue: somos um país de dimensões continentais, que fala uma única língua.  Só um outro país de dimensões continentais tem essa vantagem: os Estados Unidos.  Nem o Canadá, nem a Rússia, nem a China, nem a Índia…. Talvez essa tenha sido uma das melhores e maiores heranças que os portugueses nos deixaram.  Falamos a 6ª língua mais falada do mundo.  O português é uma língua romana, bem estruturada, complexa como todas as línguas romanas, uma língua falada em quatro cantos do mundo.  A vantagem que não percebemos no nosso dia a dia é que nos comunicamos de norte a sul,  sem qualquer problema, com variações regionais mínimas, e que essa herança cultural é uma das partes mais importantes que nos une.   As línguas formam a maneira como pensamos.  Elas refletem as nossas prioridades e os nossos valores.

Esse assunto me veio à mente, hoje, quando li sobre o desenlace da guerra das línguas, na Bélgica, que deixou aquele país por 535 dias (quase dois anos!) sem governo, para finalmente eleger um primeiro-ministro francófono [que fala francês], o primeiro líder francófono em 30 anos.

Aí é que começamos a pensar na nossa sorte, porque a Bélgica tem só 30.528 km2 quadrados e 3 línguas!  Imaginemos, uma área um pouco maior do que o estado de Alagoas, mas menor do que o estado do Espírito Santo, com uma população de 10.7 milhões de habitantes [menos gente que a cidade de São Paulo].  Todos têm a mesma nacionalidade, são obrigados a obedecer às mesmas leis, cantam o mesmo hino nacional, lutam nas guerras lado a lado, mas não se entendem,  não se unem, por causa da barreira linguística [economia, religião e geografia também entram na lista das barreiras].  Mas consideremos só as línguas, — que é a maneira como eles definem o problema — são três delas: francês, flamengo e alemão.  Para ilustrar as dificuldades dessa barreira, vamos usar o exemplo do primeiro-ministro eleito, empossado anteontem pelo rei da Bélgica, Alberto II.  Elio Di Rupo, cuja língua materna é o francês, fala fluentemente o italiano e o inglês, mas comete muitos erros — que ferem os ouvidos de seus outros conterrâneos  — quando se esforça para falar o flamengo.  Pelo menos os erros gramaticais dos nossos políticos não são um reflexo de divisões culturais no país.  Eles só refletem o que os políticos não andam fazendo pela educação.





A África de Richard Dowden.

18 09 2008

No início de Setembro chegou às livrarias da Inglaterra e dos Estados Unidos o livro África de Richard Dowden.  Para quem vem acompanhando as aventuras que parecem quase sempre incompreensíveis das diversas democracias, guerras e extermínios no continente africano, este livro é esperado com grande ansiedade.  Isto porque Richard Dowden passou 30 anos viajando e morando no continente.  Começou como professor em Uganda, na época de Idi Amim até tornar-se diretor da Royal Africa Society em 2003.

 

 

O livro África pretende responder àquelas questões que não querem calar, entre outras:  Por que o desenvolvimento dos países africanos parece tão vagaroso?  Será o sistema democrático como o imaginamos nos países ocidentais o melhor sistema para as diversas sociedades africanas?

 

Este livro, que ainda não sei se terá tradução para o português vem com um prefácio de Chinua Achebe, o grande escritor nigeriano, que recebeu o prêmio Man Booker da Grã-Bretanha em 2007 e cujas traduções de seus livros para o português deve-se a Portugal, por vergonhosa falta de interesse tanto de editoras como de leitores no Brasil.  Em Portugal encontramos: A Flecha de Deus e Tudo se desmorona.   Em sua apresentação Chinua Achebe,  que além de escritor e poeta foi diplomata do seu país, esclarece que: não haveria melhor pessoa para interpretar a complexidade das sociedades africanas do que Richard Dowden.

 

Richard Dowden

Autor: Richard Dowden

Vamos esperar e ver se seu livro chegará a ser traduzido no Brasil.  Com freqüência nós brasileiros reclamamos que em outros países,  muitas vezes melhor educados e em melhor situação econômica que a nossa, que as pessoas nestes locais não se interessam pelas coisas brasileiras, que não sabem que Buenos Aires não é a nossa capital ou que Evo Morales não é o nosso presidente [O jornal The Boston Globe, no início deste mês cometeu este erro].  Mas a verdade é que sofremos do mesmo complexo de superioridade sobre o continente africano.  Pergunte-se:  você sabe o que está acontecendo naquele continente que representa o espaço de muitos dos nossos ancestrais?  Provavelmente a sua resposta será não.   Temos que deixar de sofrer desta mania de “pobrezinhos” em relação aos grandes e ignorar aqueles que ainda não chegaram ao nosso nível de desenvolvimento.  Uma das maneiras de se fazer isso é aprendendo sobre a África e tenho certeza de que ler o livro de Richard Dowden será um excelente começo!





