Mônica bata à porta de Cascão, ilustração Maurício de Sousa.
Bidu aposta no futuro, © Maurício Sousa
Cascão e Jeremias, ©Maurício de Sousa.
Zé da Roça tira uma soneca na sombra de uma árvore. © Estúdios Maurício de Sousa
Monteiro Lobato
Américo Pisca-Pisca tinha o hábito de por defeito em todas as coisas. O mundo para ele estava errado e a Natureza só fazia asneiras.
— Asneiras, Américo?
— Pois então?!… Aqui mesmo, neste pomar, você tem a prova disso. Ali está uma jabuticabeira enorme sustendo frutas pequeninas, e lá adiante vejo uma colossal abóbora presa ao caule duma planta rasteira. Não era lógico que fosse justamente o contrário? Se as coisas tivessem que ser reorganizadas por mim, eu trocaria as bolas, passando as jabuticabas para a aboboreira e as abóboras para a jabuticabeira. Não tenho razão?
Assim discorrendo, Américo provou que tudo estava errado e só ele era capaz de dispor com inteligência o mundo.
— Mas o melhor – concluiu, é não pensar nisto e tirar uma soneca à sombra destas árvores, não acha?
E Pisca-pisca, pisca piscando que não acabava mais, estirou-se de papo para cima à sombra da jabuticabeira.
Dormiu. Dormiu e sonhou. Sonhou com o mundo novo, reformado inteirinho pelas suas mãos. Uma beleza!
De repente, no melhor da festa, plaf! Uma jabuticaba cai do galho e lhe acerta em cheio o nariz.
Américo desperta de um pulo; pisca, pisca; medita sobre o caso e reconhece, afinal, que o mundo não era tão mal feito assim.
E segue para casa refletindo:
— Que espiga! … Pois não é que se o mundo fosse arrumado por mim a primeira vítima teria sido eu? Eu, Américo Pisca-pisca, morto pela abóbora por mim posta do lugar da jabuticaba? Hum! Deixemo-nos de reformas. Fique tudo como está, que está tudo muito bem.
E Pisca-pisca continuou a piscar pela vida em fora, mas já sem a cisma de corrigir a Natureza.
Em: Fábulas, Monteiro Lobato, São Paulo, Brasiliense:1966, 20ª edição, pp.19-20.
Cremilda recebe flores, ilustração de Maurício de Sousa.
Ladyce West
Louro. Natural.
E daí?
Não nega a origem
Brasileira
Portuguesa
Celta
Escocesa, irlandesa
Dos antepassados.
Meu cabelo crespo
Pixaim, Judeu
Cristão-Novo,
Que começa a manhã
Arrepiado,
Rebelde, espantado
É só uma herança,
Bonança do passado,
Sobrevivente de guerras,
Da perseguição
Aos católicos,
Aos protestantes.
Da inquisição
E das mãos de Hitler.
Sim, meu cabelo
É louro, pixaim, rebelde,
Europeu,
Brasileiro,
Como eu.
©Ladyce West, Rio de Janeiro, 2014
Passarinho, ilustração de Maurício de Sousa.
Ladyce West
Sabiá
Passarim
Canta por mim
Um canto de saudade
Jobim se foi
Faz vinte anos
Deixou o Jardim,
As amizades e
O som de sua paixão
Nesta cidade.
©Ladyce West, Rio de Janeiro, 2014
Anjo Bom
Martins d’Alvarez
Minha mestra mora aqui
dentro do meu coração.
Foi este anjo bom que, um dia,
vendo que eu nada sabia,
que tudo olhava e não via,
me conduziu pela mão.
Linda fada, com ternura,
pôs-se o mundo a me mostrar:
— a terra, — os espinhos e flores,
— o céu ardendo em fulgores;
— a vida cheia de amores;
— todo o mistério do mar.
Santa, ensinou-me a ser boa,
a ser alegre e feliz:
— a praticar a virtude;
— a cultivar a saúde;
— a enfeitar a juventude
com meus sonhos infantis.
— Minha mestra, minha amiga,
a ti, minha gratidão.
Pelo bem que me tens feito,
terás meu culto e respeito
no templo do amor-perfeito
que guardo no coração.
