O livro
Helena Pinto Vieira
Os Livros eu sei que são
como portas encantadas
que nos levam a lindas terras
onde moram anões e fadas.
Lugares longe e tão belos
onde eu não podia ir
mas agora, com essa porta
é só ter cuidado e abrir.
O livro
Helena Pinto Vieira
Os Livros eu sei que são
como portas encantadas
que nos levam a lindas terras
onde moram anões e fadas.
Lugares longe e tão belos
onde eu não podia ir
mas agora, com essa porta
é só ter cuidado e abrir.
Tenho ciúme até das rosas
abertas no teu jardim,
pois sei que ao vê-las, formosas,
te esqueces logo de mim.
(Heitor Stockler)
Morro de inveja do mar,
felizardo, vagabundo,
que não se cansa em beijar
as praias de todo o mundo!
(Cesídio Ambroggi)
Dilan Camargo
O primeiro disse:
“excelente”.
O último entendeu:
“isso é leite”.
O primeiro disse:
“Ana de salto alto”.
O último entendeu:
“banana no asfalto”.
O primeiro disse:
“abracadabra
palavra mágica”.
O último entendeu:
“água prá cabra
que vai de viagem”.
Mulher sentada ao espelho
Alberto Micheli (Itália, 1863-1952)
óleo sobre tela, 85 x 57 cm
Adalgisa Nery
Lembro-me desse rosto.
Era risonho mas envolvido numa sombra triste,
Sua voz era clara mas sua língua era tímida,
Voz de criança que suga o peito materno,
Língua de mulher após duros fracassos.
Sua fonte era larga e seus cabelos dourados,
Fronte vigiada pelas grandes insônias.
Seus olhos eram vagos,
Vagos em beleza e em fixação.
Tinham nas pupilas o embaciado de que nasceram mortos.
Seu andar era firme e duro
Contrário a toda a fragilidade de seu corpo
Era como o andar do condenado
Subindo para a morte os degraus da guilhotina.
Sua boca era igual
Igual a tantas bocas de mulher,
Apenas depois de seus sorrisos tristes
Notava-se nos lábios um rito de amargor.
Suas mãos eram
Mãos grandes, secas e vividas,
Mãos que afagaram em silêncio
Muitos corpos amados horas esquecidas.
Suas mãos eram como bocas, como olhos,
Como vozes, com vida independente
Antes do corpo ser adolescente.
Eram mãos velhas e tristes
Eram como olhos vividos em pranto.
Às vezes com um movimento de inocência
E logo depois tomavam atitude de degradação.
Eram mãos que usavam alma emprestada
De dedos longos e inquietos
Como inesperados movimentos de serpente
E mudavam-se às vezes num suave tremor de seios de virgem
Tonteada em amor.
Sobre a vida do corpo desse rosto não direi mais nada
Não sei se era boa ou má
Se era maldita ou abençoada
Porque talvez essas formas destacadas que meus olhos viram
Fossem um sonho ou outra visão qualquer
Ou possivelmente seja meu
O retrato dessa mulher.
(1948)
Em: Mundos oscilantes: poesias completas, Adalgisa Nery, Rio de Janeiro, José Olympio: 1962
Sou jardineiro imperfeito,
pois, no jardim da amizade,
quando planto um amor-perfeito,
nasce sempre uma saudade…
(Adelmar Tavares)
Professores são abelhas
distribuindo, em seu afã,
os polens que são centelhas
das flores de um amanhã!
(João Paulo Ouverney)
Mestre lendo um pergaminho
[DETALHE, veja completo abaixo]
Koto Yoshin (Japão, ativo entre 1830-1850)
Escola Kano, provavelmente cópia de pintura chinesa, como era comum entre os artistas da Escola Kano
Coleção particular
José Jorge Letria
O jovem discípulo de um mestre “chan” confrontava-o, frequentemente, com perguntas de difícil resposta, deixando, ao fazê-las, transparecer a sua juvenil impaciência e o seu desejo de encontrar resposta para as mais intrincadas perguntas.
Ele sabia que o mestre não gostava de grandes abstrações, preferindo a simplicidade da evidência. Porém, um dia perguntou-lhe:
– Mestre, o que é a verdade?
– A verdade – respondeu o mestre, com os olhos postos na linha do horizonte – é a vida de cada dia, nada mais.
Insatisfeito com o caráter demasiado vago da resposta, o discípulo retorquiu:
– Mas a vida de cada dia mais não é do que a soma das coisas que acontecem em cada dia que passa. Olhando para o que acontece, é sempre igual, não se descobre a diferença e muito menos a verdade.
Prontamente o mestre respondeu-lhe:
– Mas é aí que reside a diferença. Uns veem que é assim e outros não. Essa é que é a verdade.”
José Jorge Letria, Contos da Antiga China
Beijo no metrô de Nova York
Philip Hawkins (Inglaterra, 1947)
óleo sobre tela
“A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. Quando o visitante sentou na areia da praia e disse:
“Não há mais o que ver”, saiba que não era assim. O fim de uma viagem é apenas o começo de outra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na primavera o que se vira no verão, ver de dia o que se viu de noite, com o sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para repetir e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre.”
José Saramago, Viagem a Portugal, 1981