Travessuras, texto de Maria Ramos

11 02 2013

Pomar, Marie Cramer

Pomar, ilustração de Marie Cramer.

“Uma tarde após haver apanhado muitos figos, resolvemos, minha irmã, eu e as crianças da vizinhança, brincar de visita. Minha casa seria em cima do galinheiro. Como consegui por ali uma cadeira de balanço para receber a visita da comadre Geni Lopes não me recordo. O certo é que no melhor da festa, com todas as visitas sentadas em cima do telhado, e saboreando os figos esplendidos que eu lhes servira na porcelana chinesa da mamãe, o teto desabou. As visitas caíram no galinheiro, por cima dos poleiros, quebrando a louça e destroncando o meu braço, que ficou na tipóia vários dias.

Mas, na falta do pé de araticum que nos servia de mirante, havia as laranjeiras. Uma noite, cantavam salmos na igreja, quando eu pensei em apanhar umas laranjas. Depois de algum tempo, encarapitada no mais alto dos ramos, vi o Sonthia, de quem não gostava muito, deixar a igreja a caminho de casa. Joguei-lhe uma laranja que acertei em cheio. Ele parou, olhando espantado em todas as direções. Quando se voltou, mandei-lhe outra fruta, que se abriu de encontro à sua fatiota branca. O guri pegou sangue. Vociferando veio em direção ao muro. Mandei-lhe outra laranja que se esborrachou no meio da rua. Ele não hesitou: atravessou-a e veio bater na nossa porta. Desci rapidamente e enquanto o atendiam, eu já estava na esquina, olhando as pessoas que saíam da igreja e que, quase todas conhecidas, falavam comigo com muito afeto. Quando mamãe chegou à janela e me viu encostada ao lampião, conversando com a Chiquita, gritou para dentro:

— Veja só! Eu até já estava acreditando no que tu disseste…

Nisto, assomou ao lado de mamãe a cabeça de Sonthia, que me olhou fulo de raiva, insistindo que havia sido eu quem lhe jogara as laranjas. Mamãe despachou o guri, recomendando-lhe que de outra feita não fosse tão precipitado.

Disfarçando a falta de um pé de sapato, entrei em casa e já estava tirando a roupa para dormir quando mamãe deu pela coisa:

–Atirei por aí… Deve estar debaixo da cama.

Pouco depois, bateram à porta era o Sonthia. Tinha um ar triunfal e escondia algo atrás das costas.

— Olha aqui, Dona Mininha, o que eu achei embaixo da laranjeira – diz, mostrando o pé de sapato.”

Em: Banhado em flor, de Maria Ramos, Rio de Janeiro, do autor: 1963 — Introdução de Érico Veríssimo.  Prêmio Júlia Lopes de Almeida, da Academia Brasileira de Letras, 1964. p. 79-80.

Maria Senhoria Ramos nasceu em Cruz Alta, RS em 1910. Memorialista, jornalista e poeta. Radicou-se no Rio de Janeiro.

Obras:

Sol, ainda,  poesia, 1956

O gaúcho e suas tradições, folclore, 1958

Colombia de perto,  viagem, 1962

Banhado em flor, memórias, 1963





O amor materno, texto de Garcia Redondo

5 02 2013

mãe e filho, 1922, John Rae

Mãe e filho no jardim, ilustração de John Rae, 1922.

O Amor Materno

Garcia Redondo

No fundo da chácara, numa touceira de arbustos, um menino encontrou um ninho, onde três avezinhas mal emplumadas dormiam. Contente do seu achado e no desejo inconsciente de se apoderar dele, o menino meteu o braço por entre a trama dos galhos e das folhas e aproximou a mão cobiçosa dos pobres inocentes, que logo ergueram para ele o biquinho e o sussurro duma asa que lhe roçou pelo rosto.  Depois sentiu que essa asa lhe batia nos olhos e que um bico audaz lhe espicaçava o rosto. Tímido, receoso dessa inesperada agressão, retirou o braço e olhou. Era um tico-tico, a mãe da avezinhas no ninho, que defendia a prole, e continuou a atacar o menino, enquanto ele permaneceu junto à touceira de arbustos. Saindo dali, muito admirado da audácia e da coragem  dessa ave minúscula, o menino contou o caso à mãe. E a mãe lhe disse:

— Não há que estranhar, meu filho: essa avezinha faz pelos filhos o que eu faria por ti.

