O livro, poesia infantil de Helena Pinto Vieira

7 11 2025

 

 

O livro

 

Helena Pinto Vieira

 

Os Livros eu sei que são

como portas encantadas

que nos levam a lindas terras

onde moram anões e fadas.

 

Lugares longe e tão belos

onde eu não podia ir

mas agora, com essa porta

é só ter cuidado e abrir. 





Trova do ciúme

4 11 2025
Ilustraçao: Anúncio da marca Cashmere Bouquet, 1950.

 

 

Tenho ciúme até das rosas

abertas no teu jardim,

pois sei que ao vê-las, formosas,

te esqueces logo de mim.

 

(Heitor Stockler) 





Trova do mar

2 11 2025
Xilogravura poli-cromada japonesa. Ignoro a autoria. 

 

 

Morro de inveja do mar,

felizardo, vagabundo,

que não se cansa em beijar

as praias de todo o mundo!

 

(Cesídio Ambroggi)





Telefone sem fio, poesia infantil de Dilan Camargo

25 10 2025
E-fone de lata, 2005, por Ivan Cruz

 

 

 

Telefone sem fio

 

  Dilan Camargo

 

O primeiro disse:

“excelente”.

O último entendeu:

“isso é leite”.

 

O primeiro disse:

“Ana de salto alto”.

O último entendeu:

“banana no asfalto”.

 

O primeiro disse:

“abracadabra

palavra mágica”.

O último entendeu:

“água prá cabra

que vai de viagem”.

 





Retrato, poesia de Adalgisa Nery

20 10 2025

Mulher sentada ao espelho

Alberto Micheli (Itália, 1863-1952)

óleo sobre tela, 85 x 57 cm 

 

 

 

 

Retrato

 

Adalgisa Nery

 

Lembro-me desse rosto.

Era risonho mas envolvido numa sombra triste,

Sua voz era clara mas sua língua era tímida, 

Voz de criança que suga o peito materno,

Língua de mulher após duros fracassos.

Sua fonte era larga e seus cabelos dourados, 

Fronte vigiada pelas grandes insônias.

Seus olhos eram vagos,

Vagos em beleza e em fixação.

Tinham nas pupilas o embaciado de que nasceram mortos.

Seu andar era firme e duro

Contrário a toda a fragilidade de seu corpo

Era como o andar do condenado

Subindo para a morte os degraus da guilhotina.

Sua boca era igual

Igual a tantas bocas de mulher,

Apenas depois de seus sorrisos tristes

Notava-se nos lábios um rito de amargor. 

Suas mãos eram

Mãos grandes, secas e vividas, 

Mãos que afagaram em silêncio

Muitos corpos amados horas esquecidas.

Suas mãos eram como bocas, como olhos, 

Como vozes, com vida independente

Antes do corpo ser adolescente.

Eram mãos velhas e tristes

Eram como olhos vividos em pranto.

Às vezes com um movimento de inocência

E logo depois tomavam atitude de degradação.

Eram mãos que usavam alma emprestada

De dedos longos e inquietos

Como inesperados movimentos de serpente

E mudavam-se às vezes num suave tremor de seios de virgem

Tonteada em amor.

Sobre a vida do corpo desse rosto não direi mais nada

Não sei se era boa ou má

Se era maldita ou abençoada

Porque talvez essas formas destacadas que meus olhos viram

Fossem  um sonho ou outra visão qualquer

Ou possivelmente seja meu

O retrato dessa mulher.

 

(1948)

 

Em: Mundos oscilantes: poesias completas, Adalgisa Nery, Rio de Janeiro, José Olympio: 1962





Trova do jardineiro

19 10 2025
O jardim, ilustração de Pierre Brissaud,1926, para a revista House & Garden, mês de outubro.

 

 

 

Sou jardineiro imperfeito,

pois, no jardim da amizade,

quando planto um amor-perfeito,

nasce sempre uma saudade…

 

 

(Adelmar Tavares) 





Trova dos professores

15 10 2025
Desconheço a autoria.

 

 

Professores são abelhas

distribuindo, em seu afã,

os polens que são centelhas

das flores de um amanhã!

 

(João Paulo Ouverney)





Homenagem ao dia dos Mestres, 15 de outubro!

15 10 2025

Mestre lendo um pergaminho

[DETALHE, veja completo abaixo]

Koto Yoshin (Japão, ativo entre 1830-1850)

Escola Kano, provavelmente cópia de pintura chinesa, como era comum entre os artistas da Escola Kano

Coleção particular

A verdade e a vida

 

José Jorge Letria

 

O jovem discípulo de um mestre “chan” confrontava-o, frequentemente, com perguntas de difícil resposta, deixando, ao fazê-las, transparecer a sua juvenil impaciência e o seu desejo de encontrar resposta para as mais intrincadas perguntas.

Ele sabia que o mestre não gostava de grandes abstrações, preferindo a simplicidade da evidência. Porém, um dia perguntou-lhe:

– Mestre, o que é a verdade?

– A verdade – respondeu o mestre, com os olhos postos na linha do horizonte – é a vida de cada dia, nada mais.

Insatisfeito com o caráter demasiado vago da resposta, o discípulo retorquiu:

– Mas a vida de cada dia mais não é do que a soma das coisas que acontecem em cada dia que passa. Olhando para o que acontece, é sempre igual, não se descobre a diferença e muito menos a verdade.

Prontamente o mestre respondeu-lhe:

– Mas é aí que reside a diferença. Uns veem que é assim e outros não. Essa é que é a verdade.”

 

 

José Jorge Letria, Contos da Antiga China

 

 

 





“Infância”, poesia de Manuel de Barros

13 10 2025

Bicicleta de Paraty, 2008

Arluce Gurjão, (Brasil, 1968)

óleo sobre tela, 30 x 40 cm

 

Infância

 


Manoel de Barros

 

Coração preto gravado no muro amarelo.
A chuva fina pingando… pingando das árvores…
Um regador de bruços no canteiro.

Barquinhos de papel na água suja das sarjetas…
Baú de folha-de-flandres da avó no quarto de dormir.
Réstias de luz no capote preto do pai.
Maçã verde no prato.

Um peixe de azebre morrendo… morrendo, em
dezembro.
E a tarde exibindo os seus
Girassóis, aos bois.

 

 





A vida como viagem, José Saramago

10 10 2025

Beijo no metrô de Nova York

Philip Hawkins (Inglaterra, 1947)

óleo sobre tela

 

“A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. Quando o visitante sentou na areia da praia e disse:
“Não há mais o que ver”, saiba que não era assim. O fim de uma viagem é apenas o começo de outra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na primavera o que se vira no verão, ver de dia o que se viu de noite, com o sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para repetir e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre.”

 

José Saramago, Viagem a Portugal, 1981