O presépio — poema de Natal de Joaquim Serra

5 12 2009

O presépio

                                                  Joaquim Serra

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Na palhoça iluminada,

Que fica junto da ermida,

Des que a missa foi cantada

Se congrega a multidão;

Toldo de mirta florida,

Flores de mágico aroma

Ornam o presépio, que toma

Na sala grande extensão.

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Quão lindo está!  Não lhe falta

Nem o astro milagroso

Que de repente brilhou;

Nem o galo, que o repouso

Deixara por noite alta

E que inspirado cantou!

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Tudo o que a lenda memora

E consagra a tradição,

Vê-se ali, grosseiro embora,

Despido de perfeição.

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Céu de estrelinhas douradas,

Estrelas de papelão;

Brancas nuvens fabricadas

Da plumagem do algodão!

Anjos soltos pelos ares,

Peixes saindo dos mares,

Feras chegando do além.

Marcha tudo, e vêm na frente

Os Reis Magos do Oriente

Em demanda de Belém.

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É esta a lapa; o Menino

Nas palhas está deitado,

Com um sorriso de alegria

Todo doçura e amor!

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Contempla o quadro divino

São José ajoelhado,

E a Santíssima Maria

De Jericó meiga flor!

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Trajando risonhas cores

Com muitos laços de fitas,

Rapazes, moças bonitas

Formam grupos de pastores.

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Que curiosos bailados,

Com maracás e pandeiros!

E o ruído dos cajados

Desses risonhos romeiros!

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Essa quadrilha dançante,

Cantando versos festivos,

Aos pés do celeste infante

Vai depor seus donativos:

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Frutas, doces, sazonadas,

Ramilhetes de açucenas,

Cera, peles delicadas,

Pombinhos de brancas penas.

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São as joias que os pastores

Dão ao Deus onipotente!

E o povo aplaude os cantores

E o espetáculo inocente.

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Eis o presepe singelo

Da devoção popular;

Oratório alegre e belo

Sagrado risonho altar!

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Em: Poesia Brasileira para a Infância, de Cassiano Nunes e Mário da Silva Brito,  São Paulo, Saraiva: 1969.

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Joaquim Serra

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Joaquim Maria Serra Sobrinho ( MA 1838 — RJ 1888) jornalista, professor, político e teatrólogo.  Pseudônimos: Amigo Ausente, Ignotus, Max Sedlitz, Pietro de Castellamare, Tragaldabas.  Foi um intelectual muito ativo na segunda metade do século XIX.  Abolicionista, trabalhou lado a lado com Joaquim Nabuco, Quintino Bocaiuva e José do Patrocínio para o fim da escrevidão. 

Obras:

A capangada, sem data, séc. XIX

A pomba sem fel, sem data, séc. XIX

As Cousas da moda, sem data, séc. XIX

Epicedio à morte de Manuel Odorico Mendes, sem data, séc. XIX

O jogo das libras, sem data, séc. XIX

O remorso vivo, sem data, séc. XIX

Quem tem boca vai a Roma

Rei morto, rei posto

Biografia do ator brasileiro Germano Francisco de Oliveira, 1862

A coalisão, 1862

Julieta e Cecília, contos, 1863

Mosaico, poesia traduzida, 1865

O salto de Leucade, 1866

A casca da caneleira, romance de autoria coletiva, cabendo a J.S. a coordenação, 1866

Um coração de mulher, poema-romance, 1867

Versos de Pietro de Castellamare, 1868

Semanário maranhense, 1867

Quadros, poesias, 1873

Almanaque Humorístico Ilustrado, 1876

Diário oficial do império do Brasil, 1878

O abolicionista, 1880

Sessenta anos de jornalismo, a imprensa no Maranhão, 1820-80, por Ignotus, 1883

O coroado, 1887

Poesias e poemas, 1888

Os melros brancos, 1890





Imagem de leitura — Auguste Toulmouche

5 12 2009

Lição de leitura, 1865

Auguste Toulmouche ( França, 1829-1890)

Óleo sobre tela, 36 x 27 cm

Museu de Belas Artes, Boston, EUA

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Auguste Toulmouche (França, 1829-1890)

Nascido em Nantes, Auguste Toulmouche foi um artista de bastante presença nos Salões parisienses do século XIX.  Ficou conhecido pelo retrato de belas mulheres em ambientes de luxo.  Fez parte de um seleto grupo de artistas franceses como Jules Émile Saintin ( 1829-1894) e Charles Joseph Frederick Soulacroix ( n. 1825) que se especializaram, por assim dizer, no retrato de vestimentas de época dentro do enfoque da pintura de gênero.  Tinha uma visão romântica da vida diária que seduzia pelo seu idealismo e sentimentalismo.  Principalmente nos momentos do dia a dia das classes mais abastadas.