 

[Exemplo de narrativa demonstrativa]

Em: Flor do Lácio, Cleófano Lopes de Oliveira, São Paulo, Saraiva:1964, página 202.





Fábula: A rã e o boi, texto de Monteiro Lobato

2 06 2012

A rã e o boi, ilustração de Bernard Salomon, 1547

A rã e o boi

Monteiro Lobato

Tomavam sol à beira dum brejo uma rã e uma saracura.  Nisto chegou um boi, que vinha para o bebedouro.

— Quer ver — disse a rã — como fico do tamanho deste animal?

— Impossível, rãzinha. Cada qual como Deus o fez.

— Pois olha lá! — retorquiu a rã estufando-se toda. Não estou “quase” igual a ele?

— Capaz!  Falta muito amiga.

A rã estufou-se mais um bocado.

— E agora?

— Longe ainda!…

A rã faz novo esforço.

— E agora?

— Que esperança!…

A rã, concentrando todas as forças, engoliu mais ar e foi-se estufando, estufando, até que PLAF! Rebentou como um balãozinho de elástico.

O boi que tinha acabado de beber lançou um olhar de filósofo sobre a rã moribunda e disse:

Quem nasce para dez réis não chega a vintém.

Em: Fábulas, Monteiro Lobato, São Paulo, Ed. Brasiliense:1966, 20ª edição.

José Bento Monteiro Lobato, (Taubaté, SP, 1882 – 1948).  Escritor, contista; dedicou-se à literatura infantil. Foi um dos fundadores da Companhia Editora Nacional. Chamava-se José Renato Monteiro Lobato e alterou o nome posteriormente para José Bento.

Obras:

