Como o homem perdeu a juventude eterna, lenda Africana

4 09 2014

 

 

emery-franklin, positive thinking, ost,Pensamento Positivo, 2010

Emery Franklin (EUA, contemporâneo)

óleo sobre tela

 

 

Como o homem perdeu a juventude eterna

 

O deus Rwan* havia decretado que o homem deveria mudar de pele como a cobra e virar jovem quando chegasse a uma idade avançada. “Mas ninguém do seu povo pode vê-lo quando você deixar a pele para trás, você precisa estar sozinho neste momento. E se seu filho ou neto o vir, naquele mesmo instante você morrerá e não será salvo de novo.

Quando o homem mais velho se tornou um ancião, soube que a hora havia chegado para trocar de pele, e mandou que sua neta lhe trouxesse água em uma cabaça, no fundo da qual ele havia feito muitos pequenos furos, para que ela se visse forçada a ficar bastante tempo longe dali. Mas, ela tapou os buracos, e retornou logo depois, surpreendendo-o no meio da troca de pele. Nesse momento ele gritou: “Eu morri, vocês todos morrerão, eu morri, vocês todos irão morrer. Isso porque você, minha neta, entrou aqui quando eu jogava fora a minha pele. Serei castigado, você também!”

Depois disso o povo levou a jovem para a floresta. Mais tarde ela se casou e teve filhos. Estes são os babuínos e os macacos, gorilas e os macacos Colobus; e os babuínos e seus semelhantes são por isso chamados “Povo da Floresta” ou “Filhos da maldição“.

*****

[Djaga, Kilimanjaro]

Djaga.8

 

* Também conhecido como Ruwa.

 

 

 

Em: African Myths and Tales, Susan Feldmann,  Nova York, Dell: 1970, p.120.

[Tradução minha]





A guerra das mulheres — lenda Ioruba

13 02 2012

Homem Ioruba em trajes tradicionais.

A guerra das mulheres

Nos velhos tempos, na cidade de Ilesa, antes das guerras entre os reinos, havia mulheres governantes assim como homens.  Uma geração se sucedia a outra em paz.  Às vezes as mulheres reinavam, às vezes os homens.  Até que houve uma governante em Ilesa, chamada Aderemi.

Um dia, durante o seu governo, um exército de guerreiros de outro reino, tentou invadir Ilesa.  Essa era a primeira vez que a cidade tinha que se defender para sobreviver.  Por isso mesmo não havia procedimentos a serem seguidos para proteger a cidade.  Não havia tradição.  Ninguém podia dizer: “Oba Tal lutou dessa maneira”, ou “Oba Fulano-de-Tal lutou daquela maneira”.  Aderemi juntou seus conselheiros. Alguns eram homens e alguns eram mulheres.  Eles confabularam.   Arguiram sobre a melhor maneira de se livrarem dos inimigos.  Os conselheiros homens disseram que os guerreiros homens deveriam se munir de lanças e escudos, cajados, arcos e flechas e ir à luta.  Mas as conselheiras tinham outras ideias e sugeriram que as melhores armas seriam os pilões, longos com que batiam nos grãos para preparar a comida.  Elas também favoreciam o uso de ovos, porque estes continham o poder de neutralizar os poderes dos inimigos, e assim, ovos deveriam ser usados.  A discussão entre os conselheiros foi esquentada, mas finalmente Aderemi declarou que as conselheiras haviam ganho.

Os conselheiros homens perguntaram: “Que guerreiro vai para o campo de batalha munido de pilão e ovos?

Aderemi respondeu indignada, “ Muito bem, então os homens ficam na cidade e fazem as tarefas daqui.  Enquanto isso as mulheres vão defender Ilesa.

Ela mandou as mulheres pegarem as armas e se prepararem para a luta.  Elas tiraram seus longos pilões das cumbucas, apertaram as roupas e se pintaram seus rostos para guerra.  Cada mulher segurou um ovo na mão esquerda e juntas foram para frente da casa de Aderemi.

A líder lembrou-as que deveriam ter coragem dizendo: “Vão e encontrem o inimigo. Joguem os ovos na frente deles para combater seus poderes. Ataquem e faça com que eles fujam, sem piedade para o lugar de onde vieram, para que eles nunca voltem a atacar a cidade de Ilesa.”

No entanto, os homens continuaram a reclamar dizendo, “não é assim que se faz isso.”

Aderemi respondeu ríspida, “guardem para si, os seus conselhos.”

As guerreiras saíram com os pilões nas mãos direitas e os ovos nas esquerdas. Acharam o inimigo.  Os inimigos riram quando viram as guerreiras vindo com pilões e ovos para defender Ilesa.  E gritaram, “não há homens nessa cidade?  Voltem.  Não viemos à procura de esposas, essas nós já temos em casa.”

As mulheres de Ilesa ouviram o insulto e jogaram seus ovos em direção aos invasores dizendo, “assim como os seus poderes se tornam estéreis, também vocês ficarão sem poderes.”  E elas correram a atacar com seus pilões.  Mas os inimigos se protegeram com os escudos, e lutaram de volta com cajados, lanças, arcos e flechas.  Muitas mulheres de Ilesa morreram no campo de batalha.  As outras deram para trás.  Daí, os inimigos atacaram e as mulheres fugiram para a cidade.  Chegando lá,  elas entraram em casa e se desfizeram dos pilões.