EUA: economia fraca, bibliotecas públicas em alta.

2 09 2008

 

Hoje o Jornal O GLOBO, publicou na sua coluna Negócios e Cia, editado por Flávia Oliveira,

Biblioteca Municipal, Ilustração Walt Disney.

Biblioteca Municipal, Ilustração Walt Disney.

que as bibliotecas nos EUA estão com grande movimento desde que a economia do país

começou a enfraquecer.   Na verdade, desde o início de 2008 que o uso de bibliotecas públicas nos EUA tem aumentado sistematicamente.  Em Massachusetts, não são só as bibliotecas apresentam maior movimentação.  Há também um maior número de pessoas freqüentando museus.  Programas para crianças em museus e bibliotecas tem tido participação contínua e o uso da internet — que nas bibliotecas públicas americanas é gratuito e de acesso rápido, sendo cada pessoa limitada de 30 minutos a 60 minutos, dependendo do local – está batendo recordes.   

 

 

 

De acordo com Terry Date, jornalista do Eagle Tribune  que entrevistou Eleanor Strang,  diretora da Kelley Library da cidade de Salem, uma cidade com 42.000 pessoas, disse que um dos primeiros sinais de que a economia está fazendo as pessoas cortarem gastos em geral é visto no maior movimento nas bibliotecas públicas.   Até mesmo quem está à procura de trabalho vai à biblioteca para procurar pela internet e colocar seu currículo nas mãos de possíveis empregadores.  Isto porque em geral, desemprego significa corte no serviço rápido da internet.  Assim todos procuram fazer uso do mesmo serviço nas bibliotecas públicas.    Na Kelley Library em Salem, há nove computadores permanentemente ligados com acesso rápido.  O número de usuários subiu mais de 10% no ano.  De 6.341 para 7.041 usuários.  Ou seja, quase 15% da população urbana.

 

O empréstimo de livros e de CDs aumentou 11% em 2007 de 9.618 para 10.642.  Enquanto que o empréstimo de livros através de outras bibliotecas [inter-library loan] subiu mais de 24%.   Crianças visitando a biblioteca para ouvirem contadores de histórias aumentou em 15% e os passes para museus aumentaram em 2% em 2007.

Com o aumento de usuários,  as bibliotecas municipais nos EUA já movimentam seus pedidos aos diretores para aumento também nos gastos com acervo e computadores.   Em Derry, New Hampshire, população: 22.500 pessoas, já houve um aumentou significativo na sua freqüência na bibliboteca municipal e seu Diretor Assistente, Jack Robillard,  providenciou pedido ao comitê municipal da diretoria que aumentassem a capacidade de computadores, para ajudar a quem procura por emprego.  

A história de aumento do uso das bibliotecas públicas americanas atravessa cidades grandes e pequenas e tem aumentado o numero de empregos para bibliotecários, através do país.   A biblioteca pública de Mobile, Alabama, ao sul dos EUA, está agora com uma circulação de 1.800.000 (isso mesmo um milhão e oitocentos mil ) livros, deixando para trás seus tradicionais, 1.200.000 livros emprestados ao ano.  

Na Califórnia, a biblioteca Central de Pasadena, (população 150.000) que em geral tem uma visita mensal de 55.000 pessoas,  só este ano já registrou mais de 60.000 consultas por mês.

 

NOTA

Aqui fica o exemplo e o desafio aos nossos governos municipais.  Principalmente agora, há meses das eleições.  Qual é o plano que o seu vereador, que o seu prefeito, que o seu governador tem para a leitura e o uso das bibliotecas públicas.  Não vote em quem não faz. 