A Barca de Gleyre, 1944

A Caçada da Onça, 1924

A ceia dos acusados, 1936

A Chave do Tamanho, 1942

A Correspondência entre Monteiro Lobato e Lima Barreto, 1955

A Epopéia Americana, 1940

A Menina do Narizinho Arrebitado, 1924

Alice no País do Espelho, 1933

América, 1932

Aritmética da Emília, 1935

As caçadas de Pedrinho, 1933

Aventuras de Hans Staden, 1927

Caçada da Onça, 1925

Cidades Mortas, 1919

Contos Leves, 1935

Contos Pesados, 1940

Conversa entre Amigos, 1986

D. Quixote das crianças, 1936

Emília no País da Gramática, 1934

Escândalo do Petróleo, 1936

Fábulas, 1922

Fábulas de Narizinho, 1923

Ferro, 1931

Filosofia da vida, 1937

Formação da mentalidade, 1940

Geografia de Dona Benta, 1935

História da civilização, 1946

História da filosofia, 1935

História da literatura mundial, 1941

História das Invenções, 1935

História do Mundo para crianças, 1933

Histórias de Tia Nastácia, 1937

How Henry Ford is Regarded in Brazil, 1926

Idéias de Jeca Tatu, 1919

Jeca-Tatuzinho, 1925

Lucia, ou a Menina de Narizinho Arrebitado, 1921

Memórias de Emília, 1936

Mister Slang e o Brasil, 1927

Mundo da Lua, 1923

Na Antevéspera, 1933

Narizinho Arrebitado, 1923

Negrinha, 1920

Novas Reinações de Narizinho, 1933

O Choque das Raças ou O Presidente Negro, 1926

O Garimpeiro do Rio das Garças, 1930

O livro da jangal, 1941

O Macaco que Se Fez Homem, 1923

O Marquês de Rabicó, 1922

O Minotauro, 1939

O pequeno César, 1935

O Picapau Amarelo, 1939

O pó de pirlimpimpim, 1931

O Poço do Visconde, 1937

O presidente negro, 1926

O Saci, 1918

Onda Verde, 1923

Os Doze Trabalhos de Hércules,  1944

Os grandes pensadores, 1939

Os Negros, 1924

Prefácios e Entrevistas, 1946

Problema Vital, 1918

Reforma da Natureza, 1941

Reinações de Narizinho, 1931

Serões de Dona Benta,  1937

Urupês, 1918

Viagem ao Céu, 1932

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Esta fábula de Monteiro Lobato é uma das centenas de variações feitas através dos séculos da fábulas de Esopo, escritor grego, que viveu no século VI AC.  Suas fábulas foram reunidas e atribuídas a ele, por Demétrius em 325 AC.  Desde então tornaram-se clássicos da cultura ocidental e muitos escritores como Monteiro Lobato, re-escreveram e ficaram famosos por recriarem estas histórias, o que mostra a universalidade dos textos, das emoções descritas e da moral neles exemplificada.  Entre os mais famosos escritores que recriaram as Fábulas de Esopo estão Fedro e La Fontaine.

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Bernard Salomon — Foi um pintor, desenhista e gravador francês.  Nasceu  por volta de 1508 em Lyon e faleceu próximo a 1561. Foi um grande ilustrador, seus trabalho ulusttrando  Fábulas de Esopo, em 1551; Histórias ilustradas da Bíblia, em 1553, 1555;  Ilustrações do Novo Testamento, em 1556;  Metamorfose de Ovídio, em 1557, tornaram-se padrões para ilustrações posteriores não só na França mas em toda a Europa.





Conto acumulativo folclórico: O Macaco perdeu a banana

7 05 2012

Macaco no balanço com banana, ilustração H.A. Rey.

O Macaco perdeu a banana

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O macaco estava comendo uma banana num galho de pau quando a fruta lhe escorregou da mão e caiu num oco de árvore.  O macaco desceu e pediu que o pau lhe desse a banana:

— Pau me dá a banana!

O pé de pau nem-como-cousa.  O macaco foi ter com o ferreiro e pediu que viesse com o machado cortar o pau.

— Ferreiro, traga o machado para cortar o pau que ficou com a banana!

O ferreiro nem se importou.  O macaco procurou o soldado a quem pediu que prendesse o ferreiro.  O soldado não quis.  O macaco foi ao rei para mandar o soldado prender o ferreiro para este ir com o machado cortar o pau que tinha a banana.  O rei não prestou atenção. O macaco apelou para a rainha.  A rainha não o ouviu. O macaco foi ao rato para roer a roupa da rainha. O rato recusou. O macaco recorreu ao gato para comer o rato. O rato nem ligou. O macaco foi ao cachorro para morder o gato. O cachorro recusou. O macaco procurou a onça para comer o cachorro. A onça não esteve pelos autos. O macaco foi ao caçador para matar a onça. O caçador se negou. O macaco foi até a Morte.

A Morte ficou com pena do macaco e ameaçou o caçador, este procurou a onça, que perseguiu o cachorro, que seguiu o gato, que correu o rato, que quis roer a roupa da rainha, que mandou o rei, que ordenou ao soldado que quis prender o ferreiro, que cortou com o machado o pau onde o macaco tirou a banana e comeu.

 

Recolhido por Benvenuta de Araújo, em Natal no Rio Grande do Norte.

Em: Contos tradicionais do Brasil (folclore) de Luís da Câmara Cascudo, Rio de Janeiro, Edições de Ouro:1967.

 

Como o autor exemplifica nesse livro os contos acumulativos são muito comuns nas Américas.  E Câmara Cascudo  relaciona alguns contos semelhantes a este, em que a Morte é chamada no final e todos correm a fazer o que a morte pede, por medo do que possa acontecer.  O mais semelhante ao nosso é de origem espanhola.