Os homens de Ilesa viram tudo o que aconteceu.  Foram até Aderemi e disseram, “isso é demais para você. Nos tempos de paz você reinou bem.  Mas agora, que a guerra veio, você tentou moer o inimigo como se fosse milho puro e simples.  Essa é a natureza das mulheres.  Assim, não podemos mais ter uma governante mulher em Ilesa.  Daqui por diante, Ilesa deve ter um chefe guerreiro como governante.” Os homens se reuniram em um conselho e selecionaram um homem para ser Oba da cidade e das terras à sua volta.

Sob orientação do novo Oba, os homens munidos de lanças, escudos, facas, cajados e arcos e flechas, saíram da cidade cantando seus gritos de guerra, e atacaram o inimigo.  Fizeram-no voltar atrás, eliminando o inimigo de sua terra.  Os inimigos ficaram confusos e se desorganizaram.  A batalha continuou até que o único inimigo à vista eram os corpos caídos no chão.  Depois disso, os guerreiros Ilesa foram para casa.  Disseram, “foi feito.”

Os  guerreiros voltaram a dizer que daí por diante Ilesa só teria homens como governantes.  Disseram, “Obatala fez todos humanos e os amou igualmente.  No entanto, cada pessoa tem habilidades para coisas específicas.  Mulheres têm autoridade sobre pilões e ovos.  Essa é a natureza delas.  Os homens são bons para  defenderem suas casas.  Vamos respeitar as nossas diferenças.”

Desde então só homens governaram Ilesa e só eles entram em guerra enfrentando inimigos.

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Tradução e adaptação: Ladyce West

Em: Tales of Yoruba Gods and Heroes: myths, legends and heroic tales of the Yoruba people of West Africa, Harold Courtlander, New York, Fawcett Premier Book: 1974.





A natureza do morcego, conto africano

28 12 2011

Ilustração anônima.

A natureza do morcego

Era uma vez um reino onde os animais mamíferos e os pássaros entraram em guerra.  Nessa ocasião, abriu-se um grande debate sobre em que grupo o morcego deveria lutar, já que ele, um grande esperto, teimava em se manter afastado de ambos os lados.

Vencendo a guerra, os pássaros mantiveram o poder sobre os mamíferos, por quarenta anos seguidos.  Observando esse poderio das aves, o  morcego  juntou-se a elas, desfrutando o que lhe cabia dos benefícios de pertencer aos dominadores.

Mas um dia, o leão e o tigre, desesperados por reverter aquela situação insuportável, decidiram que algumas novas medidas teriam que ser tomadas para trazer paz ao reino.  As coisas não podiam continuar como estavam.  Mas essa decisão foi plenamente ignorada por todos os animais que já acreditavam que a sorte estava lançada.  Assim, as hostilidades entre pássaros e animais recomeçaram, sem dar trégua.

Na discussão que se seguiu,  os animais resolveram espionar os movimentos do morcego, pois perceberam que ele permanecia neutro, sem escolher qualquer lado.  Os animais pediram à raposa que prendesse o morcego e o trouxesse para inquérito junto aos líderes dos animais.  O morcego foi condenado por pretender ser leal a ambos os lados, e os animais exigiram uma explicação.  O morcego disse que havia seguido o conselho de sua esposa que o havia convencido a ficar pronto para aderir a qualquer um dos lados que vencesse, com a intenção de receber recompensa do lado vencedor.

O morcego foi severamente repreendido, considerado desleal e por isso acabou na prisão esperando julgamento ao final da guerra.  Por dez longos anos ele permaneceu encarcerado, até que a guerra acabou.  As aves haviam sido derrotadas.

Com a chegada do dia do julgamento, o morcego, achando que o caso era muito complicado para se defender por conta própria, decidiu contratar um esperto advogado para sua defesa, que argüiu que seu cliente tinha pleno direito de se alinhar com qualquer um dos lados, de acordo com sua vontade. Sua opinião estava baseada na anatomia do morcego.   Não era uma pássaro apesar de ter asas e ser capaz de voar.  No entanto, insistiu que quando o morcego estava no ar não invadia o território de ninguém.  Tinham de admitir que voar era o seu elemento.   Por outro lado, coberto por pelo, o morcego tinha dentes e grandes orelhas que nenhum pássaro apresentava. Levando tudo isso em consideração não parecia haver dúvidas: o morcego tinha qualidades que o permitiam ser considerado tanto um animal mamífero quanto um pássaro ou ambos. E estava, assim, livre para se juntar a qualquer um dos grupos do reino.

Tradução e adaptação: Ladyce West

Em:  African Myths and Tales, Susan Feldmann, Nova York, Dell Publishing Company: 1963

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Encontrei uma versão semelhante a esse conto folclórico no portal do professor do MEC.  Lá o conto de Rogério Andrade Barbosa, chamado de “Por que será que o morcego só voa de noite?” tem um outro final, mas os pontos de semelhança são muitos, vale a pena checar, inclusive porque há mais diálogos e parece mais “contável” para pequenos leitores, ainda que a conclusão final seja bastante diferente.