
As Parcas, c. 1875
Escultura sobre a lareira, Salão Principal
Castell Coch, próximo a Cardiff .
País de Gales, Grã Bretanha
Aos 86 anos, Benoîte Groult, famosa feminista e jornalista francesa, escreveu um livro que se tornou um grande best-seller naquele país: Um toque na estrela [Rio de Janeiro, Record: 2009, 2ª edição]. O título é intrigante e esclarecido só ao final da leitura. Mas o texto é claro e ajuda a refletir sobre um assunto raramente abordado com tanta destreza: a velhice. Com extraordinário bom humor, Benoîte Groult nos guia revelando o processo de envelhecimento de um ser humano: as restrições físicas; as restrições e expectativas impostas pela sociedade, pelos colegas de trabalho, ou membros da família.
Um recurso literário de grande valia neste romance, que ajuda o enquadramento das causas defendidas pela autora, foi a narração ser feita por uma das Parcas ou Moiras. No romance, cuja tradução, de Ari Roitman e Carmem Cacciacarro, achei às vezes próximo demais ao francês, uma Moira começa e termina a história. O parágrafo inicial marca o tom imparcial, às vezes irônico e nunca piedoso desta divindade que não nos deixará esquecê-la através do romance:
Todos me chamam de Moira. Vocês pensam que não me conhecem, mas todo mundo vive mais ou menos comigo sem saber, e ocupo um lugar cada vez maior em boa parte de suas vidas. Aliás, ser uma Moira tornou-se um emprego apaixonante desde que tantas pessoas, que passaram seus verdes anos se achando eternas, perdem o norte conforme a flor da idade vai murchando e surge, inexorável, o fruto da maturidade.

Um bom livro, 2006
Lafayette Ragsdale (EUA, contemporâneo)
É de fato esta Moira, quem fechará com chave de ouro a narrativa que culmina no debate interno que cada leitor , gentilmente guiado, trava com a autora, sobre a eutanásia, ou mesmo, o direito de se escolher o momento da morte.
Acostumada a tratar de assuntos polêmicos através de suas colunas jornalísticas Benoîte Groult se tornou conhecida pela maneira sucinta com que caracteriza conceitos complexos, lembrando em muito suas conterrâneas, as grandes pensadoras francesas do século XVII, XVIII e XIX, tais como Marquesa de Lambert, Mme de Sévigné, Françoise de Graffigny, Mme de Staël, e tantas outras cujas citações, por suas clareza e mordacidade atravessam séculos. Como elas, Benoîte Groult tem dezenas de frases conhecidas: A velhice é tão longa que não se deve começá-la muito cedo [«La vieillesse est si longue qu’il ne faut pas la commencer trop tôt.»]; O que há de melhor na navegação é desembarcar [«Ce qu’il y a de plus beau dans la navigation, c’est de débarquer.»]; O feminismo nunca matou ninguém – o machismo mata todos os dias [« Le féminisme n’a jamais tué personne – le machisme tue tous les jours »].
Muitas e muitas citações semelhantes podem ser retiradas de Um toque na estrela. Quando o grupo Papa-livros se reuniu para discussão do texto , alguns membros, conhecidos por tomarem notas de passagens importantes dos livros que lêem, chegaram desta vez com os próprios livros cheios de marcadores, tal a abundância não só de possíveis citações significativas, mas de passagens inteiras que remetem a experiências próximas, às vezes bastante engraçadas, às vezes sentimentais.

Joan lendo, 1994, por Linda Armstrong.
Entrelaçado à descrição do dia a dia da velhice, Benoîte Groult narra um belíssimo e tórrido romance entre dois adultos, um romance extraconjugal de ambas as partes, um romance além das fronteiras geográficas de cada componente. Ele lembra ao leitor, entre outras situações, da necessidade de se aproveitar a vida ao máximo, ao extremo, com corpo e alma, porque é só do presente que se sabe. E talvez nem mesmo deste.
Enquanto, como leitores, somos apresentados a situações relativas ao incômodo do envelhecimento, ao incômodo, para os outros, do nosso próprio envelhecimento, ao incômodo de termos que estar sempre parecendo mais jovens do que somos; somos também apresentados em cores vivas e berrantes à beleza de se estar vivo, à necessidade que temos de nos agarrar ao momento, ao presente, à plenitude. Por nos mostrar como é envelhecer, e também como é estar vivo, ainda no esplendor de uma idade madura e competente, somos convidados a desfrutar ao máximo a vida que temos. Este livro é um hino à vida. Um lembrete para que não a tratemos mal, mas que a honremos. É preciso tomar com suas próprias mãos as oportunidades, porque elas não voltam mais. As Parcas, as Moiras, elas sim, estão sempre atentas, sempre ocupadas, prontas para exercer os seus poderes.
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A escritora Benoîte Groult.
Benoîte Groult trabalha hoje, aos 89 anos, num outro livro.