Notas de um diário de 1932 — Gessner Pompílio Pompêo de Barros

11 07 2008

11 de julho de 1932

 

São Paulo propala pela imprensa, contar com o apoio de Minas e do Rio Grande.  Consta mesmo que havia um pacto recente entre os três estados: os três pegariam em armas se o governo federal removesse o Gal. Andrade Neves do Rio Grande, o Gal. Klinger de Mato Grosso ou se tocasse no novo secretariado paulista.  À vista deste pacto, com seu célebre ofício ao Ministro da Guerra Gal. Espírito Santo, — as iras do Catete, sendo, ato contínuo, aposentado administrativamente de maneira que, a ser verdade o pacto existente, o Gal. Klinger fez papel de garoto que, sabendo que dois outros maiores o defendiam, provocou um terceiro.

 

                                                           ♦♦♦♦♦

 

O movimento deflagrado na capital paulista contaminou em 24 horas todo o estado e encheu de entusiasmo todos os habitantes de São Paulo.

 

Transcrição do Diário de Gessner Pompílio Pompêo de Barros (MT 1896 – RJ 1960), Itapetininga, SP,  páginas 126-127, em referência à Revolução Constitucionalista de 1932.

 

Soldados da Revolução Constitucionalista de 1932, do site da Cl�nica Oftalmol�ca do Hospital das Cl�nicas de São Paulo

Soldados da Revolução Constitucionalista de 1932, do portal da Clínica Oftalmologíca do Hospital das Clínicas de São Paulo





Diário de meu avô, Itapetininga, 10/7/1932

10 07 2008

 

Uma historiadora da arte, como eu, é como diz o nome, primeiro uma historiadora.  Assim, depois que minha mãe faleceu, fui eu quem ficou com o diário de meu avô materno, com algumas entradas interessantes sobre a revolução de 1932.

 

Naquela época,  meu avô morava em Itapetininga, no estado de São Paulo.  Era diretor  dos Correios e Telégrafos da cidade e de acordo com minha mãe, que morou lá até os onze anos de idade, moravam na própria casa dos Correios: um sobrado em que embaixo ficava a agência e a casa deles em cima.  Vovô era um advogado formado pela Universidade do Brasil e em 1932 já trabalhava há alguns anos nos Correios e Telégrafos.  Tanto que suas três filhas, cujas idades se ajuntam no período de 4 anos, de 1925 a 1928, nasceram em cidades e estados diferentes do Brasil.  A primeira, minha mãe, Yonne, nasceu no Rio de Janeiro, sua irmã do meio, Yedda, nasceu em Itararé em São Paulo e a caçula, Neyde, nasceu em Araxá, MG.  E em 1932, meus avós se encontravam em Itapetininga. 

 

Não é surpresa meu avô ter feito um diário.  Era um homem de letras.  Mais tarde, nos anos 50 já estabelecido há anos no Rio de Janeiro, foi colunista semanal de um vespertino carioca.

 

Como sempre tive interesse na história do Brasil, fiquei muito emocionada ao encontrar passagens no seu diário que refletem a revolução de 1932.   No dia 9 de julho, propriamente dito, não há nenhuma anotação.   Mas no dia seguinte:

 

10 de julho 932

 

Rebentou ontem em São Paulo uma revolução com caráter constitucionalista.  Este movimento já hoje se alastrou por todo o Estado de São Paulo… Fala-se que São Paulo pegou em armas para restaurar o império da Lei no país.  Analisando-se este acontecimento sem paixão nem parti pris parece ser pequeno o móvel da revolução, porque já o governo federal havia marcado o prazo para a constituinte. 

 

Meu avô chamava-se Gessner Pompílio Pompêo de Barros (MT – 1896 – RJ 1960)

 

 

Esta é a minha pequena homenagem aqueles que lutaram na Revolução de 32.

10 de julho de 1932, página do diário de Gessner Pomp�lio Pompêo de Barros, Itapetininga, SP

10 de julho de 1932, página do diário de Gessner Pompílio Pompêo de Barros, Itapetininga, SP





O cachorrinho REBELDE, pivô de protestos extremistas?

7 07 2008

Hoje passei um pouquinho de tempo procurando informações sobre a população muçulmana no Brasil.  É difícil achar números concretos.  De acordo com o governo brasileiro, o censo de 2000 encontrou 27.239 seguidores de Alá.   Para os muçulmanos brasileiros estes números são muito baixos, muito aquém do 1.500.000 [um milhão e meio] de muçulmanos, mantido pela Federação Islâmica Brasileira.  
Ai que sono!

Ai que sono!