Natal é solidariedade, quadrinha.

5 12 2009

Noite de Natal — cartão.

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É Natal no mundo inteiro,
mas persiste esta verdade:
não há Natal verdadeiro
sem a solidariedade.

(Milton Souza)





Às vezes influenciamos mais do que imaginamos: Roque Santeiro

5 12 2009

Na foto, da esquerda para a direita:  Lima Duarte como Sinhôzinho Malta, Regina Duarte como Viúva Porcina e José Wilker como Roque Santeiro.  Telenovela produzida pela Rede Globo e exibida no Brasil de junho de 1985 a fevereiro de 1986.

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Hoje, sábado chuvoso, resolvi abrir umas pastas com papelada de  minha mãe.  Desde que ela faleceu ando aos pouquinhos selecionando, excluindo e guardando sua papelada.  Mamãe havia sido uma grande fã da telenovela  Roque Santeiro, e guardara provavelmente porque gostava tanto da novela um recorte do jornal português O Jornal ( 10/01/1988)  de quando a novela passava naquele país.  Vou reproduzi-lo aqui para mostrar como essa produção televisiva influenciou o ritmo daquele país.

Como ver “Roque Santeiro”

Muita gente da classe alta e média que deixou de ver telenovelas brasileiras voltou a retomar o hábito com “Roque Santeiro“.  Os efeitos de tal visão só podem ser benéficos, sobretudo em alguns dos nossos políticos e intelectuais, bem precisados de lições do “sentido do ridículo“.  mas como é que alguns dos nossos líderes de opinião ou autarcas podem continuar a fazer determinados discursos, vendo o professor Astromar?

A mensagem que Dias Gomes criou para ser encenada em Asa Branca atravessa o Atlântico e assenta como uma luva a tantos dos nossos amigos e amigas — e, reconheçamo-lo, às vezes a nós próprios.

Mas não é verdade que, em Portugal, alguns dos maiores admiradores de Eça ou Fialho foram precisamente aqueles que eram atingidos pela sátira mordaz?

Não se caia, portanto, no pecado de dissertar sobre esse incomensurável lugar-comum do poder da televisão.

Mas não é que nos cafés portugueses se ouve já rir com essas gargalhadas alarves de Sinhôzinho e se vêem os tiques do seu sacudir de braço?

Roque Santeiro” teve, há tres anos, um enorme impacto no Brasil.  Também em Portugal, mesmo nas grandes cidades, muitos indiferentes das telenovelas querem já chegar mais cedo à casa para não perder as birras da viúva Porcina, os delírios do Beato Salu, as cenas de ciúme de Zé das Medalhas.

Libelo contra o puritanismo cínico (“vícios privados, virtudes públicas“) como se vai confrontar em Portugal a ironia cáustica e divertida de “Roque Santeiro” com uma certa moralidade conservadora e hipócrita que parece crescer neste país de humor tão próprio que fracassa geralmente quando expresso em público?

Neste Portugal onde ainda há poucos dias houve um linxamento popular pelo receio de bruxaria, no país de Santa da Ladeira, do Padre Cruz — com que olhos vêem “Roque Santeiro” esses cidadãos que não são das classes “blasées” alta e média alta?

E já agora perguntamos: “Estou certo ou estou errado?”

Em:  O Jornal, Lisboa, 10 de janeiro de 1988, Página: ESCOLHAS, Coluna: Tendências.

Mercado Roque Santeiro, Luanda.  Foto do blog: Angola Bela,  www.angolabelazebelo.com

NOTA da Peregrina:  Essa novela foi exibida também em Angola, onde sua influência pode ser sentida até hoje, já que deu o nome de Roque Santeiro ao grande mercado ao ar livre em Luanda.