A rua onde eu morava, texto de José Carlos Serrano Freire — uso escolar

13 03 2012

A rua onde eu morava

A rua onde eu morava era muito alegre!

Era tão alegre que só consigo me lembrar dos dias de muito sol e noites enluaradas. Acho que não chovia naquela época.

Mas também acho que são sempre assim as ruas das crianças.

Todo mundo se conhecia, todo mundo era amigo. Às vezes nós brigávamos, mas logo logo fazíamos as pazes.  Criança é assim mesmo, não tem tempo para ficar com raiva.

Nossas brigas eram sempre por motivos nobres: alguém palmeou a mais no jogo de bola de gude; bateu com muita força na hora do pega-ladrão; não quis ficar colado na hora de pegar a bandeirinha e outras coisas dessa gravidade.

Minha rua era muito feliz, porque nós não sabíamos perceber a infelicidade.

Era sempre festa. Os amigos estavam sempre juntos. Tinha o Zezinho, o garoto rico da rua, filho da dona Olga, uma portuguesa durona; tinha a Lucinha, que todo mundo queria namorar.  Tinha o Manteiga, o Saião, o Manel Gordo (era assim mesmo, ninguém conseguia chamá-lo de Manoel), tinha o Boca de Sapo e o Meleca, entre outros. Que turma!

Na minha rua era sempre época de alguma coisa.

Tinha a época de soltar pipas, de manjar balão, de rodar pião, de jogar bola ou búrica, de roubar goiaba. De futebol não, era sempre época.

Em frente da casa onde eu morava tinha um pé de manacá, que é um arbusto sempre florido e muito perfumado.  De tanto vovó falar que gostava dele, sempre que vejo um pé de manacá, eu lembro da vovó.

Na hora de manjar balão, tinha sempre um engraçadinho para contar uma história de lobisomem ou de mula-sem-cabeça.  Era terrível.

Engraçado, agora apercebo, parece que não se fala mais em lobisomem ou mula-sem-cabeça.  Será que eles também acabaram?

Quase no final da minha rua, tinha um morro onde, lá em cima tem, até hoje, a igreja de Santa Catarina.

Nós costumávamos subir até certa altura, levando um pneu. Chegando lá, um de nós se acomodava dentro do pneu e os outros empurravam ladeira abaixo.  Ah!  não tinha coisa melhor. Você rodava, rodava, rodava e chegava lá embaixo tonto, tonto e quase vomitando.

Certo dia, o Manel Gordo resolveu experimentar a brincadeira.  Todos nós empurramos o gordo pra dentro do pneu e… lá foi ele. A barriga do Manel parece que esparramava para os lados do pneu e ele esticava os braços pedindo para parar. Não tinha jeito. Só conseguiu parar dentro de uma poça de lama. Rapidinho alguém acabou com a nossa brincadeira.

Tenho muitas histórias da minha rua para contar.  Só não tenho quem queira ouvir.  Ninguém tem tempo. É uma pena, porque a minha rua tinha muitas histórias interessantes.

Tomara que os adultos deixem as crianças de hoje construírem ruas felizes também.

Em: Cheiro de Manacá, José Carlos Serrano Freire, Rio de Janeiro, Editora Caetés: 1998

José Carlos Serrano Freire (Brasil) Professor, Bacharel em Direito, Trainer em Programação Neurolinguística, palestrante, escritor, Diretor do Instituto Prof Serrano Freire.

Obras:

Afinal… Por que os nossos alunos não aprendem

Seja o professor que você gostaria de ter

Sou professor, 2002

Como não matar seu cliente de raiva, 2008

Feliz vida nova, 2001

Cheiro de Manacá, 1998

Um anjo em minha vida

Meu amigo Paulinho, 2003

Os amigos do Paulinho

A rua onde eu morava, 2004

A arte de falar em público





O vendedor de bananas, poesia infantil de Elias José

7 01 2012

Ilustração Margret Boriss.