 

Mas de qualquer forma, com a população brasileira em volta dos 200.000.000  [duzentos milhões]  a proporção de muçulmanos no Brasil não chega a 1%.  Isto nos deixa bastante acomodados quando vemos tumultos na Europa entre muçulmanos e não-muçulmanos, quer seja na Alemanha, Rússia, França ou Inglaterra.  Por temperamento nós brasileiros somos bastante acomodados.  E não esquentamos muito nossas cabeças com diferenças de crença.  Todo mundo aqui é da PAZ.  Mas acredito que temos que nos conscientizar sobre alguns problemas que andam pululando na Europa e que levam a atitudes difíceis de entender.  

 

Este preâmbulo é simplesmente para colocar em contexto o porquê da minha atenção a um caso pequenino na Escócia que manteve os jornais britânicos com repetidas manchetes, nesta primeira semana de julho.  À primeira vista, tudo parece se desenvolver numa realidade paralela.  Se não, vejamos:

 

A polícia da cidade de Dundee na Escócia queria popularizar um novo número de telefone para casos que não fossem de emergência.   Mandou imprimir um cartão postal, reproduzido aqui abaixo, em que um cachorrinho de seis meses de idade, um filhote de pastor alemão, batizado de REBELDE numa visita que a polícia levou o mascote à uma escola local para as crianças escolherem seu nome,  aparece sentado sobre um quepe policial, ao  lado de um bem tradicional telefone amarelo.  Este postal foi  mandado pelos Correios para todas as residências da cidade.  REBELDE imediatamente se tornou um líder de atenção no site da polícia na internet.  A cidade de   Dundee, quarta maior cidade da Escócia, não é muito grande.  Tem uma população de aproximadamente 150.000 pessoas dentro dos limites da cidade e mais 380.000 no condado de Tayside. 

 

 

Cartão postal da Pol�cia de Tayside, Escócia.

Cartão postal da Polícia de Tayside, Escócia.

 

Qual não foi a surpresa da polícia de Tayside ao se saber o centro de uma grande controvérsia por causa deste postal.  Os muçulmanos de Dundee, estão para a população local mais ou menos na mesma proporção que os cidadãos brasileiros seguidores de Alá estão para a população brasileira não islâmica.  Ou seja, aproximadamente 7.500 pessoas ou 0,5% da população local.  Eles podem ser uma minoria mas se formos seguir o que os jornais nos contam conseguiram fazer muito barulho, rejeitando o cartão postal anunciando o novo telefone.  No final da semana, a polícia de Dundee se retratou publicamente perante a população.

 

Antes de se pensar em: por quê?  É importante lembrar em que país isto acontece.  Em que canto do mundo há esta revolta contra a imagem de um cachorrinho?  Onde mesmo este evento está sendo levado tão a sério?   A Escócia.

 

Cachorrinho Feliz!

Cachorrinho Feliz!

 

 

 

 

Já morei num país de maioria muçulmana.  Confesso, no entanto, que minha estadia na Argélia, não me ensinou que cachorros são animais impuros e nunca tive a sensação ou a indicação de que os muçulmanos que conheci detestavam cachorros.  E nem que  a imagem deles não poderia entrar em suas casas.   Estou surpresa.   Muito surpresa!  Mas, reconheço que são muitas as proibições corânicas e, mais importante ainda,  que nem todos os muçulmanos são iguais.  Para citar um exemplo: a família saudita Wahabi tem criação dos cachorros Saluki ou Galgo Persa, que não só estão entre os mais antigos cachorros do mundo — a raça parece ter aproximadamente 7.000 anos — mas há 2.500 anos fazem parte da vida diária dos beduínos, que também o conhecem como uma “dádiva de Alá”.

 

Ao que tudo indica a consideração de que cachorros são impuros é uma novidade para os jornais britânicos que sem mencionarem em maior detalhe as restrições aos animais impostas pelo Corão, acreditam que tanto os muçulmanos Suni quanto os Xiita consideram o cachorro um animal impuro e obedecem cegamente às seguintes regras:

 

 a)      Um cão pode ser usado para a caça.  É importante lembrar que para os muçulmanos a caça só é válida para ser consumida.  A caça pelo prazer da caça não é permitida pelo Corão assim como não é permitido matar, abusar ou retirar qualquer animal de seu habitat. 

 

b)       Um cão pode ser treinado como cão-guia.  Uma pessoa cega,  por exemplo, depende de um cachorro para a sobrevivência.  É recomendado que o animal durma fora de casa.