Vocabulário:
Ternura – carinho
Fulgores – brilhos, clarões
Juventude – mocidade
Mistério – segredo
Encontrado em:
Leituras Infantis, 2° livro, Theobaldo Miranda Santos, Agir: 1962, Rio de Janeiro
José Martins D’Alvarez (CE 1904) Poeta, romancista, jornalista, diplomado em Farmacia e Odontologia, professor, membro da Academia Cearense de Letras.
Obras:
“Choro verde: a ronda das horas verdes”, 1930 (versos).
“Quarta-feira de cinzas”, 1932 (novela).
“Vitral”, 1934 (poemas).
“Morro do moinho” 1937 (romance)
“0 Norte Canta”, 1941 (poesia popular).
“No Mundo da Lua”, 1942 (poesia para crianças).
“Chama infinita, 1949 (poesias)
“O nordeste que o sul não conhece 1953 (ensaio)
“Ritmos e legendas” 1959 (poesias escolhidas)
“Roteiro sentimental: geopolítica do Brasil” 1967 (poesias escolhidas)
“Poesia do cotidiano”, 1977 (poesias)
Outros poemas de Martins d’Alvarez neste blog:
Céu fluminense
Alberto de Oliveira
Chamas-me a ver os céus de outros países,
Também claros, azuis ou de ígneas cores,
Mas não violentos, não abrasadores
Como este, bárbaro e implacável – dizes.
O céu que ofendes e de que maldizes,
Basta-me no entanto; amo-o com os seus fulgores,
Amam-no poetas, amam-no pintores,
Os que vivem do sonho, e os infelizes.
Desde a infância, as mãos postas, ajoelhado,
Rezando ao pé de minha mãe, que o vejo.
Segue-me sempre… E ora da vida ao fim,
Em vindo o último sono, é o meu desejo
Tê-lo sereno assim, todo estrelado,
Ou todo sol, aberto sobre mim.
VOCABULÁRIO para a terceira série primária:
Ígneas – cor de fogo
Bárbaro – primitivo, selvagem
Implacável – violento, rude
Fulgores – brilho, cintilações
Do livro:
Vamos Estudar? Theobaldo Miranda Santos, 3ª série primária, edição especial para o Estado do Rio de Janeiro, 9ª edição, Rio de Janeiro, Agir: 1957.
Alberto de Oliveira, pseudônimo de Antônio Mariano de Oliveira (RJ 1857 — RJ 1937), poeta, professor, farmacêutico, Secretário Estadual de Educação, Membro Honorário da Academia de Ciências de Lisboa e Imortal Fundador da Academia Brasileira de Letras. Em 1924 foi eleito, em pleno Modernismo, o “Príncipe dos Poetas Brasileiros” ocupando o lugar deixado por Olavo Bilac.
Obras:
Canções Românticas. Rio de Janeiro: Gazeta de Notícias, 1878.
Meridionais. Rio de Janeiro: Gazeta de Notícias, 1884.
Sonetos e Poemas. Rio de Janeiro: Moreira Maximino, 1885.
Relatório do Diretor da Instrução do Estado do Rio de Janeiro: Assembléia Legislativa, 1893.
Versos e Rimas. Rio de Janeiro: Etoile du Sud, 1895.
Relatório do Diretor Geral da Instrução Pública: Secretaria dos Negócios do Interior, 1895.
Poesias (edição definitiva). Rio de Janeiro: Garnier, 1900.
Poesias, 2ª série. Rio de Janeiro: Garnier, 1905.
Páginas de Ouro da Poesia Brasileira. Rio de Janeiro: Garnier, 1911.
Poesias, 1ª série (edição melhorada). Rio de Janeiro: Garnier, 1912.
Poesias, 2ª série (segunda edição). Rio de Janeiro: Garnier, 1912.
Poesias, 3ª série Rio de Janeiro: F. Alves, 1913.
Céu, Terra e Mar. Rio de Janeiro: F. Alves, 1914.
O Culto da Forma na Poesia Brasileira. São Paulo: Levi, 1916.
Ramo de Árvore. Rio de Janeiro: Anuário do Brasil, 1922.
Poesias, 4ª série. Rio de Janeiro: F. Alves, 1927.
Os Cem Melhores Sonetos Brasileiros. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1932.
Poesias Escolhidas. Rio de Janeiro: Civ. Bras. 1933.
Póstuma. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 1944.