O vendedor de bananas

Elias José

Banana-prata,

banana-ouro,

banana-d’água,

banana-baiana

banana-nanica

banana-são-tomé.

O menino bananeiro

e os seus melhores amigos,

dois burrinhos vagarosos,

vão chegando à cidade.

 –

Queria vender bananas

muitas bananas,

gostosas e diferentes,

para todas as casas

da velha cidadezinha.

 –

Queria voltar pra casa

com os cestos vazios

e os bolsos bem cheios

de notas e moedas.

 –

Coisa melhor do mundo

é poder ajudar à mãe…

 –

Só que na cidade tão pequena,

há tantas bananeiras nos quintais!…

 –

Os cestos não vão se esvaziar.

e nos bolsos haverá poucas moedas…

 –

— Melhor assim do que nada! –

diz o menino bananeiro

aos seus burrinhos magricelas.

Em: Mágica terra brasileira, Elias José, São Paulo, Saraiva:2006

Elias José – (MG 1936 – MG 2008 ) escritor de literatura infantil e juvenil, contista, poeta, romancista e professor.





As ilustrações de Dorca para o livro infantil: Os três irmãos de Vicente Guimarães

6 10 2011

Capa, Os três irmãos, Vicente Guimarães, Editora do Brasil, sem data, sem local.

Volto a mencionar a necessidade de estudarmos os ilustradores brasileiros do passado.  Eles fazem parte da nossa herança cultural.  Muito pouco existe a respeito daqueles que ilustraram os livros que nos fizeram sonhar, daqueles que ilustraram os livros em que nossos pais aprenderam a ler.  Muitas das ilustrações do início do século XX eram estrangeiras.  Mas a medida que os textos para crianças — e para adultos também — foram se popularizando com autores nacionais, vimos um bom número de artistas gráficos se dedicar à ilustração.  Há alguns impecilhos óbvios para este estudo: 1) livros para crianças se deterioram com facilidade. 2) as edições de livros de meados dos século XX pecavam pela falta de informações básicas tais como data, local da editora, como acontece com este livro em que focalizo as minhas atenções hoje.  Não tenho idéia da data.  Pelo traçado das ilustrações imagino que sejam do início da década de 1960.  Na internet outros volumes com fotografias do mesmo livro têm outras capas e outras ilustrações.  O mais antigo desses é de 1960, mas outra edição  com outras ilustrações.  3) a premissa de que muito poucas crianças saberiam ler, e ainda menos crianças teriam pais comprando livros, fez com que as tiragens de cada um desses livros fossem muito pequenas.  Assim, torna-se muito difícil salvaguardarmos as imagens e encontrarmos referências biográficas sobre os ilustradores.

Página de abertura.

A página acima não é assinada por quem ilustrou o livro: Dorca.  Há uma outra assinatura que reproduzo abaixo e que me parece ser  Tom 62.  Caso seja isso é possível que todas as páginas de abertura da coleção Histórias Encantadas dessa editora tenham sido iguais, só mudando o nome do livro.  Há de se verificar com outros volumes da coleção.

Assinatura de quem?

Daqui por diante as ilustrações, com a palheta reduzida a três cores, são de autoria de Dorca [sic, sem “s” no plural, como esse nome é mais comumente grafado].  Nem todas as ilustrações são de página inteira.  Grande parte é.  Mas para facilitar só coloquei as imagens aqui, abstendo-me de mostrar qualquer trecho de texto que aparecesse na página.  As legendas são minhas, de acordo com as imagens.

” — Vi o senhor entrar na igreja e ouvi sua oração.”

” Luís tomou a bolsa e pôs-se a contemplá-la.”

Outros países, Inglaterra, Estados Unidos e grande parte dos países europeus — os de 1º mundo — já dedicaram suas pesquisas nas áreas das artes gráficas aos ilustradores de livros para crianças.  Um exemplo sempre lembrado quando se pensa em ilustrações para crianças  é da inglesa Beatrix Potter.

Era verdade! A boa velhinha não mentira.  Agora ia ser invencível.”