 

c)      Um cão pode ser usado para serviços policiais.

 

d)     Um cão pode ser usado como cão-guarda, protetor de casa e propriedade.

 

e)      Um cão pode ser usado por pastores para manter o gado restrito.

 

 Mas um cão não pode ser um animal de estimação, porque não é um animal limpo.  Esta restrição é baseada no fato de cães serem animais que se lambem, que colocam suas bocas em qualquer lugar.  Porque a maior proibição está ligada à saliva destes animais.

 

No Corão, Maomé foi explicito quanto à proibição de contato com a saliva dos cães.  Caso um muçulmano venha a ter contato com esta saliva, é importante que o lugar do corpo afetado seja lavado sete vezes, a primeira das quais deve ser com areia ou terra.  Nos dias de hoje é possível substituir a primeira lavagem por sabão antibactericida.  Ou seja, não se pode manter um cãozinho dentro de casa como um animal de estimação.   Mas ainda há um elemento de irrealidade nesta confusão toda, pelo menos na repercussão nos jornais.

 

Não me cabe debater ou interpretar leis religiosas de quem quer que seja.   Mas com as restrições acima mencionadas – que reconheço estarem simplificadas – fica a dúvida: o que queria esta população muçulmana na Grã-Bretanha?  O que esperava atingir?  Por que fazer este protesto? 

 

Os muçulmanos na Grã-Bretanha são em grande parte imigrantes das antigas colônias britânicas.  Estas famílias poderiam até ser recém-chegadas – o que não é o caso —  mas, já saberiam as diretrizes culturais da Escócia antes de se estabelecerem lá.  Sabem que por lá o cachorro é considerado “o melhor amigo do homem”.  Seria muita ingenuidade imaginar que estivessem tentando mudar a sociedade em que vivem.  Ou, ainda mais mirabolante, convertê-la ao islamismo. 

 

Alguns comentaristas britânicos acreditam que é simplesmente uma demonstração de poder de uma minoria que se diz cada vez mais sem voz, sem presença na sociedade.  Sendo constantemente apontada como suspeita de provável crime de terrorismo só por seguir a religião de Maomé.   Mas a maioria dos muçulmanos em Dundee é de comerciantes, donos de pequenos negócios, vindos do Paquistão e de Bengladesh.  Estes povos são conhecidos por não gostarem de cachorros.  Até certo ponto têm justa causa, dadas as condições sanitárias existentes no interior destes países.  

 

Então temos que considerar se este noticiário não faz parte do estado emocional do povo britânico que parece encontrar em qualquer imigrante o perigo do terrorismo.  Há também a necessidade que cada cidadão parece sentir de dar a sua contribuição para a solução do terrorismo no país e no mundo.  Isto tudo adicionado a um verão sem grandes eventos e à necessidade de manchetes que vendam jornais: temos as condições ideais para súbito histerismo cultural.  

 

Porque, à medida que lemos o noticiário, tudo o que parece ter sido feito foi a simples recusa dos comerciantes muçulmanos de colocarem os cartões avisando do novo número da polícia à mostra para sua clientela.  E daí, que eles se recusem a mostrar o postal com o cachorrinho?  Qual é o problema?  Como diz Paul Jackson no seu blogue BLOVIATOR, estes comerciantes são donos de seus armazéns, podem colocar ou não nas paredes o que quiserem.  

 

Cachorrinho faminto.  Ilustração de Paula Becker.

Cachorrinho faminto. Ilustração de Paula Becker.

 

 

 

 

A polícia por sua vez já pediu desculpas, o que provavelmente não teria feito caso os jornais não tivessem aumentado fora de proporções o “ultraje” muçulmano.

 

Na verdade há noticias de que muitos muçulmanos de Dundee só ficaram sabendo da rejeição ao postal da polícia, através dos jornais.  E estão tão chocados com este caso quanto outros cidadãos britânicos não-muçulmanos.  Então, por que exagerar a importância do protesto dos poucos muçulmanos que se recusaram a expor a foto de REBELDE aos seus clientes?

 

A conseqüência desta semana de disparates sobre o cãozinho REBELDE será maior distanciamento dos muçulmanos.  Suas crianças certamente enfrentarão problemas nas escolas publicas.  Mais vizinhos desconfiarão de seus vizinhos com sotaques estrangeiros.  A imprensa só conseguiu exacerbar a polarização racial e religiosa na Escócia.  Todos perdem.