Cartas de viagens: Espanha I

30 08 2009

espanha

 

 

Cartas de viagens

 

 

No final do século XX, meu marido e eu embarcamos dos Estados Unidos para Portugal onde ele ensinaria Literatura Americana, na universidade de Coimbra.  Por causa da diferença de períodos acadêmicos entre as instituições universitárias a que estávamos agregados, sobraram um pouco mais de dois meses – de agosto ao final de outubro – em que nenhum de nós precisava se encontrar num lugar específico.  Aproveitamos, então, para passar um pouco mais de um mês na França e o resto do tempo viajando pela Espanha.  Nós dois já estávamos bem familiarizados com ambos os países, principalmente com suas maiores cidades.  Estes dois meses serviram para que aprofundássemos o conhecimento que tínhamos de ambos.  E vimos o período de estadia em Portugal – 2 anos – como tempo suficiente para conhecermos o país do Algarve a Guimarães, como a palma das nossas mãos.  É claro que nem tudo saiu como esperávamos.  Mas muita coisa foi muito mais, muito melhor, do esperávamos.   Estes foram de longe, os mais felizes anos de minha vida adulta.  As cartas que estou selecionando para o blog, são cartas que mandei para membros da família, que muito gentilmente as guardaram.  Sempre me dando o incentivo de publicá-las.  Todas começam com: Meus queridos.  Eram para informação de todos.  Acredito que possam mostrar alguns aspectos interessantes dessa estadia européia.

 Cartas de Espanha

 

Barcelona, Outubro de 19…

 

Meus queridos:

É fato que ando de amores com a Espanha há três anos, quando estive aqui duas vezes no mesmo ano.  Pretendo encher as páginas do meu passaporte com carimbos de entrada na Espanha neste ano que entra.  Ao contrário do ditado português, “De Espanha nem bom vento, nem bom casamento”, eu me vejo achando tudo aqui sensacional.  A Espanha conquista e seduz.  É dramática, energética e vibrante!

Não há como escapar de sua característica principal: a Espanha é a INTENSIDADE em pessoa.  Não há por aqui meio termo, indecisão.  Tudo aqui ou vai ou racha.  É tudo ou nada.  Não sei bem como isso é transmitido aos turistas, mas é.  É uma atitude nacional que se encontra por toda parte.  Está permeada no ar que a gente respira (além de muita poluição!).  Está talvez no barulho das ruas, de noite, às 4 da manhã; ou talvez num bater ritmado e único de palmas que a gente ouve de vez em quando no meio das pessoas. Está certamente no andar das multidões, porque o espanhol anda, anda muito, todos os dias, anda se não mais, pelo menos no final do dia, todo arrumado, num requinte de invejar, pelas ruas, nas horas antes do jantar, talvez um resquício do antigo “trotting”!

Mas essa intensidade, esse drama, a ação e a paixão, não são manifestados pelo lado de fora como a gente poderia imaginar: gestos e cantorias.  A paixão dos espanhóis está sempre sob controle.  Porque os espanhóis são quietos, sérios e orgulhosos.  Eles têm uma maneira muito dignificada.  Projetam uma imagem segura, de quem tem um bom sentido de seu valor.  Têm muito amor próprio.  E cativam com sua bondade e respeito, mas sempre de maneira controlada. 

E é esta tensão entre as forças de dentro – que parecem tão próximas a escaparem — e a sobriedade exterior que os faz como um grupo, e individualmente também, tão atraentes para mim.

 

flamenco-pic

 

Eu nunca tinha me interessado muito por dança flamenca até que vi essas danças em Córdoba 3 anos atrás.  Lá estava eu na minha segunda visita à Espanha, achando que já conhecia um pouco, que  tinha uma boa idéia do país.  Mas fiquei impressionadíssima com a dança flamenca e como disse,  daí por diante, achei a dança flamenca a verdadeira expressão da alma espanhola.  Um ícone, por assim dizer, do que deve ser, ser espanhol.  Pelo menos foi o que na época pensei.  A grande estilização da dança, cheia de cores, ou toda negra; e muito, muito sensual; bem ritmada e agressiva revelaram para mim, naquele espetáculo, a tensão de que falei antes, dessas forças polarizadas: o gesto delicado de uma mão elevada no ar, acompanhado pelo bater dos saltos dos sapatos no chão, um levantar de saias e anáguas com a outra mão e o empurrão para cima do queixo, elevando o nariz e encompridando o pescoço.

A dança é sensual, estonteante.  Tem drama, tem canto torturado, sofrido e muita influência árabe na música.  Ela me pareceu a verdadeira expressão da alma espanhola.  Precisa ser uma cultura milenar, cheia de tradições centenárias, para poder revelar os sentimentos e valores de um povo de maneira tão estilizada.  E, o que ainda é mais impressionante é poder comunicar a qualquer pessoa, inclusive uma estrangeira como eu, essas emoções. 

 

Mas eu achava tudo isso porque, até então, não conhecia Barcelona!

 

Beijos e saudades,  L.


Ações

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4 responses

30 08 2009
Iara

Ladyce, adorei a sensibilidade de sua percepção, a agudeza do olhar, sempre vendo alem… e a capacidade de captar e transmitir emocões. Maravilhosa a carta. Simplesmente linda!
Adoreeeeeeeeeeeeeeeeeeeeei!
bjks

29 04 2010
Lígia Guedes

Lindíssimo!
Amo cartas!

27 06 2010
De Rocco

como coloco no meu site essa imagem
??

27 06 2010
peregrinacultural

Oi, Paulo. Ponha o mouse sobre a imagem. Clique do lado direito do mouse. Uma janela se abrirá com diversas opções. Clique em Salvar imagem. A imagem irá ser saçva no seu computador, provavelmente numa pasta chamada imagens. Pronto. A imagem é sua. De lá você pode mandá-la para qualquer lugar na intenet, inclusive por email. Boa sorte.

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