Nos EUA há também os famosos ilustradores Maxfield Parrish e Norman Rockwell, ambos trabalhando mais tarde que Potter, na Inglaterra, mas ainda na primeira metade do século XX.  No entanto,  o número de ilustradores de livros para adultos e crianças é enorme a partir da segunda metade do século XIX nos Estados Unidos.

“Joãozinho, ali mesmo, ao pé de uma árvore, sentou-se e abriu o livro precioso.”

Na França temos outros tantos ilustradores famosíssimos: Grandville, Gustave Doré são só dois de dezenas de artistas de peso que se dedicaram às ilustrações de livros tanto de crianças quanto de textos para adultos.

“Acontece que, um dia, a filha do rei ficou seriamente doente.”

[A  ilustração acima é um exemplo deliciosomente anacrônico.  a história se passa num reino encantado, e o remédio para a princesa, podemos ver claramente é uma injeção de penicilina! ]

“Correu imediatamente ao seu encontro e foi dizendo: — Bom dia, boa velhinha.”

” — Mas o monstro azul é muito forte. Até hoje não foi vencido por nenhum ser humano.”

— Não tenha receio, meu irmão. Eu sou invencível.  Não há na terra quem possa comigo, nem mesmo um gigante.”

“Apoderaram-se da caixinha e saíram correndo.”

“Não havia remédio algum.  Viam-se escritas algumas palavras em idioma desconhecido para eles.”

” Joãozinho abraçou Luís e resolveu voltar com ele para o palacete.”

“Causou admiração o aparecimento dos três rapazes, ao palácio.”

“Assim que a moça surgiu na sacada, a multidão prorrompeu em vivas.”

Ficam aqui, então,  as ilustrações dessa edição de Os três irmãos, para entretenimento de todos e quem sabe para instigar uma pesquisa mais aprofundada sobre a ilustradora e sobre a história da ilustração infantil no Brasil.





A coruja e a águia — fábula, texto de Monteiro Lobato

12 04 2011
A águia e a coruja, ilustração de J. J. Grandville.

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A coruja e a águia

                                                      Monteiro Lobato

Coruja e águia , depois de muita briga resolveram fazer as pazes.

— Basta de guerra — disse a coruja.  —  O mundo é  grande, e tolice maior que o mundo é andarmos a comer os filhotes uma da outra.

— Perfeitamente — respondeu a águia. — Também eu não quero outra coisa.

— Nesse caso combinemos isso:  de ora em diante não comerás nunca os meus filhotes.

— Muito bem.  Mas como posso distinguir os teus filhotes? 

— Coisa fácil.  Sempre que encontrares uns borrachos lindos, bem feitinhos de corpo, alegres, cheios de uma graça especial, que não existe em filhote de nenhuma outra ave, já sabes, são os meus.

— Está feito! — concluiu a águia.

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Ilustração francesa.

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Dias depois, andando à caça, a águia encontrou um ninho com três monstrengos dentro, que piavam de bico muito aberto.

— Horríveis bichos! — disse ela.  — Vê-se logo que não são os filhos da coruja.

E comeu-os.

Mas eram os filhos da coruja.  Ao regressar à toca a triste mãe chorou amargamente o desastre e foi justar contas com a rainha das aves.

— Quê?  — disse esta admirda.  — Eram teus filhos aqueles monstrenguinhos?  Pois, olha não se pareciam nada com o retrato que deles me fizeste…

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Para retrato de filho ninguém acredite em pintor pai.  Lá diz o ditado: quem o feio ama, bonito lhe parece.

Em:  Fábulas, Monteiro Lobato, São Paulo, Brasiliense, s/d, 20ª edição.

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Esta fábula de Monteiro Lobato é uma das dezenas de varições feitas através dos séculos da fábulas de Esopo, escritor grego, que viveu no século VI AC.  Suas fábulas foram reunidas e atribuídas a ele, por Demétrius em 325 AC.  Desde então tornaram-se clássicos da cultura ocidental e muitos escritores como Monteiro Lobato, re-escreveram e ficaram famosos por recriarem estas histórias, o que mostra a universalidade dos textos, das emoções descritas e da moral neles exemplificada.  Entre os mais famosos escritores que recriaram as Fábulas de Esopo estão Fedro e La Fontaine.

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José Bento Monteiro Lobato, (Taubaté, SP, 1882 – 1948).  Escritor, contista, dedicou-se à literatura infantil. Foi um dos fundadores da Companhia Editora Nacional. Chamava-se José Renato Monteiro Lobato e alterou o nome posteriormente para José Bento.

Obras:

A Barca de Gleyre, 1944  

A Caçada da Onça, 1924  

A ceia dos acusados, 1936  

A Chave do Tamanho, 1942  

A Correspondência entre Monteiro Lobato e Lima Barreto, 1955  

A Epopéia Americana, 1940  

A Menina do Narizinho Arrebitado, 1924  

Alice no País do Espelho, 1933  

América, 1932  

Aritmética da Emília, 1935  

As caçadas de Pedrinho, 1933  

Aventuras de Hans Staden, 1927  

Caçada da Onça, 1925  

Cidades Mortas, 1919  

Contos Leves, 1935  

Contos Pesados, 1940  

Conversa entre Amigos, 1986  

D. Quixote das crianças, 1936  

Emília no País da Gramática, 1934  

Escândalo do Petróleo, 1936  

Fábulas, 1922  

Fábulas de Narizinho, 1923  

Ferro, 1931  

Filosofia da vida, 1937  

Formação da mentalidade, 1940  

Geografia de Dona Benta, 1935  

História da civilização, 1946  

História da filosofia, 1935  

História da literatura mundial, 1941  

História das Invenções, 1935  

História do Mundo para crianças, 1933  

Histórias de Tia Nastácia, 1937  

How Henry Ford is Regarded in Brazil, 1926  

Idéias de Jeca Tatu, 1919  

Jeca-Tatuzinho, 1925  

Lucia, ou a Menina de Narizinho Arrebitado, 1921  

Memórias de Emília, 1936  

Mister Slang e o Brasil, 1927  

Mundo da Lua, 1923  

Na Antevéspera, 1933  

Narizinho Arrebitado, 1923  

Negrinha, 1920  

Novas Reinações de Narizinho, 1933  

O Choque das Raças ou O Presidente Negro, 1926  

O Garimpeiro do Rio das Garças, 1930  

O livro da jangal, 1941  

O Macaco que Se Fez Homem, 1923  

O Marquês de Rabicó, 1922  

O Minotauro, 1939  

O pequeno César, 1935  

O Picapau Amarelo, 1939  

O pó de pirlimpimpim, 1931  

O Poço do Visconde, 1937  

O presidente negro, 1926  

O Saci, 1918  

Onda Verde, 1923  

Os Doze Trabalhos de Hércules,  1944  

Os grandes pensadores, 1939  

Os Negros, 1924  

Prefácios e Entrevistas, 1946  

Problema Vital, 1918  

Reforma da Natureza, 1941  

Reinações de Narizinho, 1931  

Serões de Dona Benta,  1937  

Urupês, 1918  

Viagem ao Céu, 1932

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 Jean Ignace Isidore Gérard (França, 1803 — 1847), conhecido pelo pseudonimo J. J. Grandville, foi um grande ilustrador e caricaturista francês.





A raposa e a pega, uma fábula de Leonardo da Vinci

2 10 2010

A raposa e a pega, ilustração de Adriana Saviossi Mazza.

Poucos sabem que além das obras de arte que lhe fizeram a fama, além de ser um homem das ciências, além de ser um arquiteto ousado, Leonardo da Vinci, um dos gênios da Renascença italiana, também era um grande prosador e contador de histórias.  Deixou um rico manancial de fábulas, escritas em diversos volumes.  Algumas dessas lendas foram traduzidas por Bruno Nardini e publicadas no Brasil em 1972.  Transcrevo aqui a fábula A raposa e a pega do volume de Leonardo chamado: Lendas: A Falsidade, H. 9 r.)  Em: Fábulas e lendas, Leonardo da Vinci, São Paulo, Círculo do Livro: 1972,p.19.

A raposa e a pega

Certo dia uma raposa esfomeada viu-se debaixo de uma árvore sobre a qual estava pousado um bando barulhento de pegas.

Escondendo-se para não ser vista, a raposa pôs-se a observar.  Notou que os pássaros mantinham-se constantemente em busca de alimento e não temiam sequer pousar sobre cadáveres de animais a fim de bicá-los.

— Vou fazer uma experiência, disse a raposa para si mesma.

Cautelosamente, no maior silêncio, deitou-se no chão e permaneceu imóvel, de boca aberta, como se estivesse morta.

Breve uma pega a viu e imediatamente voou para o chão.

Aproximou-se da raposa e, pensando que ela estava morta, pôs-se a bicar-lhe a língua.

Porém a pega deveria ter sido mais prudente, pois a raposa apanhou-a.

* * * * * * * * * * * * * * *





A volta do mercado, poema de Carlos Chiacchio

3 01 2010

mercado flutuante2

A volta do mercado

                                  Carlos Chiacchio

Desce a canoa de fio

Pela corrente do rio.

Vem arisca, vem frecheira,

Carregada até a beira.

Fruta, ou peixe, da vazante

Ouve-se o búzio distante.

E o povo corre ao mercado.

Na praia, o remo cravado,

Começa a voz das barganhas.

E, logo, em pilha as piranhas.

Vivos, saltando, ao punhados,

Curimatans e dourados.

Matrinchans, madins, a rodo.

Pocomons, frescos, do lodo.

Numa algazarra de festa

Joga-se n’água o que resta.

Volta a canoa de fio

Contra a corrente do rio.

Volta leve, vai suave,

Peneirando como uma ave.

É uma diaba a canoa…

Pulando de popa a proa.

Em: Poesia Brasileira para a Infância,  Cassiano Nunes e Maria da Silva Brito,  São Paulo, Saraiva:1968, pp 8-9

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 Carlos Chiacchio

Carlos Chiacchio ( Januária, MG, 4 de julho de 1884 – Salvador, BA, 1947)  jornalista, orador, poeta, cronista, crítico literário, membro do IGH-BA, Academia de Letras da Bahia. Nasceu na antiga cidade de Januária, situada entre a Serra da Tapiraçaba e o Rio São Francisco, em Minas Gerais. Filho de Jacome Chiacchio e de D. Patrícia de M. Chiacchio. Estudou como interno  no colégio Spencer em Salvador, quando mostrou ter vocação literária.  Em Salvador, cidade onde mais tarde também se formou em medicina, fez parte da Nova Cruzada, associação cultural fundada em 1901 e extinta em 1916. Foi proprietário de farmácia, funcionário da Estrada de Ferro, e médico de bordo. Por fim, fixou-se mesmo em Salvador, onde ficou até o fim de sua vida. Foi o chefe e animador do grupo modernista na Bahia, em 1928, em torno da revista Arco & Flecha (1928-1929). Foi um dos mais típicos e valorosos intelectuais de província, e muito trabalhou para a difusão da cultura na Bahia, algumas vezes até sacrificando seus interesses pessoais. Sua produção extensa, dela salientando-se, contudo, um livro de poemas Infância e Biocrítica.

 

Obras: 

A Dor, 1910  

A Margem de uma polêmica, 1914  

Biocrítica, 1941  

Canto de marcha, 1942  

Cronologia de Rui, 1949  

Euclides da Cunha, 1940  

Infância, poesia, 1938  

Modernistas e Ultramodernistas, 1951  

Os grifos, 1923  

Paginário de Roberto Correia, 1945  

Presciliano Silva, 1927  

Primavera, 1910, 1941